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A visão dos tribunais brasileiros em relação às cláusulas de limitação de responsabilidade nos contratos empresariais

A cláusula de limitação de responsabilidade contratual, como o próprio nome indica, estabelece um limite quanto às indenizações devidas a título de perdas e danos correlatas a uma obrigação contratual.

31/7/2017

Introdução.

O presente estudo aborda a conceituação, aplicação e o entendimento dos tribunais brasileiros sobre cláusula de limitação de responsabilidade contratual instrumentalizada nas relações empresariais.

A aplicação destas cláusulas foi estudada sob o paradigma empresarial, e não sob o paradigma cível ou consumerista. Isto porque o aspecto empresarial atribui características próprias e viés peculiar aos contratos empresariais (e negócios jurídicos entre empresários), que — naturalmente — os distinguem dos contratos em outros segmentos do Direito. Nestes contratos, os princípios como pacta sunt servanda e autonomia da vontade são amplamente observados, além disso, a causa e a função econômica do contrato são fortes vetores que atuam na sua interpretação e validação de suas cláusulas.

A cláusula de limitação de responsabilidade contratual, como o próprio nome indica, estabelece um limite quanto às indenizações devidas a título de perdas e danos correlatas a uma obrigação contratual.

Nas relações de consumo, as obrigações contratuais do fornecedor são impostas pela legislação objetivando a proteção do consumo e dos consumidores. Complementarmente, o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor1 estabelece que são nulas, de pleno direito, cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor, podendo existir certa limitação em situações justificáveis. Note que existe certa rigidez e que a essência deste negócio jurídico em si, se faz num contexto diferente da relação entre empresários, objetivo desta análise.

Contratos meramente civis, entre pessoas físicas ou jurídicas que não exercem atividade empresária, não serão abordados, pois também possuem natureza e tratamento que os difere das relações essencialmente empresariais, como é ilustrado na ementa abaixo transcrita:

DIREITO EMPRESARIAL. CONTRATOS. COMPRA E VENDA DE COISA FUTURA (SOJA). TEORIA DA IMPREVISÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INAPLICABILIDADE.

1. Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças. 2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado, submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais. (…).2

Conquanto que contratos de consumo e civis fatalmente sofrem certo dirigismo contratual se contrários à legislação, nos contratos empresarias este dirigismo contratual somente é aplicável se for caracterizada a hipossuficiência3 de um contratante perante o outro ou/e senão houver respeito aos princípios gerais dos contratos e seus vetores de funcionamento como: boa fé, pacta sunt servanda, autonomia da vontade, entre outros. Abaixo, posição do STJ a respeito:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IRRESIGNAÇÃO MANEJADA NA ÉGIDE DO CPC/73. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. VALIDADE. 1. A competência territorial para dirimir controvérsias surgidas entre o representante comercial e o representado fixa-se, consoante previsto no art. 39 da Lei nº 4.886/65, no foro do domicílio do representante comercial. 2. Referida competência é de ordem relativa e pode ser validamente afastada por cláusula de eleição de foro, mesmo inserida em contrato de adesão, caso não comprovada a hipossuficiência do representante comercial ou prejuízo ao seu direito de ampla defesa. 3. A superioridade econômica da empresa contratante não gera, por si só, a hipossuficiência da contratada, em especial, nos contratos de concessão empresarial 4. Recurso especial provido.

Contratos empresariais são marcados pela liberdade de contratar e autonomia para estipular seu conteúdo (desde que não se afronte à ordem pública), já que as partes possuem a expertise necessária para estipular direitos e obrigações que se adequem às atividades por elas desenvolvidas.

Levando em consideração o acima exposto, a análise deste artigo se limita ao conteúdo e aplicação das cláusulas de limitação de responsabilidade contratual, sob o viés estritamente empresarial entre partes que não sejam hipossuficientes entre si.

Cláusula de limitação de responsabilidade contratual

A cláusula de limitação de responsabilidade pode ser conceituada como o acordo feito pelas Partes, em consonância com a autonomia da vontade e que intenta, previamente, a uma delimitação da responsabilidade contratual (civil) que o ordenamento jurídico ou o contrato impõe ao devedor pelo descumprimento de suas obrigações (FERNANDES, 2013).

Da conceituação acima, entendemos que as partes precisam dispor de autonomia para estipular sua vontade. Orlando Gomes coloca que o conceito de liberdade de contratar abrange poderes de auto gerência de interesses e de livres condições contratuais. Manifestando-se em três aspectos: ampla liberdade de contratar, liberdade de estipular o contrato e de determinar o seu conteúdo (GOMES, 2007). Essas liberdades são vistas comumente em contratos empresariais em sua essência e quando os contratantes não são hipossuficientes em relação uns aos outros.

A limitação se refere a uma obrigação, que, logo, deve ser limitada de forma que seus riscos possam ser vislumbrados, contingenciados e por fim, prevenidos pelas partes. Obrigações genéricas, e/ou extracontratuais não conseguem ser limitadas e previstas no instrumento contratual.

Por esta, entre outras razões, a doutrina e a jurisprudência orientam-se no sentido que é objeto de cláusula de limitação de responsabilidade as obrigações civis contratuais, como as tratadas pelo Código Civil nos artigos 389 a 405.

A responsabilidade extracontratual é questionada como objeto de cláusula de limitação, pois além das obrigações não serem previamente estipuladas em contrato, parte da doutrina entende que o dever de reparação extracontratual é de ordem pública e excede a seara da liberdade das partes ao celebrar um negócio jurídico. Apesar de divergências, a doutrina e a jurisprudência entendem que o inadimplemento de uma mesma obrigação que seja simultaneamente contratual e aquiliana, não pode ser indenizada duas vezes.

A cláusula de limitação de responsabilidade pode ser vislumbrada quando as partes pactuam que não pagarão uma à outra, em decorrência de quaisquer danos sofridos decorrentes da relação contratual, um valor maior que o valor devido pelo objeto contratual, por exemplo.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – PARCIALMENTE PROCEDENTE – PERÍCIA TÉCNICA NÃO CONCLUSIVA – AUSÊNCIA DE PROVAS QUE DEMONSTREM FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA LIMITATIVA DE RESPONSABILIDADE – DECISÃO REFORMADA – APELAÇÃO DA AUTORA NÃO PROVIDA – APELAÇÃO DA RÉ PROVIDA. (Relator(a): Luiz Eurico; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 04/07/2016;Data de registro: 14/07/2016)

O objetivo da cláusula de limitação de responsabilidade é a limitação da indenização em razão de um dano causado pelo descumprimento do contrato. Todavia, esta cláusula pode ser confundida com a cláusula penal, que é uma pena devida pelo descumprimento contratual, regulada pelo artigo 408 e seguintes do Código Civil.

Nota-se pelo artigo 416 do Código Civil que, para exigir a pena imposta pela cláusula penal não é necessário que o credor alegue o prejuízo e demonstre danos. Ao contrário da cláusula de limitação de responsabilidade, a cláusula penal prescinde da necessidade de comprovação de danos e é aplicada também nos casos de dolo e culpa grave.

Outrossim, temos que o quantum devido estipulado na cláusula penal não pode ser suplementado se o prejuízo exceder o valor da pena, se assim combinado o for (artigo 413 CC.), conquanto, sua proporcionalidade pode ser readequada em juízo.

Apontamos também como diferença que a cláusula penal, quando estipulada no caso de total descumprimento do contrato, converter-se-á em alternativa em benefício para o Credor, o que não se aplica na cláusula de limitação de responsabilidade.

Ao olharmos superficialmente esta última diferença apontada acima e nos deparamos com esta aparente incongruência, qual seja, a possibilidade de o devedor não cumprir o objeto contratual e arguir em sua defesa a cláusula de limitação de responsabilidade, pode-se ter a vaga impressão de que se penetra num território de que tudo é permitido.

Contudo, nestes casos extremos, a parte lesada poderá questionar a validade desta cláusula perante o poder judiciário que deliberará se sua aplicação é razoável (reasonableness) ou equilibrada (fairness) (FERNANDES, 2013, p.107). À vista disso, o poder judiciário poderá adequar o conteúdo desta cláusula para que se encontre equilíbrio e razoabilidade, ou então, anulá-la em caso de ausência da boa-fé objetiva, por exemplo.

Esta avaliação é feita através da análise do caso concreto, em que se sopesa a função social do contrato, o tipo contratual, a legítima expectativa de conduta das partes, além-claro, da “legitimidade” no uso da autonomia da vontade pelas partes contratantes. A título ilustrativo, segue decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre o questionamento da indenização a ser paga para a contratante de transporte marítimo, pela transportadora que perdeu a carga, acondicionada indevidamente em navio, durante uma tormenta no mar. Apesar de ser um contrato típico, regulado por tratados internacionais, destacam-se os pontos que concernem ao conteúdo da matéria sob análise.

"Essa cláusula contratual é, a bem da verdade, reserva de dano imposta pelo transportador, pois mais aproveita a ele, que limita o ressarcimento, do que ao contratante, o qual está pagando o frete, ainda que em valor inferior, o que não diz nada, pois se prejuízo houvesse, o transportador não aceitaria a condição. Se o faz, é porque ainda com frete inferior, tem lucro no transporte.

É verdade que Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que não há ilegalidade na cláusula limitativa, conforme REsp 267.550-RJ, dentre outros, mas sob a ótica da boa fé que deve imperar nos contratos, se o transportador quer receber menos não é porque está zelando pelos direitos do contratante, mas sim porque quer fazer verdadeira "reserva de dano", limitando sua responsabilidade a valores inaceitáveis frente ao dano experimentado pelo contratante. Também não é desconhecido o entendimento de que a cláusula limitativa não mais equivale à cláusula de não indenizar, conforme tantas vezes já proclamou a jurisprudência, mas o que realmente importa ao caso, que é pontual, é que a limitação até poderia ser acolhida, se e caso os danos decorressem de outra situação, que não o da má estivagem, porquanto nessa situação, isentar o transportador com a limitação é premiar a deficiente prestação do serviço. (…)

Já dizia a boa e antiga doutrina referida por ELCIR CASTELO BRANCO, que: "As cláusulas limitativas não se confundem com a cláusula de irresponsabilidade, porque não objetivam suprimir o elo resultante do dano, isentando uma das partes. Colimam a discriminação de certas obrigações ou a fixação de valores que compõem o dano. Quando observam o princípio da equidade e não assumem caráter potestativo, tendo respaldo legal, as cláusulas limitativas são aceitas, porque revelam um modo convencional de compor a obrigação. Quando as cláusulas limitativas importam em verdadeira lesão aos direitos do prejudicado, não são válidas pelo abuso que representam. Relacionando-se com o modo de calcular o dano em soma sistematicamente inferior ao mesmo, dissimula fraude, podendo reputarem-se nulas (Savatier Traité de la responsabilité civile 1939. T. 2. P. 255. N. 665 Enciclopédia Saraiva do Direito vol. 15, pág. 67).

(…) em suma, o confronto entre o valor do dano e o contratual, autoriza a desconsideração da limitação. (…)." (Relator(a): Miguel Petroni Neto; Comarca: Santos; Órgão julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 25/06/2013; Data de registro: 05/07/2013)

Através da decisão acima, apreende-se que a Cláusula foi modificada para cumprir com a função social do contrato, protegendo a expectativa do contratante perante o comportamento da contratada no desempenho de seus serviços.

Conclusão

Temos, portanto, que a cláusula de limitação de responsabilidade está diretamente atrelada à limitação das obrigações estipuladas contratualmente. A limitação das obrigações descreve o que é esperado de cada parte no cumprimento do contrato, de forma que as Partes devem ter conhecimento do que estão se obrigando, para o cálculo dos custos e riscos envolvidos, alinhamento de expectativas para a celebração do negócio jurídico.

O contrato é um instrumento para que as empresas alcancem certa segurança e transparência nos objetivos vislumbrados nas trocas comerciais (função econômica). As empresas utilizam-se de forma ampla da autonomia da vontade para ajustarem à contratação aos interesses peculiares e necessários atinentes a sua atividade comercial, otimizando custos e movimentando a economia.

Consequentemente, o uso da cláusula de limitação de responsabilidade deve atender à função social do contrato, e não criar mecanismos que legitimariam o descumprimento das responsabilidades contratuais, o que fatalmente afetaria a segurança jurídica nas relações empresariais.

Logo, o uso da cláusula de limitação da responsabilidade contratual, se equilibrada e razoável, incrementa as relações entre as empresas e colabora para a melhoria do ambiente de negócios, respeitando as peculiaridades atinentes a cada atividade empresarial.

__________

1 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; (…).

2 Resp 936.741 - GO 2007/0065852-6, Relator: MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA, Julgado: 03/11/2011, DJE: 08/03/2012.

3 RECURSO ESPECIAL 1.628.160 - SC (2015/0120676-8).

__________

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 3: direito de empresa - 11ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de Exoneração e Limitação de Responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013.

FORGIONI, Paula A. Contratos Empresariais: teoria geral e aplicação. 2.ed.rev. atual e ampl. – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2016.

LANDO, Ole. Salient Features of the Principles of european Contract law: a Comparison with the UCC. Disponível em: Acesso em: 9 out. 2015.

__________

*Luise Cristine Proença Ribotta é advogada associada do escritório Azevedo Sette Advogados.






*Paulo Brancher é sócio do escritório Azevedo Sette Advogados. (Co-autor)

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