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A fraude de execução e o novo Código de Processo Civil. Primeiras impressões

A chamada fraude de execução deve ter contornos bem definidos, com vistas a empregar segurança jurídica aos compradores de imóveis que adotem determinadas cautelas e possam ser considerados terceiros adquirentes de boa-fé.

25/7/2017

1. INTRODUÇÃO

Os profissionais que atuam no mercado imobiliário são frequentemente procurados para analisar os riscos envolvidos na celebração de um determinado instrumento de venda e compra. E se deparam, invariavelmente, com um dilema que não é simples de ser respondido: a compra é segura para o seu cliente?

Aos menos afeitos com as minúcias dos instrumentos de venda e compra, a resposta pode parecer simples. Mas não chega nem perto disso. Apesar de todas as informações e documentos obtidos nessa análise, o estudo acaba sempre apontando ressalvas ao comprador. É um "risco calculado" adquirir um imóvel, mas ainda assim é um risco.

Sonho para os que fazem esse trabalho é encontrar as condições perfeitas para o negócio de venda e compra, em que o imóvel tenha sido de propriedade exclusiva do vendedor por mais de 30 anos, que este seja pessoa física, não seja empresário e não possua pendências jurídicas em qualquer esfera.

Mas, ainda assim, é possível afirmar que a compra não será totalmente segura. Pode ser que, em outro estado da federação, este vendedor tenha alguma espécie de restrição que venha a afetar e incidir sobre o negócio que está sendo celebrado. Esse adquirente pode incorrer na chamada fraude de execução e ficar sujeito à perda do bem que acabou de adquirir, mesmo tendo analisado uma infinidade de documentos e certidões.

Para se evitar esse problema, seria necessário um estudo minucioso da situação jurídica do vendedor em todos os estados do país. Não é preciso maiores esclarecimentos para demonstrar que uma pesquisa com essa amplitude tornaria inviável a celebração de negócios dessa natureza e, certamente, paralisaria o mercado de venda e compra de imóveis usados, por exemplo.

É por isso que a chamada fraude de execução deve ter contornos bem definidos, com vistas a empregar segurança jurídica aos compradores de imóveis que adotem determinadas cautelas e possam ser considerados terceiros adquirentes de boa-fé.

A proteção a esse adquirente de boa-fé mostra-se de acordo com o que se espera de um sistema jurídico coerente e bem estruturado. Dar ao comprador a segurança de que ele pode adquirir um imóvel sem que venha a ter surpresas futuras, como a perda dessa propriedade em razão da decretação de fraude de execução, é respeitar e dar credibilidade ao próprio sistema.

Diante de tão importante questão, faremos uma breve análise sobre a evolução da situação do terceiro adquirente de boa-fé em nosso ordenamento jurídico, destacando o que se entendia por fraude de execução na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e o posicionamento dos Tribunais.

Em seguida, destacando a alteração da legislação sobre o tema, com a entrada em vigor da lei 13.097/15, ressaltamos os benefícios e as perspectivas para o instituto com o que se denominou a "concentração dos atos na matrícula" do imóvel.

Por fim, fazendo um comparativo com a evolução histórica do instituto, abordaremos o texto do novo Código de Processo Civil que, ao entrar em vigor em março de 2016, deve ser corretamente interpretado para não representar um retrocesso ao sistema da fraude de execução e da proteção ao terceiro adquirente de boa-fé.

Tentaremos suscitar e enfrentar brevemente algumas das questões e dos problemas que podem surgir com o texto do novo diploma processual.

2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A FRAUDE DE EXECUÇÃO

É princípio geral e antigo do direito que o patrimônio do devedor responde por todas as sua obrigações não cumpridas1. Esse preceito hoje é consagrado pelo Código Civil em seus artigos 391 (obrigações contratuais)2 e 942 (obrigações extracontratuais)3, bem como pelo Código de Processo Civil, em seu artigo 7894. Assim também já estava disposto no diploma processual anterior (CPC/1973, artigo 591)5.

Mesmo assim, como bem destacam Humberto Theodoro Junior6 e Alvino Lima7, conforme a sociedade evolui, a astúcia da humanidade também se aperfeiçoa e aparece com mais frequência. Sob o aspecto da falsa aparência de legalidade, os desonestos conseguem camuflar seus atos e obter vantagens em detrimento dos outros, em "emprego hábil do processo de frustração da lei"8.

Exatamente para se evitar uma burla ao sistema, criaram-se meios para impedir o devedor de dissipar propositadamente seu patrimônio e frustrar o recebimento do crédito por parte do credor9.

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1 Com propriedade, destacava Enrico Tulio Liebman que "o patrimônio do devedor representa para o credor a garantia de poder conseguir, em caso de inadimplemento, satisfação coativa pelos meios executivos" (LIEBMAN, Enrico Tulio. Processo de execução. 5ª ed., com notas de atualização do Prof. Joaquim Munhoz de Mello. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 105).

2 Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.

3 Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

4 Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

5 Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

6 THEODORO JUNIOR, Humberto. Fraude contra credores: a natureza da ação pauliana. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, pp. 60/61.

7 LIMA, Alvino. A fraude no Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 2; também citado por THEODORO JUNIOR, Humberto. Fraude contra credores..., cit., p. 61.

8 LIMA, Alvino, A fraude no Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 02; também citado por THEODORO JUNIOR, Humberto. Fraude contra credores..., cit., p. 61.

9 "Toda alienação de bens do devedor é, pois, potencialmente um prejuízo para o credor, que corre o perigo de não poder realizar execução frutífera por falta de objeto. Não obstante isso, a lei reconhece ao devedor plena liberdade de contratar e, por conseguinte, de alienar seus bens, com o limite de não serem as alienações feitas com conhecimento do prejuízo que se vai causar aos credores por falta de outros bens capazes de garantir-lhes a satisfação de seus direitos. A lei desaprova a alienação feita nestas condições, pois a qualifica de fraudulenta" (LIEBMAN, Enrico Tulio, cit., p. 105).

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Para aqueles que se interessam pelo Direito Imobiliário, Fábio Tadeu Ferreira Guedes e Alexandre Junqueira Gomide são coautores do livro "Temas de Direito Imobiliário" – Tomo 1. A obra foi editada pela Editora IASP e faz homenagem ao prof. des. José Osório de Azevedo Jr.




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*Fábio Tadeu Ferreira Guedes é sócio do escritório Junqueira Gomide & Guedes Advogados Associados.

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