1.1 INTRODUÇÃO
Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, um dos princípios de direito mais relevantes trata-se da boa-fé objetiva, que, muito embora afete as relações privadas, envolve uma norma ética de conduta irrevogável. Não se é permitido agir de má-fé sem uma consequência severa por meio da atuação do Estado nas relações jurídicas através da tutela jurisdicional.
Na mesma toada, a razão prática, uma área da filosofia que estuda a ação humana como uma perspectiva das coisas como devem ser, conectada no Direito como um conjunto de valores (ética/moral) possibilita o diálogo da ciência jurídica com a filosófica, uma vez que toda regra jurídica possui um valor ético escolhido pela sociedade para refletir seus efeitos nas relações sociais.
Desta feita, o contrato (principal modalidade do negócio jurídico) não está imune a valores éticos da sociedade, entre os quais a boa-fé objetiva que descreve normas de condutas que repercutem em todas as fases da celebração do negócio jurídico. Especificamente, no presente estudo será esmiuçada a responsabilidade pré-contratual por meio da aplicação da boa-fé objetiva, que impossibilita o agir não ético, individualista, que não pode se sobrepor à regra ética escolhida pela sociedade.
Em um primeiro passo, será abordado o aspecto jurídico do tema, e após, será viabilizada a análise da razão prática com sua repercussão nas relações jurídicas, propriamente relacionada à responsabilidade pré-contratual, precipuamente ligada à boa-fé objetiva como norma de comportamento da sociedade brasileira.
1.2 DO ASPECTO JURÍDICO DO TEMA
O principal meio de concretização do negócio jurídico consiste na celebração de contratos, sendo a cláusula delimitadora de conduta das partes a boa-fé objetiva, um princípio geral de direito que reflete um comportamento exigido da sociedade contemporânea.
Em que pese o contrato refletir interesses privados, o princípio da boa-fé objetiva veda que uma das partes pretenda prejudicar o interesse da outra em todas as fases da avença, entre as quais: as tratativas do negócio, assinatura e cumprimento dos termos assumidos. O objeto do presente estudo abrange a fase pré-contratual, ou seja, o dever de lealdade da parte quando da negociação prévia para realização do negócio jurídico.
A boa-fé objetiva contratual consiste em um padrão de conduta proba aplicado nos negócios jurídicos. Destarte, "o princípio da boa-fé objetiva veda e sanciona comportamentos disfuncionais como o comportamento contraditório ou desleal." (THEODORO JUNIOR, 2009, p. 94). Entende-se ainda como "regra de conduta fundada na honestidade, na retidão e na lealdade" (COSTA, 1999, p. 412).
Com o advento do Código Civil (BRASIL, 2002), a boa-fé objetiva passa a ser um limite à liberdade individual, na forma dos arts. 187, 421, 422, sendo a realização de justiça social contratual. O Estado não pode nem deve permanecer omisso em relação ao dever de retidão das partes, ainda que seja precipuamente uma prospecção de interesses pessoais.
No mais, conduta da boa-fé reflete o comportamento da sociedade, uma faceta da "regra de ouro", e ainda que individual, há necessidade de repercutir nos interesses gerais, como característica de ética social, cujos elementos filosóficos serão abordados em tempo oportuno.
Conforme a análise da boa-fé objetiva, segundo o renomado doutrinador Silvio de Salvo Venosa (2003, P. 409), "o intérprete deve sempre partir de um padrão de conduta comum, conduta do homem médio, no caso concreto. É um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos".
Outrossim, consoante o comportamento da sociedade atual, em face da aceleração das relações negociais, inclusive por meio das relações jurídicas promovidas no meio virtual, o contrato ocupa uma centralidade presente no âmbito privado com o reforço do Estado pelo dirigismo contratual. Tendo em vista esse papel referencial do contrato, é comum que surjam muitas questões ligadas aos momentos anteriores à formação contratual. Nesta toada, a boa-fé objetiva serve de contorno para balizar as condutas das partes evitando o agir incorreto e não ético.
No mais, a autonomia privada, originada da visão do sistema liberal clássico decorrente da Revolução Francesa, a qual estabelecia o princípio da pacta sunt servanda como lei entre os figurantes, é rechaçada pela visão da função social do contrato (BRASIL, 2002, art. 421), como bem destaca Antonio Junqueira de Azevedo (1998, p. 116):
[...] está claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (art. 1º., IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro.
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*Vitor Ferreira de Campos é advogado em Londrina/PR, no escritório Escapelato, Ferreira, & Ricciardi.
*Wellington Lincoln Seco é advogado em Londrina/PR.