A lei 13.460/17, recentemente publicada, trata de regras gerais a respeito da "participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública" (art. 1º), sem afastar a incidência das "normas regulamentadoras específicas, quando se tratar de serviço sujeito a regulação" e do Código de Defesa do Consumidor.
Espancando dúvidas quanto aos conceitos utilizados no ato normativo, tem-se que o artigo 2º considera serviço público, para os efeitos da citada lei, a atividade administrativa ou de prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida por órgão ou entidade da administração pública (grifo nosso).
O mesmo artigo, no inciso III, define administração pública como órgão ou entidade integrante da administração pública de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública.
Não se esqueça que os serviços públicos podem ser prestados de maneira centralizada (administração direta) ou descentralizada, esta última se dividindo entre aquela transferência para entidade da administração pública indireta ou para particular. Vejamos as lições de Alexandre Santos de Aragão1:
Na forma descentralizada de prestação de serviço público, o poder público transfere a sua titularidade, ou simplesmente a sua execução, por outorga ou delegação, a entidade da Administração Indireta ou a particular. Haverá transferência da titularidade e da execução do serviço se a entidade para a qual for transferido tiver personalidade jurídica de direito público (autarquias e fundações públicas de direito público). Se for pessoa jurídica de direito privado, integrante da Administração Indireta (fundações públicas de direito privado, empresas públicas e sociedades de economia mista) ou não (basicamente concessionários ou permissionários), a transferência será apenas da execução do serviço.
Em ambos os casos já uma interposta pessoa entre a Entidade política constitucionalmente competente para o serviço e o usuário.
De acordo com a Lei Complementar 95/98 (normas sobre elaboração, redação, alteração e consolidação das leis), o primeiro artigo do texto indicará [...] o respectivo âmbito de aplicação (art. 7º, caput).
O art. 1º, §1º da lei 13.460/17 define a abrangência de aplicação da lei da seguinte forma: "o disposto nesta Lei aplica-se à administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso I do § 3o do art. 37 da Constituição Federal"2.
Verificando os incisos do art. 2º, é possível se observar que o serviço prestado por particular não é incluído no conceito de serviço público, para os efeitos da mencionada lei.
As empresas concessionárias de serviço público de energia elétrica, em que pese atuarem no exercício de atividade cuja titularidade pertence à União, não se confundem com os entes da Administração Pública indireta, estando, consequentemente, fora da área de incidência direta da lei 13.460/17. Tanto é assim que o art. 1º, §3º da lei 13.460/17, estipula a aplicação subsidiária aos serviços públicos prestados por particular.
De acordo com o art. 2º, § 2º, do decreto lei 4.657/423 (lei de introdução às normas do Direito brasileiro), por se tratar a lei 13.460/17 de norma geral, não revoga nem modifica a legislação em vigor, devendo ser aplicada, portanto, de forma subsidiária, nos casos em que não houver previsão legal, e como regra de interpretação.
Em nosso sentir, a subsidiariedade significa que a lei 13.460/17 só será aplicada às concessionárias de energia elétrica nos casos em que não houver lei especial tratando especificamente do tema ou regulação específica da ANEEL. A referida lei poderá vir a preencher lacunas eventualmente existentes na legislação e atos regulatórios que regem a prestação do serviço de energia elétrica, desde que compatível com os demais instrumentos normativos.
A Resolução Normativa (RN) 414, editada pela ANEEL no ano de 2010, dentre outros assuntos, possui dispositivos versando sobre diretrizes para a adequada prestação dos serviços (Cap. XII, Seção III), qualidade do atendimento comercial (Cap. XII, Seção VII), tratamento das reclamações (Cap. XII, Seção VIII), atendimento ao público (Cap. XV), ouvidoria (Cap. XV, Seção IV), sinalizando que o arcabouço legislativo da ANEEL abrange um sem número de atos que já tratam de diversas matérias trazidas como "novidade" na lei 13.460/174.
De mais a mais, a legislação existente e os atos editados pela ANEEL regulam detalhadamente muitos dos pontos colocados genericamente na lei 13.460/17 como direitos básicos e deveres dos usuários, como pode ser visto nas normas de atendimento ao usuário, igualdade de tratamento, cumprimento de prazos e procedimentos, etc.
A avaliação continuada dos serviços públicos de energia elétrica é feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica, inclusive com divulgação de indicadores e ranking no site.
Em resumo: a matéria ventilada na lei 13.460/17, se considerada uma novidade, o é apenas no que concerne à administração pública direta e indireta.
No entanto, como a citada lei se aplica à Agência Nacional de Energia Elétrica, de maneira reflexa, poderá vir a impactar nas concessionárias de energia, por meio de alterações e edição de atos regulatórios.
De qualquer forma, as condições contratuais e, mais que isso, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, deverão ser sempre observados, garantindo-se o pleno acesso ao Judiciário para as empresas que vierem a ter prejudicado o citado equilíbrio, em decorrência de imposições/exigências fundadas na lei 13.460/17.
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1 Direito dos serviços públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. Pág. 532.
2 O conceito de administração pública direta e indireta pode ser encontrado no art. 4º do Decreto-lei 200/67 e não engloba o particular que assume a prestação de um serviço público por meio de procedimento licitatório.
3 Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
4 Conselho de consumidores – RN 451/2011 (Estabelece as condições gerais para a criação, organização e funcionamento dos Conselhos de Consumidores de Energia Elétrica, no âmbito das concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica; e revoga a Resolução ANEEL 138 de 10.05.2000); Reclamações de consumidores – RN574/2013 (Estabelece a metodologia e os limites para os indicadores de qualidade comercial DER - Duração Equivalente de Reclamação e FER - Frequência Equivalente de Reclamação; bem como altera artigos da Resolução Normativa ANEEL 414, de 09.09.2010)
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*Érico Vinicius Varjão Alves Evangelista é especialista em Direito Tributário e Direito Empresarial. Sócio do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia – Unidade Bahia.
*Umberto Lucas de Oliveira Filho é especialista em Direito Processual Civil pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental pela UFBA. Sócio do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia – Unidade Bahia.