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Benefícios práticos do compliance

Compliance deve ser entendido como um sistema de medidas para assegurar que a empresa pratique as suas atividades em conformidade com as regras que a ela são aplicáveis, tanto nas situações em que pratica os atos por si, quanto nas situações em que contrata terceiros para fazê-lo.

10/7/2017

No Brasil, não é incomum que Compliance seja entendido única e exclusivamente como sinônimo de sistemas anticorrupção e, consequentemente, há empresas que alegam não precisarem de programa de Compliance porque não mantêm relações comerciais com os órgãos públicos. Nada mais falso, até mesmo porque se as empresas não mantêm relações comerciais com o poder público, não deixam de ter frequentes interações com o mesmo, por exemplo: ao pagarem tributos; ao obterem licenças e alvarás; em fiscalizações do Ministério do Trabalho; em fiscalizações dos órgãos ambientais; em processos judiciais, para dizer o mínimo. Além disso, não raramente, essas interações são feitas por terceiros contratados pelas empresas, e é aí que o Compliance também faz a diferença.

De forma simplificada e direta, Compliance significa "conformidade" e essa conformidade se dá tanto com normas externas (leis, por exemplo) quanto com normas internas (procedimentos e políticas da própria empresa). Logo, Compliance deve ser entendido como um sistema de medidas para assegurar que a empresa pratique as suas atividades em conformidade com as regras que a ela são aplicáveis, tanto nas situações em que pratica os atos por si, quanto nas situações em que contrata terceiros para fazê-lo. Esse conjunto de regras poderá ser: ambiental, finanças, trabalhista, tributário, societário, contratual, concorrencial (antitruste), administrativo, bem como normas internas (código de ética, manual de conduta, políticas e procedimentos internos).

Disso decorre que há diversos benefícios para a empresa que efetivamente adota mecanismos de Compliance e esses benefícios são estendidos a diversas áreas, não apenas nos casos em que há interação da empresa com autoridades ou funcionários públicos, mas em distintos momentos da vida empresarial.

Nesse sentido, trataremos aqui de alguns exemplos de benefícios práticos que as empresas podem ter ao exercer as suas atividades em conformidade com as regras aplicáveis:

1. Compliance é oportunidade de negócios e vantagem competitiva: é cada vez mais comum, em qualquer mercado, empresas com programa de Compliance implementado quererem se relacionar apenas com empresas que também mantêm programa de Compliance efetivo, independentemente do tamanho de sua operação, vez que o tamanho da empresa não é impedimento para a existência de mecanismos de Compliance, mas é apenas um dos fatores a ser levado em consideração quando da estruturação do programa. A existência de programa de Compliance efetivo passa a ser um dos critérios para selecionar os parceiros de negócios (fornecedores, prestadores de serviços, subcontratados). Logo, a empresa que tem um programa de Compliance efetivo tem vantagem sobre os seus concorrentes e, para fazer negócios, terá mais chances de ser escolhida por outras empresas que atuam em conformidade com as normas aplicáveis.

2. Compliance é atração de investimentos: investidores querem investir em empresas sólidas, com baixas chances de se envolverem em escândalos, que o seu modelo de negócios seja a conformidade com a Lei, não o contrário. A implementação do Compliance é justamente a empresa ter à sua disposição ferramentas e usá-las efetivamente para que a sua operação se dê de acordo com as normas vigentes e aplicáveis. Em outras palavras, a implementação de Compliance é uma sólida e eficaz sinalização ao mercado sobre as práticas da empresa. Aliás, entre uma empresa que adota um efetivo programa de Compliance e outra que não, certamente as chances de receber um investimento são maiores para a primeira do que para a segunda.

3. Compliance é identificação de riscos e antecipação de problemas: não é possível gerenciar coisas que não se pode identificar. A identificação de riscos é a primeira medida para mitigá-los. Não é possível haver um sistema de gestão completo se os riscos aos quais a empresa está exposta não são conhecidos. Até que se saiba as hipóteses de exposição da empresa, não se pode saber a real liability da atividade empresarial. Quando da implementação de um programa de Compliance, a primeira atividade é a identificação de riscos. Com a identificação dos riscos, tem-se a possibilidade de preparar soluções para as possíveis situações que podem gerar a responsabilização da empresa e de seus executivos. Aliás, não basta a simples identificação dos riscos envolvidos na atividade empresarial, deve-se elaborar e implementar plano de ação para a sua mitigação/remediação e, ainda, promover a revisão no mínimo anual desses riscos, o que é parte essencial do sucesso de uma atividade empresarial.

4. Compliance é correção efetiva de não-conformidades: Compliance é atuar em medidas preventivas de não-conformidade, mas, também, em medidas corretivas de não-conformidades. Compliance é igualmente tratar a situação pós-não-conformidade, com plano de ação, com treinamentos, com revisão de políticas, procedimentos, condutas, pessoas, colaboradores, fornecedores, prestadores de serviços. A situação pós-não-conformidade exige uma agenda positiva para que a não-conformidade ocorrida tenha as consequências minoradas, cuidando-se adequadamente da imagem e da reputação da empresa.

5. Compliance é awarness para os colaboradores: quando os colaboradores de uma empresa são treinados em Compliance, eles passam a ter a capacidade de enxergar não-conformidades dentro e fora da empresa. Isso significa que os colaboradores da empresa passam a enxergar não-conformidades de fornecedores, prestadores de serviços e, até mesmo, de concorrentes (especialmente em matéria concorrencial). Essa capacitação dos colaboradores contribui decisivamente para a mitigação de riscos de exposição para a empresa, fomentando um ambiente ético na execução de negócios.

6. Compliance é limitação de responsabilidade: auditar e acompanhar a execução de atividades por fornecedores e prestadores de serviços é uma das funções de Compliance. Saber quem é o parceiro de negócios, como atua, se cumpre ou não as Leis, como trata seus colaboradores, por exemplo, é essencial para entrar em uma relação comercial ou seguir com a mesma. As atitudes de um terceiro poderão colocar em risco a reputação do contratante. Especificamente em relação à Lei Anticorrupção brasileira (lei 12.846/13), os atos do terceiro em benefício do contratante são suficientes para implicar o contratante em ilícitos administrativos, vez que a responsabilidade da pessoa jurídica é objetiva (independente de culpa), pelos termos da referida lei. Logo, manter um programa de Compliance efetivo, em que a supervisão, a auditoria dos terceiros é feita com efetividade e regularidade, pode significar, sem dúvida, limitação de responsabilidade para a empresa contratante. O mesmo vale quando a não-conformidade ocorre na própria empresa, vez que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e conduta são fatores capazes de reduzir as penalidades aplicáveis à pessoa jurídica.

7. Compliance é sustentabilidade do negócio: pode-se entender sustentabilidade como a aplicação de métodos de gestão aos negócios que podem ser repetidos no tempo com sucesso. Essa sustentabilidade somente será possível com o cumprimento das leis. Os "atalhos" (shortcuts) podem ser benéficos no curto prazo, mas expõem a empresa a riscos de tamanho tal que as suas atividades resultam comprometidas. No Brasil de hoje, há diversos exemplos de práticas empresariais não-sustentáveis que terminaram na crise econômica atual. Cumprir as normas de forma sistemática certamente não evita a ocorrência de não-conformidades, mas certamente diminui as chances de sua ocorrência, vez que tal passará a ser ato isolado na empresa, não a sua forma de fazer negócios.

Tanto os escândalos atuais de corrupção, quanto notícias outras de não-conformidade (assédio moral na maior empresa do mundo de carona paga, por exemplo), comprovam, na prática, aquela velha máxima: se você acha Compliance caro, experimente o Não-Compliance!

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*Renato Vieira Caovilla é sócio de Carvalho, Machado e Timm Advogados. Atua nas áreas de compliance e direito concorrencial. LLM pela University of California, Berkeley (2014).


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