Em evento organizado no mês de junho pelo IBRADEMP – Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, foram apresentadas as principais propostas de alterações na Lei de Falência e Recuperação de Empresas (“LFR”) pelos Prof. Francisco Satiro e pelo Prof. Paulo F. C. Salles de Toledo, membros do grupo de trabalho nomeado pelo Min. da Fazenda para enfrentar este desafio.
São inegáveis os avanços e melhorias na proposta de reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Destacamos a regulação da recuperação de grupos de empresas, bem como os processos de insolvência envolvendo também as transnacionais. Notadamente, reflexo das recuperações de grande vulto ocorrido nos últimos anos.
Entretanto, em que pese a reconhecida evolução proposta no texto da reforma, identificamos que a atual redação deixa de abordar uma das principais ineficiências da lei vigente, qual seja, o procedimento destinado às pequenas recuperações judiciais, atualmente, disponível apenas às microempresas e empresas de pequeno porte.
Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, as ME e EPP representam aproximadamente de 93,7% das empresas ativas no Brasil, cada uma com sua particularidade e característica, desde o tradicional comércio de bairro, pequenas consultorias até startups.
De acordo com os dados do SEBRAE, só no Estado de São Paulo, 27% das empresas encerram as suas atividades no primeiro ano, 38% no segundo, 46% no terceiro, 50% no quarto, 62% no quinto e 64% no sexto. São diversas as causas das dificuldades e quebras dessas empresas e que muitas vezes passam pela falta de “maturidade” do empreendedor e desembocam em um nível de endividamento que dificultam ou até mesmo inviabilizam a atividade empresarial.
Em uma economia saudável, tão importante quanto a retirada das maçãs podres (empresas ineficientes) do cesto (ambiente econômico) para não contaminarem as maçãs sadias (empresas eficientes), é a instituição de mecanismos que garantam aos empreendedores a possibilidade de se reorganizarem e recuperarem o seu negócio ou, até mesmo, de quebrá-los e partirem para uma nova empreitada. O insucesso empresarial faz parte do doloroso processo de amadurecimento de muitos empreendedores, como Walt Disney e Henry Ford.
O vigente procedimento previsto na LRF à disposição dos pequenos devedores é inacessível, custoso, inflexível e ineficiente. Inacessível, pois tão somente as empresas que puderem se enquadrar como microempresas e empresas de pequeno porte é que poderão utilizá-lo, deixando de fora outros pequenos devedores; custoso, em decorrência das custas processuais e da necessidade de pagamento de administradores judiciais; inflexível, tendo em vista a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados, bem como a restrição ao parcelamento da dívida em até 3 anos (segundo dados apurados em estudo recentemente realizado pela PUC-SP e pela ABJ o prazo médio de pagamento nas outras RJs é de 10 anos); e inócuo, já que quase da totalidade do endividamento dessas empresas são garantidas pessoalmente pelo empreendedor, não sendo a ele extensível os efeitos da recuperação.
Sobre as garantias pessoais, o projeto traz avanços com a nova redação proposta no § 1º, do art. 49 desta lei, ao estender aos garantidores as alterações que sofrer a obrigação garantida, conforme estipulado no Plano de Recuperação.
Sobre os demais pontos, destacamos as seguintes sugestões que apresentamos ao grupo de trabalho do Ministério da Fazenda, no intuito de aprimorar as recuperações de baixo impacto econômico: (i) Subjetividade. A Recuperação Judicial Especial ser ajuizada não só pelas ME e EPP, mas por todos os agentes econômicos que tivessem um endividamento baixo, independentemente do seu enquadramento, como por exemplo as cooperativas e as startups investidas por pessoas jurídicas e fundos de investimento. (ii) Redução de Custo: Além da dispensa da Assembleia de Credores, seriam também dispensadas as obrigações de publicações em jornais e órgãos públicos, a figura do administrador judicial e do comitê de credores. A lei deveria também assegurar ao devedor, direito à Justiça Gratuita e ao pagamento diferido de custas. Deveriam ser beneficiados os credores com crédito inferior a 20 salários mínimos, dispensando a representação de advogados, como já ocorre no Juizado Especial Cível e os credores trabalhistas serem representados por seu sindicato, quando não optarem pela assistência de advogado próprio. (iii) Flexibilidade: Com a revogação da limitação das parcelas e da exigência de aprovação de novas despesas, os Planos de Recuperação poderiam ser elaborados com a mesma flexibilidade das demais recuperações, seja quanto ao pagamento, seja em relação às regras de governança, adaptando assim às peculiaridades de cada empresa, credores e endividamento.
Sendo este o cenário, não podemos perder esta janela de oportunidade para melhorar o ambiente de negócios no Brasil por meio da disponibilização de mecanismos que possibilitem a recuperação da grande maioria das empresas e o amadurecimento dos empreendedores responsáveis por elas.
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*Renato Scardoa é advogado e sócio responsável pelas áreas Corporate e Reestruturação de empresas do escritório Franco | Advogados.