Gratuidade de estacionamento e inconstitucionalidade
Roberta Gebrin Guimarães*
No ano passado, foram vetados, em vários estados e municípios brasileiros, projetos de lei que disciplinam a cobrança de estacionamento em shoppings centers. Da mesma maneira, muitas decisões judiciais têm sido proferidas pelo Brasil afora, invalidando leis que tratam sobre este mesmo tema. Exemplos são o veto do então Prefeito José Serra, ao Projeto de Lei n° 183/05 e o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, negando a constitucionalidade da Lei nº. 4.541/05.
Tanto o projeto de lei paulista, quanto a lei carioca buscavam a dispensa de pagamento das taxas referentes ao uso de estacionamento, aos consumidores que comprovassem despesa correspondente a pelo menos 10 (dez) vezes o valor da referida taxa.
De forma geral, os vetos e sentenças utilizam como argumento a inconstitucionalidade dos projetos e leis estaduais e municipais, vez que eles tratam de matéria de competência da União. No caso do projeto de lei do município de São Paulo, a justificativa do veto asseverou que “o Estado somente poderá exercer, como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo essas funções indicativas para o setor privado”. Percebe-se que a Constituição Federal não está sendo interpretada adequadamente.
O Estado não só pode como deve intervir na liberdade de exercício de atividade econômica e no direito à propriedade, para reprimir o abuso do poder econômico e o aumento arbitrário dos lucros. Este entendimento está estampado em várias partes do texto constitucional (artigos 170, 173 §4º, 182 § 2º, 184 e 186), só não observa quem não quer. A economia brasileira é a de mercado.
Assim, o Estado somente poderá intervir na livre concorrência e livre iniciativa para reprimir o abuso do poder econômico e o aumento arbitrário dos lucros e este é o caso dos Empreendedores de Shopping Centers, que vêm exercendo o poder econômico de forma anti-social. Como bem afirma José Afonso da Silva: “Quando o poder econômico passa a ser usado com o propósito de impedir a livre iniciativa de outros, com a ação no campo econômico, ou quando o poder econômico passa a ser o fator concorrente para um aumento arbitrário de lucros e detentor do poder, o abuso fica manifesto”
Desta forma, é necessário que o Estado intervenha, por meio de seus Legislativos e Judiciários, para que se evite o abuso do poder com base na supremacia econômica. A questão dos estacionamentos em shoppings centers transcende a seara do direito privado, já que está afeta às relações de consumo, além de estar havendo excessivo lucro por parte dos Empreendedores de Shoppings, em detrimento do consumidor e dos pequenos lojistas, partes mais fracas desta relação jurídica. Ademais, trata-se de matéria urbanística, assunto de interesse local e, por isso, competência legislativa dos municípios (art. 30, I, CF/88).
Os valores pagos pelos lojistas de shoppings a título de aluguel e condomínio já incluem as despesas com o estacionamento. Os gastos com o aparelhamento, manutenção e funcionário dos estacionamentos são pagos pelos lojistas, juntamente com o seu “custo ocupação”, ou seja, os custos de funcionamento do estacionamento estão embutidos nos valores de condomínio e aluguel, de forma que as administrações dos shoppings estão cobrando duplamente pelo serviço: uma vez dos lojistas e outra dos consumidores.
O Empreendedor de Shopping, ao formatar o empreendimento, prevê a disponibilidade das vagas de garagem aos consumidores, como forma de atração da clientela ao centro de compras, valor este já calculado nas verbas a serem suportadas por todos os lojistas para a manutenção do shopping. Como os lojistas pagam o custo do estacionamento, seria justo que eles participassem dos altos lucros obtidos com a exploração desta atividade.
O que acontece, porém, é exatamente o inverso: além de custearem o estacionamento do shopping, os lojistas também pagam para usá-lo. Percebe-se que está havendo abuso do poder econômico, o que a Constituição Federal não tolera, visto que dele resulta a violação de outros princípios constitucionais, como a livre iniciativa, a livre concorrência e o princípio da isonomia. Pois bem, o custo ocupação exacerbado dos shoppings centers, aliado com a dupla cobrança nos estacionamentos, desrespeita a toda a lógica constitucional. A função social da propriedade é princípio constitucional consagrado. Direito voltado à proteção da dignidade humana, decorrente do princípio da igualdade. Tais princípios são frutos do Estado Democrático de Direito, verdadeiro alicerce da Constituição Cidadã, os quais superam todos os argumentos utilizados nos vetos e sentenças que invalidaram os projetos de leis disciplinadores da cobrança pelo estacionamento nos shoppings centers.
É necessário que os intérpretes constitucionais se balizem em regras hermenêuticas sólidas, as quais demandam uma interpretação que harmonize os princípios constitucionais, considerando-os como partes integrantes de um sistema homogêneo em que não há hierarquia, mas sim todos os princípios estão igualmente em vigos, em patamar de igualdade.
Contudo, o que vemos, é que, mais uma vez, a parte mais fraca de uma relação jurídica está sendo abjurada e até mesmo “atropelada” pelos interesses econômicos desmedidos dos Empreendedores de Shopping Centers. O que não podemos entender é o apoio dos Poderes Executivos e Judiciários estaduais e municipais, por meio de vetos e sentenças de frágeis justificativas, contra projetos de leis que trazem justiça e legalidade à matéria.
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