Identidade da Lei Complementar e oportunidade ao abuso de Medidas Provisórias
Hugo de Brito Machado*
Graças ao grande prestígio dos referidos Mestres essa tese ganhou enorme espaço na comunidade jurídica brasileira. Nós a acolhemos em edições anteriores de nosso Curso de Direito Tributário. São raras, aliás, as manifestações em sentido contrário, tanto que já foi acolhida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e poderá, se acolhida pelo Plenário, vir a ser consagrada definitivamente em nosso Direito positivo.
A referida tese, porém, não nos parece aceitável. A superioridade hierárquica da lei complementar decorre de ser a mesma aprovada em procedimento próprio no qual está a exigência de quorum qualificado, que lhe empresta maior densidade. E além desta e de outras razões que procuramos demonstrar em estudos publicados na Revista Dialética de Direito Tributário, a tese é inaceitável especialmente porque amesquinha a segurança jurídica e com isto contribui para o aumento dos conflitos. Basta que se tome como exemplo a oportunidade que indiscutivelmente enseja ao abuso na edição de medidas provisórias, pois não obstante tenha sido proibida a edição destas para o trato de matéria reservada à lei complementar, é praticamente impossível a delimitação precisa dessa matéria.
Em outras palavras, a tese segundo a qual somente será lei complementar aquela que tratar das matérias a essa espécie normativa expressamente reservadas pela Constituição dá ensejo ao abuso na edição de medidas provisórias para revogar ou alterar leis complementares, a pretexto de que os dispositivos revogados ou alterados tratam de matérias não reservadas à lei complementar porque na maior parte dos casos é difícil senão impossível definir-se com precisão os limites das matérias reservadas à lei complementar.
A segurança é um dos valores fundamentais da humanidade, que ao Direito cabe preservar. Ao lado do valor justiça, tem sido referida como os únicos elementos que, no Direito, escapam à relatividade no tempo e no espaço. No dizer de Radbruch “os elementos universalmente válidos da idéia de direito são só a justiça e a segurança.” (Filosofia do Direito, trad. de L.Cabral de Moncada, 5ª ed., Arménio Amado, Coimbra, 1974, p. 162). Daí se pode concluir, portanto, que o amesquinhar a segurança jurídica e ensejar o abuso na edição de medidas provisórias, é suficiente para desqualificar a tese que, infelizmente, prevaleceu na 1ª Turma do STF a respeito da identidade da lei complementar.
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*Juiz aposentado do TRF da 5a Região e Presidente do ICET - Instituto Cearense de Estudos Tributários
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