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Identidade da Lei Complementar e oportunidade ao abuso de Medidas Provisórias

Os Mestres Geraldo Ataliba e Souto Maior Borges desenvolveram doutrina no sentido de que uma lei complementar identifica-se como tal pelo conteúdo. Não basta tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional como lei complementar, obediente ao preceito constitucional que exige quorum qualificado. Se tratar de matérias não expressamente reservadas a esse espécie normativa será uma lei ordinária. Assim, mesmo sendo formalmente uma lei complementar, podem ser estas alteradas ou revogadas por leis ordinárias naquilo em que eventualmente tratem de matéria não compreendida na reserva específica.

19/6/2006


Identidade da Lei Complementar e oportunidade ao abuso de Medidas Provisórias


Hugo de Brito Machado*


Os Mestres Geraldo Ataliba e Souto Maior Borges desenvolveram doutrina no sentido de que uma lei complementar identifica-se como tal pelo conteúdo. Não basta tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional como lei complementar, obediente ao preceito constitucional que exige quorum qualificado. Se tratar de matérias não expressamente reservadas a esse espécie normativa será uma lei ordinária. Assim, mesmo sendo formalmente uma lei complementar, podem ser estas alteradas ou revogadas por leis ordinárias naquilo em que eventualmente tratem de matéria não compreendida na reserva específica.


Graças ao grande prestígio dos referidos Mestres essa tese ganhou enorme espaço na comunidade jurídica brasileira. Nós a acolhemos em edições anteriores de nosso Curso de Direito Tributário. São raras, aliás, as manifestações em sentido contrário, tanto que já foi acolhida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e poderá, se acolhida pelo Plenário, vir a ser consagrada definitivamente em nosso Direito positivo.


A referida tese, porém, não nos parece aceitável. A superioridade hierárquica da lei complementar decorre de ser a mesma aprovada em procedimento próprio no qual está a exigência de quorum qualificado, que lhe empresta maior densidade. E além desta e de outras razões que procuramos demonstrar em estudos publicados na Revista Dialética de Direito Tributário, a tese é inaceitável especialmente porque amesquinha a segurança jurídica e com isto contribui para o aumento dos conflitos. Basta que se tome como exemplo a oportunidade que indiscutivelmente enseja ao abuso na edição de medidas provisórias, pois não obstante tenha sido proibida a edição destas para o trato de matéria reservada à lei complementar, é praticamente impossível a delimitação precisa dessa matéria.


Em outras palavras, a tese segundo a qual somente será lei complementar aquela que tratar das matérias a essa espécie normativa expressamente reservadas pela Constituição dá ensejo ao abuso na edição de medidas provisórias para revogar ou alterar leis complementares, a pretexto de que os dispositivos revogados ou alterados tratam de matérias não reservadas à lei complementar porque na maior parte dos casos é difícil senão impossível definir-se com precisão os limites das matérias reservadas à lei complementar.


Por apreço à segurança jurídica, portanto, é preferível admitirmos que se o Congresso Nacional, ao elaborar uma lei, entende estar tratando de matéria que a Constituição reservou à lei complementar, e por isto opta por essa espécie normativa e observa, em sua elaboração, as normas definidoras do procedimento próprio para a aprovação de lei complementar, sua opção deve ser respeitada, não se podendo questionar o conteúdo de cada um dos dispositivos da lei então aprovada com o propósito de demonstrar que não se trata de matéria reservada à lei complementar.


A segurança é um dos valores fundamentais da humanidade, que ao Direito cabe preservar. Ao lado do valor justiça, tem sido referida como os únicos elementos que, no Direito, escapam à relatividade no tempo e no espaço. No dizer de Radbruch “os elementos universalmente válidos da idéia de direito são só a justiça e a segurança.” (Filosofia do Direito, trad. de L.Cabral de Moncada, 5ª ed., Arménio Amado, Coimbra, 1974, p. 162). Daí se pode concluir, portanto, que o amesquinhar a segurança jurídica e ensejar o abuso na edição de medidas provisórias, é suficiente para desqualificar a tese que, infelizmente, prevaleceu na 1ª Turma do STF a respeito da identidade da lei complementar.

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*Juiz aposentado do TRF da 5a Região e Presidente do ICET - Instituto Cearense de Estudos Tributários







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