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Você já ouviu falar no Enem PPL? Conheça o Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade

A realização deste exame encontra fundamento no artigo 5º, §1º da portaria 807/10 do Ministério da Educação, segundo a qual a aplicação do Enem precisa levar em consideração as políticas de educação das unidades prisionais.

28/6/2017

Durante o 4º Encontro do Pacto Integrador de Segurança Pública Interestadual e a 64ª Reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), realizados em Goiânia/GO, no dia 10 de novembro do ano passado, a ministra Cármen Lúcia, atual presidenta do STF e do CNJ, declarou que, no Brasil, um preso custa trezes vezes mais para os cofres públicos do que um estudante do ensino médio. De acordo com os dados apresentados pela ministra, enquanto um estudante do ensino médio custa, para o Estado, R$ 2.200,00 por ano, um presidiário custa R$ 2.400,00 por mês – e, portanto, R$ 28.800,00 por ano.

Naquela oportunidade, a ministra Cármen Lúcia lembrou que, em uma conferência realizada no ano de 1982, o antropólogo Darcy Ribeiro, autor de "O Povo Brasileiro", ponderou que, se os governadores não construíssem escolas, em vinte anos, faltaria dinheiro para construir presídios.

De fato, no final de novembro do ano passado, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul anunciou que, diante da crise no sistema prisional, enquanto não houvesse vagas nos presídios, ônibus seriam utilizados para acomodar detentos. Apesar de a medida ter sido descartada pouco tempo depois, conforme anunciado pelo Secretário de Segurança do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer, o governo do Rio Grande do Sul ainda avaliava a possibilidade de utilizar contêineres com a mesma finalidade.

No entanto, a situação do sistema carcerário no Brasil tende a se agravar. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado pelo Ministério da Justiça, de 2000 a 2014, a população carcerária brasileira aumentou, em média, 7% ao ano –, valor dez vezes maior do que o crescimento da população total do país no mesmo período. Se o crescimento permanecer nesse ritmo, em 2022, a população carcerária ultrapassará um milhão de indivíduos no Brasil e, em 2075, 10% da população brasileira estará em situação de privação de liberdade.

Por sua vez, uma pesquisa realizada no ano de 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a pedido do CNJ, revelou que o Brasil apresenta uma taxa de reincidência penal de 24,4%. Ou seja, um em cada quatro ex-presidiários volta a ser condenado por algum crime no período de cinco anos após o cumprimento da pena anterior, nos termos dos artigos 63 e 64 do Código Penal. A reincidência penitenciária, isto é, o retorno à prisão para o cumprimento de uma nova pena, independentemente do lapso temporal transcorrido depois da saída da cadeia, tende a ser ainda maior.

Considerando o elevado crescimento da população carcerária e os expressivos índices de reincidência, a reversão do quadro exposto pela ministra Cármen Lúcia parece não se restringir ao aumento de investimentos na educação básica. Além de evitar que as crianças e os adolescentes se tornem adultos criminosos, é preciso oferecer meios para que os presos possam se (re)inserir na sociedade. E um dos caminhos pode ser a própria educação.

Nesse contexto, também no mês de novembro do ano passado, poucos dias antes da declaração da ministra Cármen Lúcia, o juiz Pedro Camara Raposo Lopes, da vara de Execuções Criminais, da Infância e da Juventude e de Precatórias Criminais da comarca de Pará de Minas/MG, autorizou um preso a realizar as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Na decisão, proferida durante plantão judiciário e enviada para a direção da penitenciária por WhatsApp (para que chegasse a tempo de possibilitar que o preso se deslocasse até a escola onde a prova seria aplicada), o juiz declarou que: "(...) a dolorosa vicissitude da vida pela qual passa o cidadão provisoriamente privado de sua liberdade não pode servir de empeço para que planeje seu futuro de forma mais digna." O magistrado ponderou, ademais, que a atitude do detento deveria servir de exemplo para os jovens.

Além de demandar autorização para realizar a prova convencional, os indivíduos privados de liberdade podem se inscrever no Enem PPL. O Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade, implementado pelo governo Federal no ano de 2010, destina-se a menores infratores internados em instituições socioeducativas e adultos encarcerados em unidades prisionais.

A realização do Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade encontra fundamento no artigo 5º, §1º da portaria 807/10 do Ministério da Educação, segundo a qual a aplicação do Enem precisa levar em consideração as políticas de educação das unidades prisionais.

As provas são realizadas nas unidades prisionais e socioeducativas indicadas pelos órgãos de administração prisional e socioeducativa de cada Estado da Federação, desde que os órgãos de administração tenham firmado Termo de Adesão junto ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e as unidades prisionais e socioeducativas tenham firmado Termo de Adesão, Responsabilidades e Compromissos junto ao Inep.

Da mesma forma que o exame regular, o Enem PPL é composto por uma redação em língua portuguesa e por quatro provas objetivas com 45 questões cada, abrangendo as áreas de ciências humanas (história, geografia, filosofia e sociologia); ciências da natureza (química, física e biologia), matemática; e linguagens e códigos (língua portuguesa e estrangeira –, inglês ou espanhol –, literatura, artes, educação física, tecnologias da informação e comunicação). De acordo com o Inep, as provas possuem o mesmo grau de complexidade e a correção apresenta o mesmo rigor que a avaliação convencional.

No ano de 2016, o Enem PPL teve 54.347 inscritos, o que representou um acréscimo de 275% no número de inscrições em comparação à primeira edição.

Em caso de aprovação nos cursos técnicos ou superiores, os menores infratores ou presidiários precisam de permissão da Justiça para frequentar as aulas. Apesar de se costumar autorizar a saída temporária daqueles que cumprem pena em regime semiaberto, em conformidade com artigo 122, II da lei de execuções penais, o STJ possui o entendimento de que não se deve estender esse benefício aos condenados em regime fechado. Ainda assim, há a possibilidade de se candidatar a vagas em cursos oferecidos pela modalidade EaD (Educação a Distância).

As provas do Enem PPL são realizadas nas próprias unidades prisionais e socioeducativas que aderiram ao exame em datas diferentes das provas regulares. No ano de 2016, o Enem para Pessoas Privadas de Liberdade foi aplicado nos dias 13 e 14 de dezembro (terça e quarta) em 1.290 unidades prisionais de todo o país.

A aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade constitui uma política pública que contribui para a função social da pena, atuando de forma preventiva e individualizada, com o intuito de impedir que os apenados voltem a praticar crimes, ao lhes oferecer oportunidades de (res)socialização.

Sem dúvida, como sugere a ministra Cármen Lúcia, uma das principais medidas para reverter o aumento da população carcerária consiste em ampliar (além de utilizar com eficiência) os investimentos na educação básica. Entretanto, diante dos expressivos índices de reincidência, também se revela necessária a implementação de políticas públicas direcionadas à população carcerária, sobretudo medidas semelhantes ao Enem PPL, que visem a proporcionar o desenvolvimento cultural, educacional e profissional dos apenados.

Além de possibilitar a remição de parte do tempo de execução da pena, nos termos do artigo 126 da lei de execuções penais, o oferecimento do Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade cria oportunidades para que os menores infratores e os adultos encarcerados possam se qualificar, ter uma profissão e ingressar ou retornar ao mercado de trabalho.

Partindo do pressuposto de que a função da pena não deve se restringir à punição pelo crime ou infração cometidos e à exclusão do condenado do convívio social, devendo, sobretudo, contribuir para a prevenção da prática de novas condutas indesejáveis, torna-se indispensável a realização de investimentos em políticas públicas capazes de proporcionar a efetiva (res)socialização dos apenados e, consequentemente, a diminuição nos índices de reincidência.

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1 Uma pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP (GECAP-USP), da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, revelou que, apesar de a Resolução n. 06/2012 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) determinar que os Estados e o Distrito Federal informem, mensalmente, ao Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça (Depen/MJ), seus custos com as atividades prisionais, no ano de 2015, apenas os Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Rondônia comunicaram, ainda que parcialmente, seus gastos. A pesquisa está disponível na própria página do GECAP-USP (clique aqui) Acesso em 22 de maio de 2017.

2 Importante lembrar que, no ano de 2010, ao julgar o HC 142.513/ES, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que utilizar contêiner como cela seria inadequado, ilegítimo e manifestamente ilegal, deferindo o habeas corpus, por unanimidade, e determinando a substituição da prisão em contêineres pela prisão domiciliar.

3 Conforme infográfico disponível aqui. Acesso em 22 de maio de 2017.

4 Nesse sentido, nos termos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Relator Jorge Mussi no julgamento do HC 276881: “Da leitura do excerto acima transcrito verifica-se que o Tribunal local posicionou-se conforme a jurisprudência deste Sodalício no sentido de ser incabível as saídas temporárias, mesmo que para fins de estudo, ao preso que encontra-se cumprindo pena no regime fechado.” (HC 276.881/RJ, Ministro Relator Jorge Mussi, julgado em 29/11/2013, DJ 10/12/2013).

5 Vale destacar que a Emenda Constitucional (EC) n. 95/2016 vai de encontro ao referido propósito, na medida em que tende a diminuir o investimento em educação ao vincular as aplicações mínimas à inflação acumulada no ano anterior, e não mais à receita líquida de impostos.

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*Bruna de Bem Esteves é mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP. Graduada em Direito e graduanda em Ciências Sociais pela USP.

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