Resumo: O artigo analisa o instituto processual do prequestionamento nas legislações anteriores e as novas regras relativas a ele na recente lei 13.105/15, o novo Código de Processo Civil. Comenta os verbetes das súmulas de jurisprudência do STF e do STJ sobre o tema, classificando-o doutrinariamente. Adiante, estudam-se julgados históricos do Superior Tribunal de Justiça sobre o real alcance e necessidade do prequestionamento e como esses embates refletiram no anteprojeto e no texto final recentemente sancionado. Apontam-se, por fim, as mudanças impostas pelo novo e as consequências dessa nova realidade perante os tribunais.
Prequestionamento na legislação brasileira
Pela primeira vez, o vocábulo “prequestionamento” se fez presente na legislação processual, com o atual Código de Processo Civil. Essa novidade está prevista no art. 1.025, nestas palavras: “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.
O instituto processual do prequestionamento, contudo, não é novo. Muito pelo contrário. O ministro Victor Nunes Leal há muito registrava que:
“O pré-questionamento como pressuposto de cabimento do recurso extraordinário era expressamente mencionado nas Constituições de 1891, art. 59, III, a; de 1934, art. 76, III, a; de 1937, art. 101, III, a, não tendo sido conservada a redação anterior na Constituição de 46. Entretanto, essa mudança de redação é irrelevante para desate do problema em face, conforme tem decidido, reiteradamente, o Supremo Tribunal”.1
E, de fato, as Constituições de 1934 e de 1937 eram mais explícitas a respeito do tema, conforme trechos abaixo:
“Art. 76. A Côrte Suprema compete:
[...]
2) julgar:
III – em recurso extraordinario, as causas decididas pelas justiças locaes em unica ou ultima instancia:
a) quando a decisão fôr contraria litteral disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja applicação se haja questionado;” (grifo do autor).2“Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
[...]
III – julgar, em recurso extraordinario, as causas decididas pelas justiças locaes em unica ou ultima instancia:
a) quando a decisão fôr contra a lettra de tratado ou lei federal, sobre cuja applicação se haja questionado;” (grifo do autor).3
A propósito, a terminologia atual “prequestionamento” foi inspirada nesses dois textos constitucionais de 1934 e 1937, haja vista a utilização do verbo “questionar” na forma nominal do particípio passado. Daí a exigência de um questionamento pretérito, prévio, para a admissibilidade do recurso excepcional.
A Constituição seguinte, de 18 de setembro de 1946, não foi tão explícita, trazendo, no art. 101, inc. III, da Carta Política, o prequestionamento como pressuposto para o recurso extraordinário por meio de outras palavras: “Compete ao Supremo Tribunal Federal (...) julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes (...)” (grifo do autor).4
Ora, se o texto constitucional impunha que somente as causas decididas eram passíveis de recurso extraordinário, impossível a inovação recursal em ponto sobre o qual o tribunal de origem não se tinha manifestado (i.e., decidido).
Aliás, foi na vigência da Constituição de 1946 — e do Código de Processo Civil de 19395 — que as súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal sobre prequestionamento foram aprovadas:
“Súmula 282. É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.6
“Súmula 256. O ponto omisso da decisão, sobre a qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.7
A Constituição seguinte, de 1967 , repetiu o texto de 1946, mantido pelo Ato Institucional n. 6, de 19699.
O mesmo se deu com a Constituição de 1988. O art. 102, inc. III, diz competir ao Supremo Tribunal Federal “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância” quando verificadas quatro hipóteses (grifo do autor).10
A novidade, em 1988, foi a criação do Superior Tribunal de Justiça e do recurso especial, no art. 105, inc. III, segundo o qual compete ao Superior Tribunal de Justiça “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância” pelos tribunais que enumera, em outras três situações (grifo do autor).11
Como se vê, o atual texto constitucional manteve a tradicional redação de 1946, exigindo que a questão constitucional (no caso do recurso extraordinário, julgado pelo Supremo Tribunal Federal) ou infraconstitucional federal (no caso do recurso especial, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça) tenham sido efetivamente decididas pelo tribunal de origem.
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1. BRASIL. STF. RE n. 46.882 – SP, j. 9.11.1962. Plenário, relator Victor Nunes Leal.
2. BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil. Constituições Brasileiras. Brasília: Senado Federal, vol. III, 2013, p. 118, 1 CD-ROM, grifo do autor.
3. BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Constituições Brasileiras. Brasília: Senado Federal, 2013, vol. IV, p. 77, 1 CD-ROM, grifo do autor.
4. BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Constituições Brasileiras. Brasília: Senado Federal, 2013, vol. V, p. 72, 1 CD-ROM, grifo do autor.
Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:
(...)
III - julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes:
a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal;
b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;
d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada for diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros Tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal.
5. O Código de Processo Civil de 1939, a exemplo do atual, não trazia nada a respeito do tema, omitindo o vocábulo.
6. BRASIL. STF. Súmula 282 – 13.12.1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 128.
7. BRASIL. STF. Súmula 356 – 13.12.1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 154.
8. BRASIL. Constituição (1967). Constituição Brasil. Constituições Brasileiras. Brasília: Senado Federal, 2013, vol. VI, art. 114, III, p. 110, 1 CD-Rom:
Art. 114. Compete ao Supremo Tribunal Federal:
(...)
III - julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de Governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal;
d) der à lei interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.
9. BRASIL. Ato Institucional 6, de 1º de fevereiro de 1969, que alterou o art. 114 da Constituição de 1937. Cf. CAMPANHOLE, Adriano; CAMAPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 10. ed. São Paulo: Atlas S.A., art. 114, III, p. 387:
Art. 114. Compete ao Supremo Tribunal Federal:
(...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em única ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência a tratado ou lei federal;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato do Governo local, contestado em face da Constituição ou de lei federal;
d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.
10. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Edição do Senado Federal, 2013, art. 102, III, a, b, c d, p.70. Grifos nossos. Edição com as Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/1994 e com as Emendas Constitucionais 1 de /1992 a 74/13. A EC. n. 74/2013, encarte, grifo do autor.
11. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Edição do Senado Federal, 2013, art. 105, III, p. 74, grifo do autor.
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*Hugo Damasceno Teles é advogado e sócio do escritório Advocacia Fontes Advogados Associados S/S.