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Regulamentar não é proibir

O que não se pode tolerar é que sob o falso fundamento de se estar regulando o setor, se proíba, ou traga algum tipo de embaraço que inviabilize a exploração da atividade pela iniciativa privada no segmento de transporte individual privado de passageiro.

22/6/2017

A questão não é nova: os serviços prestados por veículos particulares com o uso de plataformas (aplicativos) móveis (como o “UBER”, a “99” – que antes era exclusivo dos táxis, chamado de “99 Táxi”, e tantos outros) não são considerados “transporte público individual”.

Inúmeras foram as polêmicas até que, ao menos em São Paulo, a questão restou pacificada (por enquanto – vide nossa nota sobre segurança jurídica) pela Corte Especial do Tribunal de Justiça Paulista, com o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (proc. 2216901-06.2015.8.26.000), em outubro de 2016, sob o entendimento de que, dentre outros pontos, não há qualquer previsão constitucional ou mesmo legal que qualifique a atividade de transporte individual de passageiros como de titularidade exclusiva/privativa do Estado, diversamente do que ocorre com o transporte coletivo municipal.

Entendeu a Corte Paulista, ainda, que esses serviços prestados pela iniciativa privada restam protegidos pelo princípio da liberdade de iniciativa a qual, inclusive, auxilia como estímulo à livre concorrência e melhoria dos serviços prestados (inclusive o transporte público individual).

Não há que se falar, portanto, em reserva de mercado/monopólio pelo “transporte individual público” (Táxi) para o serviço de transporte individual de passageiros, sendo plenamente viável a coexistência de serviços similares, porém de natureza jurídica diversa: a de direito privado e a de direito público.

Sem se alongar no assunto, outra fundamental razão para as conclusões acima referidas, além da ausência de previsão na Constituição ou em lei que qualifique esse serviço como de titularidade privativa do Estado, cita-se, também, a Lei de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/12), que deixa inequívoca a possibilidade de coexistência de mais de uma espécie de serviço de transporte urbano, destacando-se o seu artigo 4º, inciso VIII, que define o transporte público individual (táxi), e o inciso X que conceitua o transporte individual privado (duas modalidades distintas, portanto).

Ainda assim, curioso observar como o Poder Legislativo de alguns municípios brasileiros ainda insistem, em nossa opinião, na falida tese de se enquadrarem essa atividade como um tipo de serviço público, não lhe sendo permitido ser explorado por meio de aplicativos disponibilizados pela iniciativa privada.

Tenta-se algum tipo de respaldo no artigo 30, inciso V, da CF que atribui aos Municípios a competência de “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”. No entanto, esses argumentos, ao menos para nós, não se mostram suficientes para refutar os pontos acima referidos, sendo imprecisa qualquer equiparação jurídica entre “transporte público individual” de passageiro com o “transporte privado individual”.

Ainda assim, não se nega a competência regulamentar do Poder Público sobre o trânsito e transporte, tal como dispõe o artigo 22, inciso XI, da CF. Competência regulamentar esta que pode ocorrer, inclusive, em outras atividades econômicas desempenhadas pela iniciativa privada com respaldo no texto constitucional.

O que não se pode tolerar, todavia, é que, sob o falso fundamento de se estar regulando o setor, se proíba, ou traga algum tipo de embaraço (desproporcional e/ou desarrazoado) que inviabilize a exploração da atividade pela iniciativa privada no segmento de transporte individual privado de passageiro.

Como já afirmado e reafirmado tanto pela doutrina e por nossos Tribunais, guardadas as devidas proporções e peculiaridades do caso concreto, a ação estatal regulatória não pode trazer interferências às atividades relegadas ao setor privado de modo a inibir o desenvolvimento social, a liberdade de iniciativa e o fomento da concorrência. Em outras palavras, regulamentar não é proibir.

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*Ricardo Camarotta é advogado do escritório Timoner e Novaes Advogados.

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