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A advocacia no banco dos réus

Os profissionais devem atuar, inclusive junto às instituições representativas da advocacia, com vistas a demonstrar aos julgadores que não é possível admitir-se a repetição de honorários recebidos, para a hipótese de rescisão de julgado.

20/6/2017

Causou inquietude e perplexidade aos profissionais da advocacia a recente decisão da 3ª turma do STJ (REsp 1.651.057), por meio da qual foi deliberada a legitimidade da inclusão do procurador da parte vencedora em processo, cuja decisão transitada em julgado seja desafiada em ação rescisória, pelo simples fato de ter sido fixada verba de sucumbência, reconhecendo, assim, a responsabilidade do profissional pela devolução do valor de honorários recebidos.

Os honorários advocatícios de sucumbência foram reconhecidos como verba alimentar, no âmbito do STF, por meio da súmula vinculante 47, que dispõe: “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”.

A irrepetibilidade de verba alimentar está sedimentada em nossa jurisprudência, sendo que a exceção definida pela 1ª seção do STJ (REsp 1.401.560) refere-se à reversão de antecipação de tutela na concessão de benefícios do INSS, qualificados como verba alimentar, quando o titular da verba sabe, de antemão, que aquele recebimento é provisório. Ou seja, a irrepetibilidade de verba alimentar constitui a regra a ser observada.

Ora, se os honorários são verbas de natureza alimentar, que têm como característica fundamental a irrepetibilidade, salvo quando recebidas em caráter provisório (antecipação de tutela), a pretensão da repetição de tal verba é, antes de tudo, ilegal e contrária ao postulado da indispensabilidade do profissional da advocacia para a administração da Justiça, mormente se o valor correspondente a sua remuneração pode ser retirado pelo próprio Poder Judiciário após anos do exercício profissional.

Nem se argumente que se trata de vedação ao enriquecimento sem causa, como vem sendo alardeado em alguns textos, pois, não se deve esquecer, o advogado somente faz jus a essa remuneração após diversos anos de trabalho, muitas vezes superiores a uma década. A rescisão de um julgado não elimina ou reduz o esforço hercúleo dos profissionais da advocacia para alcançarem o final da via crucis processual. As inúmeras peças processuais, audiências, perícias, recursos, sustentações orais não podem ser simplesmente desconsideradas, como se a rescisão de um julgado tivesse o condão de anular toda a atividade forense já exercida.

Além disso, a questão do mínimo existencial deve ser analisada com muito cuidado; compõem o conteúdo desse “mínimo” os custos e investimentos do profissional com seu escritório, funcionários, advogados, estagiários, cursos de aperfeiçoamento, biblioteca, material de escritório etc....tudo a exigir, na maior parte das vezes, a antecipação de gastos pelo profissional, aguardando o recebimento de um honorário de valor expressivo, que inclusive o auxilie na época da aposentadoria. Além disso, não se pode ignorar a real perspectiva do profissional em buscar melhoria patrimonial (compra da casa própria, viagem com a família, educação para os filhos etc).

O advogado, profissional liberal, não é funcionário público, não recebe aposentadoria, não recebe diferenças salariais, não tem garantida sua remuneração mensal, depende dos honorários contratados com o cliente, que, no caso de atuação contenciosa, incluem a verba de sucumbência. Não raro o valor da sucumbência é compensado pelo cliente para compor a contratação total dos honorários.

Ademais, o julgado em questão se aplica igualmente aos advogados públicos, que participam de verbas de sucumbência, sendo, a partir de agora, candidatos a serem incluídos no polo passivo de ações rescisórias.

Dessa forma, em face da gravidade do tema em questão, os profissionais devem atuar, inclusive junto às instituições representativas da advocacia, com vistas a demonstrar aos julgadores que não é possível admitir-se a repetição de honorários recebidos, para a hipótese de rescisão de julgado.

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*Arystóbulo de Oliveira Freitas é advogado (OAB/SP 82.329), sócio da banca Arystóbulo Freitas Advogados, tendo exercido a presidência da AASP no biênio 2011/12.

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