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Sobre os acordos de leniência

A identificação dos envolvidos, inclusive do próprio leniente, não os isentam de restituir todos os prejuízos causados ao erário, o que não pode ser objeto de flexibilização no acordo firmado.

20/6/2017

Interessante observar recente matéria divulgada no portal do Diário de Comércio Indústria & Serviços (DCI), em 9/6/17, que aborda questão bastante relevante inerente aos chamados acordos de leniência, destacando-se o receio de investidores aportarem recursos em empresas envolvidas na Lava Jato.

Esses acordos, de maneira bastante resumida, consistem na concessão de alguns benefícios ao infrator leniente, como redução de penas de multa ou até mesmo a isenção de algumas sanções legalmente previstas, desde que o leniente cumpra alguns pressupostos e requisitos estabelecidos em lei, que traga inequívoco benefício à Administração Pública e, consequentemente, à sociedade quando traz elementos e provas acerca de determinada infração, com a possível identificação de outras pessoas que também participaram do ato ilícito.

Deixo sempre clara minha opinião de que não se tratam de meros “benefícios” para aqueles que infringiram a lei e praticaram atos de corrupção, por exemplo. A depender da forma como o instituto é tratado, acaba-se gerando sentimento coletivo de impunidade com relação aos lenientes que, de fato, tiveram suas penalidades atenuadas. Temos sempre que analisar (e, porque não, fiscalizar) esses acordos com base nas vantagens que eles trouxeram para a persecução de algum ilícito e os resultados positivos que foram gerados à coletividade.

Nesse sentido, a interrupção de um grande esquema de corrupção, por si só, já traz grandes benefícios. A identificação de outros envolvidos e a agilidade na investigação e punição, pelo órgão sancionador responsável, também trazem benefícios de grande relevo para a sociedade. Acima de tudo, temos que lembrar que a identificação dos envolvidos, inclusive do próprio leniente, não os isentam de restituir todos os prejuízos causados ao erário, o que não pode ser objeto de flexibilização no acordo firmado.

Tem-se, então, com base nesses benefícios (auferidos pela sociedade) sopesar as flexibilizações que foram concedidas ao infrator leniente. Não o oposto.

A questão é bastante complexa e vamos deixar eventuais aprofundamentos para outra oportunidade.

O que importa, neste momento, é observar que alguns juristas de renome, como o ilustre Dr. Carlos Ari Sundfeld, defende não ser o acordo de leniência (referindo-se ao acordo previsto na Lei Anticorrupção, lei 12.846/13) uma alternativa juridicamente segura, por haver, em sua opinião, dúvidas sobre seus efeitos e a validade e capacidade na resolução de todos os problemas. Defende, portanto, a necessidade de revisão do texto legal ou, até mesmo, a criação de uma legislação específica para tratar dos acordos de leniência.

Guardadas as devidas proporções, de fato, a Lei Anticorrupção, especialmente no que tange aos referidos acordos, carece de alguns ajustes de grande importância. Vale lembrar que estes pontos já foram, inclusive, objeto de Medida Provisória do Poder Executivo (a MP 703/15) que perdeu seus efeitos em 29/5/16 uma vez que não foi convertida em lei, tendo o texto da lei 12.846/13 retomado sua versão originalmente publicada em 1º de agosto de 2013.

De maneira geral, toda legislação nova causa grande polêmica e, com o devido respeito sempre merecido, esperar que qualquer norma jurídica “resolva todos os problemas” é um tanto quanto utópico.

Em nossa opinião, também entendemos cabíveis algumas alterações no texto da lei 12.846/13, inclusive para dar maior coesão ao pretenso sistema anticorrupção, ainda em fase embrionária de formação, sendo existentes algumas legislações esparsas que tratam de temas correlatos. No entanto, muitas “lacunas” e interpretações da Lei Anticorrupção ficarão, como ocorre com toda lei, a cargo dos nossos Tribunais, sendo necessário tempo para a maturação da legislação.

Trataremos de questões pontuais em notas específicas, mas o breve alerta que se faz, aqui, consiste em não desprezar a evolução e os benefícios que já estão sendo nitidamente alcançados com a referida legislação, em que pese sua imperfeição.

Com relação ao receio de investidores aportarem recursos em empresas envolvidas na operação Lava Jato, convenhamos que algumas questões fogem do aspecto legal e vertem para o âmbito meramente comercial.

Evidentemente que aportar recursos em negócios de risco possuem vantagens e desvantagens. Se os ativos das empresas envolvidas na investigação estão “à venda a preços atrativos” não é por qualquer razão, mas justamente pela insegurança que gravita em torno do negócio de uma empresa que foi envolvida em esquemas de corrupção.

Não se pode esperar, por corolário lógico, a mesma segurança que se obtém ao investir em uma empresa que não está envolvida em investigações por atos de corrupção, de um investimento realizado em outra empresa que esteja passando por uma pública crise financeira-institucional pelos atos e negócios levados de forma ilícita nos últimos anos.

Acima de tudo, não se pode “culpar” exclusivamente o sistema normativo pela instabilidade dessas empresas e seus ativos, frise-se, em que pese concordarmos que a Lei Anticorrupção pode e deve passar por um aperfeiçoamento, especialmente nas questões inerentes ao acordo de leniência.

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*Ricardo Camarotta é advogado do escritório Timoner e Novaes Advogados.


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