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Máscaras da exclusão: os direitos fundamentais na era da globalização

No mundo globalizado, claros são os sinais de domínio econômico das chamadas grandes potências mundiais em relação aos demais países do globo, ou seja, estes acabam por funcionar como objeto de imposições imperialistas daqueles, detentores de capital e poder.

9/8/2006

 

Máscaras da exclusão: os direitos fundamentais na era da globalização

 

Luis Otávio Vincenzi de Agostinho*

 

Introdução

 

No mundo globalizado, claros são os sinais de domínio econômico das chamadas grandes potências mundiais em relação aos demais países do globo, ou seja, estes acabam por funcionar como objeto de imposições imperialistas daqueles, detentores de capital e poder.

 

Fatores econômicos e políticos interferem seriamente no processo social, refletindo em fenômenos de desigualdade e exclusão populacional de todas as nações envolvidas no processo de Globalização.

 

Grandes potências mundiais são muitas vezes responsáveis pela exclusão de minorias em todo o mundo. Por outro lado, elites nacionais também desempenham seu “papel principal” quando concentram as riquezas de um país em suas mãos, agindo sempre em detrimento da maioria dos cidadãos.

 

Dessa forma, cria-se um cenário de exclusão de minorias em diversos âmbitos, refletindo no fenômeno da desigualdade social.

 

1. A Exclusão em Macro e Microcosmos

 

Como reflexo das divergências econômicas, há a formação de um macrocosmo mundial, onde potências mundiais se unem, formando um grupo excludente que define, a partir de seus interesses, os rumos da economia mundial. É o chamado G8, grupo que reúne os sete países mais ricos do mundo e a Rússia. Excluídos desse meio, encontram-se os demais países do globo, conhecidos e tratados por essa totalidade hegemônica como “O Outro”1.

Abordando este tema: "O Mesmo, o Outro, o Ethos Latino-Americano", na filosofia de Enrique Dussel, nos deparamos com uma "questão de fundo" que é a exploração sofrida por estes "povos periféricos", ou povos do terceiro mundo. Com certeza não somos os únicos; há mais povos que estão em estado de semelhante exploração e dominação. Isto tudo acontece quando "o Mesmo" fecha-se em si, torna-se auto-suficiente, melhor, etnocêntrico e não aceita "o Outro", a alteridade; não aceita o diferente, o novo, o dinâmico. Este, se aceito, poderia constituir uma ameaça para o mesmo. O outro quase nem é percebido. Na ontologia da totalidade não há espaço para o Outro, pois "outro", neste sentido, significa o não-ser, a negatividade.

Neste sentido, por não estarem em igual patamar econômico, quaisquer vontades suas são por eles ignoradas. Essa clara discriminação é injusta, na nossa opinião, embora o conceito de justiça no âmbito mundial não é o mesmo para todos os líderes de Estado.

 

Infelizmente, torna-se notória a sobreposição da economia, em sua frieza, sobre o social e as necessidades básicas de qualquer cidadão do mundo, que não desfruta dos altos lucros gerados nesse macrocosmo.

 

Entretanto, a formação de grupos fechados em si não ocorre somente no âmbito mundial. A influência alonga-se até a população dos países. O Brasil, por exemplo, onde elites fecham-se em seus grupos detendo a quase totalidade do movimento econômico e da geração de riquezas no país. Tudo isso em detrimento de um grupo de marginalizados, que cresce progressivamente e que cada vez mais perde a esperança na melhoria de suas condições. Desse modo, há a formação de um microcosmo, de igual estrutura daquele já citado. Tais grupos excluídos, discriminados por essa elite dominante têm como única saída a busca de meios ilícitos para sobreviverem nesse meio social excludente. Exemplificando esse fato, temos a seguinte situação: Dois rapazes moradores de uma favela, ambos desempregados há mais de um ano, pais de família, planejam assaltar casas em um condomínio fechado. Tal condomínio é constituído por moradores que dali só se ausentam para ir ao trabalho, pois nele encontram supermercados, postos de saúde, farmácias, entretenimento familiar, enfim, residem em um meio fechado, ‘perfeito’ para eles. Vivendo em suas construções milionárias, o que acontece fora dos limites dos altos muros que os cercam de nada os importa, pois a realidade para eles é meramente individual ao ponto de se tornarem cidadãos alienados na verdadeira sociedade que os rodeia e, na qual, também estão inseridos.

 

A partir deste simples exemplo, podemos enxergar o real funcionamento desse microcosmo, presente não só em nossa sociedade, mas também nas demais que compõem o mundo globalizado.

 

Diante dessas desigualdades, surge a discussão a respeito dos Direitos Fundamentais e da Dignidade da Pessoa Humana.

 

2. Direitos Fundamentais

 

Os direitos humanos fundamentais versam seus textos sob dois parâmetros imprescindíveis: a igualdade e a liberdade.

 

A luta ativa em prol dessas características, que são muitas vezes intangíveis à grande maioria da população, é que sustenta o desenvolvimento dos direitos fundamentais e sua plena efetivação no campo social, uma vez que no campo legal já são devidamente estabelecidas. É fato que sua prática ainda está longe de ser concretizada, embora estabelecida através das dimensões de direitos, que vêm garantindo os pressupostos básicos de dignidade humana.

 

A grande preocupação dos Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão fundava-se nas liberdades individuais, tais como a honra, a vida, a liberdade de expressão e participação política.

 

Garantidos tais direitos, chegou-se à conclusão de que apenas as liberdades individuais não eram suficientes para assegurar os direitos fundamentais dos homens. Foi quando surgiram os Direitos de Segunda Dimensão, conhecidos como “direitos sociais” ou “direitos de igualdade”, onde se afirmaram as condições para exercício dos direitos já garantidos, tais como prestações sociais estatais (saúde, educação, trabalho, etc.).

 

Com o advento da 2ª Guerra Mundial, os governos mundiais se deram conta de que seria necessário o reconhecimento de quatro direitos, agora não mais individuais como os anteriores, mas coletivos, integrando quaisquer grupos humanos. Ficaram conhecidos como direitos de solidariedade ou fraternidade. Frutos de sucessivas reuniões da ONU e da UNESCO, ainda são pouco reconhecidos no âmbito do direito constitucional. Estão eles, por exemplo, na “Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos”2, de 1981 (art. 20 e s.), bem como na “Carta de Paris para uma nova Europa”3, de 1990. Estariam formados os Direitos de Terceira Dimensão.

 

Dentre os principais direitos de solidariedade estão o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum da humanidade. A partir desses, iniciaram-se as discussões a respeito da Dignidade da Pessoa Humana4.

 

Mas afinal, o que vem a ser dignidade humana?

 

A dignidade da pessoa humana é uma conquista de razão ético-jurídica, fruto da reação à história de atrocidades, que, infelizmente, marca a experiência humana.

 

A consciência de preservação da dignidade ganhou força ao término da Segunda Guerra Mundial e até hoje vem crescendo, sendo tratada em diversas legislações do Universo Jurídico de forma a prová-la como fator inerente ao homem, ou seja, ele já nasce digno porque assim o é. A essência da dignidade está no respeito às ações e comportamentos referentes ao semelhante, o que ele representa, seus valores, costumes e cultura. É onde surge a exclusão das minorias e a desigualdade social.

 

A exclusão pela qual as minorias são sujeitadas em nosso país é notável aos olhos de todos. Um homem não fora admitido em uma empresa apenas por ser afro-descendente. Uma tribo de índios foi obrigada a sair de suas terras e ser transferida para outro local, pois uma empresa multinacional simplesmente ganhou a concessão das terras do próprio governo brasileiro. Um presidiário é obrigado a dividir uma cela com 20 homens, sendo que a capacidade total dela é para apenas 8 homens. Parceiros homossexuais não podem regulamentar sua união afetiva no Direito, pois verifica-se ausência de norma amparadora <_st13a_personname w:st="on" productid="em nossa Constituição">em nossa Constituição (salienta-se de caráter democrático). Um deficiente físico tem que contar com a solidariedade de alguns para poder entrar num ônibus que não é adaptado para deficientes, apenas para cidadãos normais (entretanto, quem seriam os normais? A maioria deles, talvez).

 

Esses são apenas alguns dos inúmeros exemplos de situações onde é notória a exclusão, em suas diversas faces, frente às minorias em nossa sociedade.

 

3. Resistência à Opressão

 

Subordinados a esses interesses e vivendo à margem do sistema, as minorias encontram no direito à resistência uma forma de poderem se emancipar diante de tal exclusão.

           

O poder político atua como principal responsável por essa situação. De acordo com Norberto Bobbio, duas posturas podem ser adotadas perante o poder: o de obediência a tudo o que é regulamentado e normatizado por ele e o de resistência e contestação frente a suas medidas universais.

 

A resistência, que pode possuir várias formas de atuação, adiante relacionadas, existe como principal tentativa para melhorar as condições atuais nas quais se encontram tais grupos, que não desfrutam dos benefícios concedidos pelo poder político.

 

Há formas pacíficas e não pacíficas de poder exercer a resistência. Por exemplo, o Sufrágio Universal é uma forma pacífica de se exercer a resistência, ou seja, destituir aqueles governantes que não direcionam seus projetos a todos os cidadãos, não contribuindo para a melhoria do todo, mas tão-somente de só uma parte. Vale lembrar que o sufrágio, que antes era um direito natural, transformou-se em direito positivo.

 

O grande problema que permeia as democracias atuais é a apatia política, um fenômeno lamentável, de despolitização das massas nos Estados dominados pelos grandes aparelhos partidários.

 

As formas não pacíficas de resistência, tão famosas na história das revoluções, não são tidas atualmente como a solução, uma vez que valem-se de meios desnecessários, que vão contra o Princípio da Dignidade Humana, como as guerras, para atingir os fins desejados.

 

Analisando as propostas, valemo-nos da frase de Hannah Arendt, presente em seu livro Crises da República: “Sempre que a liberdade houver sido ferida, haverá a aplicação da força”.

 

No entanto, tal força deve ser utilizada através de lutas pacíficas dos cidadãos em defesa de seus direitos, institucionalizados ou não, a fim de exercerem, dessa maneira, a verdadeira resistência à opressão sofrida.

 

Considerações finais

 

Verifica-se que necessário se faz a admissão de formas políticas e jurídicas, que possam combater o fenômeno da exclusão no mundo globalizado.

 

Tratando-se do Brasil, a análise dos fatos sociais faz-nos crer que a única saída para tal marginalização é o advento da Justiça Social, que atingir-se-ia através de decisões judiciais cabíveis e condizentes com a atual situação na qual se encontram tais minorias, ou seja, procurar-se-ia beneficiar “o outro” ao invés de continuar privilegiando a mesma aristocracia que detém as riquezas de nosso país. Além disso, governantes, em respeito aos princípios fundamentais de nossa Constituição, são obrigados a garantir tais direitos. A Educação, sendo um dos mais necessários, não está sendo tratada como deveria, pois seus investimentos destinam-se a fins em longo prazo, o que, atualmente, não é interesse para nenhum eleito.  

 

No entanto, em relação ao âmbito jurídico, acredita-se que os magistrados, através de uma hermenêutica engajada, valendo-se de uma alternatividade das normas de Direito, fundamentada nos princípios básicos de nossa Constituição, poderiam garantir facilmente, na prática, os direitos sociais já assegurados. As Ações Afirmativas constituem exemplo claro dessa prática, dentre inúmeras atitudes que podem ser tomadas.

 

Muitas vezes chega-nos a parecer uma incoerência tanta desigualdade vigente, se <_st13a_personname w:st="on" productid="em nossa Constituição Federal">em nossa Constituição Federal são defendidos os Direitos Fundamentais, seguidos à risca das Dimensões de Direitos existentes, bem como da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.

 

Portanto, faz-se mister, por parte da totalidade dominante e de seus adeptos, respeitar a diversidade e a pluralidade cultural, pois, um dia ouvimos falar <_st13a_personname w:st="on" productid="em democracia. Certamente">em democracia. Certamente, não estamos enganados, ainda.         

 

Bibliografia

  

FARIAS, Paulo José Leite. Liberdades fundamentais: a terceira torre <_st13a_personname w:st="on" productid="em perigo. Disponível">em perigo. Disponível em <_https3a_ _texto.asp3f_id="5753" doutrina="" jus2.uol.com.br="">Acessado em 5 de outubro de 2005.

 

BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

 

BREGA FILHO, Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

____________________

 

1GOLFE, Osvaldo Luís. O mesmo, o outro, o ethos latino-americano. Disponível em <_https3a_ etoslati.html="" artigos="" www.rubedo.psc.br="">Acessado em 11 de setembro de 2005

 

2CARTA AFRICANA DOS DIREITOS DO HOMEM E DOS POVOS. Disponível em <_https3a_ banjul.html="" africa="" sip="" direitos="" www.dhnet.org.br="">Acessado em 8 de outubro de 2005.

 

3CARTA DE PARIS PARA UMA NOVA EUROPA. Disponível em <_https3a_ osce-historia.html="" sist-europeu-dh="" direitos-humanos="" www.gddc.pt="">Acessado em 8 de outubro de 2005.

 

4NUNES, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo, SARAIVA, 2002. Pág. 48

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*Estudante de direito

 

 

 

 

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