Primeiramente, importante destacar que o presente artigo irá analisar os institutos da interceptação telefônica e da gravação clandestina de forma essencialmente material e jurídica, independentemente das questões políticas, apesar de que, frente aos acontecimentos políticos do país, será inevitável fazer associações dos referidos institutos a determinadas situações e pessoas, mesmo ausentes as referências nominais.
Superado este ponto, essencial conceituar cada modalidade de obtenção de prova, comparando-as também com a chamada escuta telefônica, com a qual ambas apresentam semelhanças, inclusive a natureza de meio de investigação, de forma a gerar inúmeras confusões.
A interceptação telefônica é, basicamente, a captação, realizada por um terceiro, de comunicação entre interlocutores, sem que estes tenham conhecimento que o diálogo está sendo gravado.
Por sua vez, a gravação clandestina é feita por um dos próprios comunicadores, sem que o(s) outro(s) saiba(m), não ocorrendo, portanto, a interferência de um terceiro.
E, por fim, a escuta telefônica, que se refere à situação em que um terceiro realiza a gravação do diálogo entre duas ou mais pessoas, das quais ao menos uma delas sabe que está sendo gravada.
Assim, o último apresenta uma situação intermediária entre os institutos, pois tem como intersecção ao primeiro a presença de um agente alheio à conversa, enquanto o mesmo se aproxima do segundo instituto em razão do fato de no mínimo um dos interlocutores ter conhecimento acerca da gravação.
No entanto, em razão da diferença entre a gravação clandestina e a escuta telefônica ser simplesmente a ausência de um terceiro, estas são consideradas como gravação clandestina “latu sensu”, pois um dos comunicadores realiza a gravação, direta ou indiretamente, e o agente alheio ao diálogo atua apenas de forma auxiliar, sendo dispensável.
Sendo assim, em termos jurídicos, estes institutos são igualmente compreendidos.
Por outro lado, apesar da interceptação telefônica também ser conceitualmente próxima às outras, é essencial e juridicamente distinta porque é a única prevista em lei, conforme determina o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, o qual declara os direitos e as garantias constitucionais:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Inciso XII. É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” (grifo nosso).
Assim, a lei 9.296/96, cumprindo a exigência constitucional, previu as regras e as formalidades para a realização da interceptação telefônica.
Em seu primeiro artigo, é evidenciada a finalidade da referida Lei. Ao passo que os artigos seguintes estabelecem, além dos procedimentos técnicos e formais, os seguintes objetos:
As hipóteses de admissão, determinando que a interceptação apenas será admitida caso respeite todos os três requisitos previstos: (i) Existência de indícios razoáveis da autoria ou participação na infração penal, (ii) indispensabilidade deste meio de prova frente aos demais meios disponíveis, e (iii) cominação legal de pena privativa de liberdade mais gravosa do que a pena de detenção.
Ausente qualquer um destes requisitos, os quais devem estar clara e objetivamente descritos, a interceptação telefônica será ilegal e não será permitido ao juiz autorizá-la. Por exemplo, se o crime investigado for qualquer delito cuja pena é apenas de multa ou privativa de liberdade referente à detenção, este meio de prova não poderá ser utilizado.
Em seguida, é determinada a competência para sua determinação, que é exclusiva do juiz competente para o julgamento do delito investigado. Sendo assim, faz-se necessária uma ressalva, pois é competente para autorizar a interceptação telefônica, somente o juiz ou o órgão julgador responsável pelo julgamento do crime que originou a investigação criminal ou a instrução processual penal.
Portanto, na hipótese de serem interceptadas comunicações telefônicas de pessoas que, legalmente, têm direito ao foro privativo por prerrogativa de função, a competência para a autorização da interceptação acompanha a competência para instrução e julgamento do processo.
Sendo assim, a interceptação telefônica é igualmente ilegal, independentemente de autorização judicial, se esta regra não for respeitada. Em outras palavras, assim como um juiz não pode julgar, condenando ou absolvendo, qualquer pessoa, sem ser competente para tanto, este mesmo juiz não pode autorizar a interceptação das comunicações telefônicas de uma pessoa se não for, de acordo com a lei, competente para julga-la.
O aludido juiz poderá determinar a interceptação de ofício, ou a requerimento da autoridade policial ou do representante do Ministério Público, durante a investigação criminal, e deste último, na hipótese de instrução processual penal, conforme art. 5º da lei 9.296/96:
Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
Portanto, caso a decisão não esteja devidamente fundamentada, a interceptação telefônica será nula, e, portanto, a obtenção da prova oriundas deste meio será ilegal.
Ainda, caso a comunicação interceptada entre os interlocutores tenha ocorrido fora do prazo estabelecido pelo magistrado, tanto antes quanto depois a este, compreende-se a carência de legalidade da prova obtida, visto que o prazo prescrito judicialmente deve ser cumprido de forma enfática, sob pena de insegurança jurídica e desrespeito aos direitos e garantias individuais preconizados na CF.
Apresentados as regras atinentes à interceptação telefônica e, consequentemente, as hipóteses que não preenchem os requisitos e formalidades necessários, mister descrever quais as consequências legais quando este meio de prova é considerado ilegal.
A própria lei 9.296/96, em seu artigo 10, qualifica como crime a realização de interceptação de comunicações telefônicas sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei, o qual é apenado com reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Além disso, o descumprimento dos preceitos legais referentes ao meio de prova ocasiona a na ilicitude da prova obtida, conforme determina o artigo 157 do Código de Processo Penal.
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Assim, ainda mais abrangente do que a criminalização da interceptação telefônica sem autorização judicial ou com objetivos diversos dos legais, a gravação de comunicação obtida por meio de interceptação telefônica, sem que esteja respeitada qualquer uma das regras previstas na lei específica, entre elas a competência do juiz autorizador, o desrespeito ao prazo estabelecido e a ausência de fundamentação, torna ilícita a prova obtida, pois resta evidente a violação a normas constitucionais e legais.
Como consequência, as referidas provas devem ser desentranhadas do processo e tornam-se incapazes de sustentar a decisão do magistrado, assim como as provas que eventualmente derivem destas, em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada.
É possível afirmar que a interceptação telefônica é, em regra, ilegal, pois assim é considerada caso esteja ausente qualquer um dos seus requisitos. Por outro lado, a gravação clandestina, latu sensu, é, em regra, legal, porque permitida em todas as situações, salvo aquelas previstas em lei.
Das exceções de licitude da gravação clandestina, destaca-se o delito de violação de segredo profissional, previsto no artigo 153 da Seção do Código Penal referente aos crimes contra a inviolabilidade dos segredos:
Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Portanto, para que a gravação clandestina seja considerada ilegal, são necessários dois requisitos cumulativos: a origem do conhecimento da informação sigilosa, a qual deve se referir a função, ministério, ofício ou profissão, como nos casos de médicos, psicólogos e advogados; e a consequência danosa, de qualquer espécie, que a revelação causa a alguém, não necessariamente a pessoa quem revelou ao agente no primeiro momento.
Nestas hipóteses, a prova obtida por este meio também será ilegal, à luz do artigo 157 do Código de Processo Penal supracitado, aplicando-se, em analogia, o disposto no artigo 207 do mesmo diploma.
Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
Ante o exposto, conclui-se que é juridicamente incabível a comparação entre a interceptação telefônica e a gravação clandestina, as quais são completamente opostas no que se refere à legalidade, que é a regra desta e a exceção daquela, conforme demonstrado.
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*Thiago Prats é advogado do escritório Francez e Alonso Advogados Associados.