Migalhas de Peso

A Síndrome de Patrão

As consequências da Síndrome de patrão, potencializada pela pulverização dos trabalhadores, pela terceirização, pela fraude e pelo enfraquecimento do movimento sindical, que minam a solidariedade da classe trabalhadora, fazem com que os trabalhadores se identifiquem muito mais com o seu patrão do que com seus pares.

4/5/2017

Resumo

A "Síndrome de Patrão" - em analogia à Síndrome de Estolcomo - surge ou na vigência da relação contratual - em que o empregado internaliza a ideia de que "está" empregado, mas que não "será" por muito tempo -; ou nas situações em que empregado considera mais "vantajoso" patrimonialmente pedir sua rescisão contratual e constituir sua própria empresa – se pejotizando em alguns casos - passando assim a ser "chefe" tanto de si mesmo como dos outros - seus futuros empregados; ou ainda através da internalização da ideologia da School of Life, pela qual "quem ama o que faz" acaba se tornando um trabalhador mais dócil e facilmente submetido a condições precárias de trabalho.

As consequências da Síndrome de patrão, potencializada pela pulverização dos trabalhadores, pela terceirização, pela fraude e pelo enfraquecimento do movimento sindical, que minam a solidariedade da classe trabalhadora, fazem com que os trabalhadores se identifiquem muito mais com o seu patrão do que com seus pares.

Como toda síndrome, esta também gera efeitos nocivos. O primeiro consiste no esvaziamento do Direito do Trabalho, pois quando os trabalhadores não se reconhecem como membros da classe trabalhadora, perdem o sentimento de pertencimento, em nome de um sonho falacioso de ser "patrão" e ganhar mais dinheiro, o que retira a eficácia das normas e enfraquece este ramo especializado. O segundo efeito consiste em o próprio trabalhador se voltar contra o Direito do Trabalho, afinal, ele, através de uma visão individualista e egoísta, observa tão somente o que é bom para si a curto prazo e de maneira imediata, sem se perceber como membro de uma classe, cuja luta necessita de sua participação.

1. Introdução: as micro e pequenas empresas no Brasil – MPE’s.

O Brasil vem vivenciando nas últimas décadas um grande estímulo ao empreendedorismo, sob o argumento do aumento dos postos de trabalho e da participação das pessoas na economia.

Este crescimento é propiciado notadamente através das micro e pequenas empresas (MPE’s) que, atualmente, garantem mais da metade dos empregos formais no mercado de trabalho. (SEBRAE, 2014, p. 6)

As micro e pequenas empresas podem ser definidas pelo número de pessoas ocupadas na empresa (quadro 1) ou pela receita auferida (quadro 2)


O SEBRAE, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, realizou pesquisa cujos resultados demonstram que em 2001, o percentual da participação das MPE’s no Produto Interno Bruto (PIB)¹ era de 23,2%, passando para 27% em 2011, o que indica que as MPE’s são responsáveis por mais de um quarto do PIB Brasileiro.

As Micro e Pequenas Empresas já são as principais geradoras de riqueza no comércio no Brasil (53,4% do PIB deste setor). No PIB da indústria, a participação das micro e pequenas (22,5%) já se aproxima das médias empresas (24,5%). E no setor de Serviços, mais de um terço da produção nacional (36,3%) têm origem nos pequenos negócios. (SEBRAE, 2014, p. 6)

A ligação das MPE’s com a geração de empregos e a circulação de riquezas é intrínseca e fundamental, o que torna primordial sua análise. Elas são fundamentais na geração de emprego e na geração de renda. No entanto, tendo em vista sua alta taxa de mortalidade, os empregos gerados acabam sendo de má qualidade ou de curta duração.

Segundo dados do Anuário do Trabalho de 2009, o número de MPE’s, no período compreendido entre 2000 e 2008 aumentou de 4,1 milhões para 5,7 milhões, refletindo diretamente no incremento da taxa de emprego formal, passando de 8,6 milhões para 13,1 milhões o número de contratações com assinatura da carteira de trabalho. (Silva Neto e Teixeira, 2011, p. 2).

De acordo com a RAIS de 2004, as MPE’s formais respondiam por 41,4% dos postos de trabalho, as médias por 12,3% e as grandes por 46,3%. Na Indústria, 51% são MPE’s, 26% são médias empresas e 23%, grandes.

No comércio, 9% são MPE’s, médias 78% e grandes 13%. No setor de serviços, 26% são MPE’s, 6% são médias e 68% grandes. (RAIS, 2004)

Nos serviços e atividades de comércio, por exemplo, as MPE’s representam 99% e 98%, respectivamente, do total de empresas formalizadas e são responsáveis por algo em torno de 70% dos empregos gerados no comércio, sendo que aproximadamente 50% das remunerações neste setor em 2011, foram pagas pelas MPE’s. (SEBRAE, 2014, p. 7.)

Afonso Lima aponta que as MPE’s absorvem maior número de trabalhadores na proporção do capital investido, funcionam como postos de treinamento e qualificação de trabalhadores, desempenham função complementar em relação às grandes empresas, e, sendo a expansão das MPE’s um instrumento de democratização do capital, é comum que as decisões sejam facilitadas, em razão da maior flexibilidade e agilidade da estrutura. (Lima, 2001, p. 47.)

Ademais, as MPE’s geram recursos para as classes mais pobres da população, pois empregam trabalhadores menos qualificados, motivo pelo qual normalmente suas atividades e serviços sejam direcionados para o atendimento das necessidades de consumo de parcela da população com baixo poder aquisitivo (Pinheiro, 1996, p. 87.)

Portanto, a importância das micro e pequenas empresas para a economia nacional é notória, no entanto, um dado é relevante e merece ser analisado. A taxa de mortalidade das MPE’s no Brasil é bastante elevada. O estudo sobre mortalidade de empresas no Brasil, realizado pelo SEBRAE (2007), aponta que, em média, no Brasil, 22% das pequenas empresas encerram as suas atividades no seu segundo ano de existência e o quadro se agrava nos cinco primeiros anos de operação.

Ortigara alerta para os custos financeiros gerados pelo fracasso de um empreendimento, pois aquele que encerra as atividades perde seu capital e, em alguns casos, todas suas economias, e também ocasiona prejuízo a seus credores, que deixam de receber por um serviço prestado ou produto vendido, além dos credores trabalhistas, que em muitos casos deixam de receber suas verbas rescisórias.

A maioria das MPE’s são criadas através dos investimentos resultantes de economias do próprio fundador, quase sempre sem um planejamento, apenas levando em conta a oportunidade de ser um novo empreendedor. (SEBRAE, 2004, p. 20 -47)

Um fator de ordem econômica pode ser levantando diante dessa alta taxa de mortalidade. Solomon afirma que o vigor da economia em diversos países está no fortalecimento e saúde financeira desta categoria de empresas, que em períodos de crise absorvem grande parte das consequências, na medida em que mantêm a atividade econômica e os postos de trabalho, a custo de redução de preços e períodos de efetivas perdas, mas só resistem por curtos períodos. (Solomon, 1986, p. 12.)

Mas há o fator, de ordem jurídico-social, que se trata do que nomeamos de "Síndrome de Patrão", em alusão à "Síndrome de Estolcomo", que parece estar diretamente ligada ao incremento do número de MPE’s, e paradoxalmente, ao seu curto prazo de vida.

Segundo Ortigara, as chances de uma pessoa ter sucesso ou fracasso em montar seu próprio negócio são as mesmas. Para ele, a iniciativa não significa sempre sobrevivência e continuidade da empresa, pois alcançar a prosperidade é tarefa que poucos efetivam.

O espírito aventureiro e a vontade de ser o dono do próprio negócio, de ter liberdade para trabalhar por conta própria, podem ser motivos que conduzem à abertura de uma nova empresa. Contudo, o valor desembolsado para sua constituição pode representar o fim de antigos sonhos (aquisição de casa própria, aposentadoria segura, estudo dos filhos), construídos ao longo da vida, se não houver sucesso na criação e gestão do negócio. (Ortigara, 2006, p. 13)

De fato, no Brasil há a generalização de um discurso que se mostra fortemente ideológico e pouco concretista, de que se deve empreender e deixar de ser empregado. Dissipa-se, assim, a ideia de que o ser humano que trabalha só se emancipará e se tornará exitoso quando se transformar em empreendedor. Desta forma, o trabalhador formal se empenha e se dedica ao trabalho com o intuito de deixar de ser trabalhador e se tornar empreendedor.

 

 

 

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1 Pela definição do Sistema de Contas Nacionais, "o Produto Interno Bruto - PIB, a preços de mercado, mede o total dos bens e serviços produzidos pelas unidades produtoras residentes, destinados ao consumo final, sendo equivalente à soma dos valores adicionados pelas diversas atividades econômicas acrescida dos impostos, líquidos de subsídios, sobre produtos. Por outro lado, é também equivalente à soma das rendas primárias. Portanto, o PIB é expresso através de três óticas: ótica da produção, da demanda e da renda" SISTEMA DE CONTAS NACIONAL (SCN)

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*Maria Cecília Máximo Teodoro é advogada.

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