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A celeridade processual trazida pela lei n.º11.232/05

Já faz parte do folclore jurídico o estranho fenômeno verificado lusco-fusco de cada ano, em que o legislador se aproveita do embevecimento provocado pelo espírito natalino e da euforia das festas de ano novo para lançar alterações legislativas canhestras, em sua imensa maioria, ou de nenhuma repercussão.

7/8/2006

 
A celeridade processual trazida pela lei n.º11.232/05


Jean Paolo Simei e Silva*

Já faz parte do folclore jurídico o estranho fenômeno verificado lusco-fusco de cada ano, em que o legislador se aproveita do embevecimento provocado pelo espírito natalino e da euforia das festas de ano novo para lançar alterações legislativas canhestras, em sua imensa maioria, ou de nenhuma repercussão.

Assim, como exceção à regra, publicada em 23/12/05, com vacatio legis de 6 (seis) meses, passou a integrar o ordenamento jurídico a lei federal n.º 11.232 (clique aqui),oriunda do Projeto de Lei n.º 3.253/04, que trouxe profundas alterações ao Código de Processo Civil no que tange à execução de títulos judiciais, voltada à simplificação da estrutura do processo jurisdicional.

A referida lei, em suas alterações mais significativas acresce o Capítulo IX, do Título VIII, do Livro I (Da Liquidação de Sentença), com a conseqüente revogação expressa do Capítulo VI, do Título I do Livro II, transferindo geograficamente a liquidação de sentença para a fase de conhecimento, de cuja decisão caberá agravo de instrumento (art. 475-H), eis que seu julgamento passa a ter caráter de decisão interlocutória, no esteio do que já propunha a jurisprudência através das súmulas 118 do STJ (O agravo de instrumento é o recurso cabível da decisão que homologa a atualização do calculo da liquidação.), e Súmula n.º 44 do TRF-1º Região, havendo parcela da jurisprudência que, em respeito ao princípio da fungibilidade, também aceitasse a interposição de apelação, vide e Súmula 9 do TJPR.

A alteração põe fim à celeuma, inclusive com a revogação, também expressa, do inciso III do artigo 520, inviabilizando a apelação que verse sobre liquidação de sentença.

Ademais, por de tratar de lex posterior, o agravo de que trata o artigo 475-H será sempre recebido na forma de instrumento, não havendo possibilidade de se argüir a modificação trazida pela lei 11.187/05 (clique aqui), que torna o agravo retido a regra, transformando o que tramita sob a forma de instrumento em exceção.

A principal modificação fica a cargo do novel Capítulo X, do Título VIII, do Livro I (Do Cumprimento da Sentença), pois estabelece que “cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo”, conforma dispõe o artigo 475-I.

Dessa forma, houve por bem o legislador integrar a execução dos títulos judiciais ao processo de conhecimento, haja vista que determinou a aplicação subsidiária das normas que regem o processo de execução de título extra judicial, ex vi art. 475-R.

Ao vincular o cumprimento das sentenças aos artigos 461 e 461-A (que tratam das ações que tenham por objeto as obrigações de fazer, não fazer ou entrega de coisa – ações executivas lato sensu) o legislador possibilita a adoção de “providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento” ou de medidas sub-rogatórias “tais como multa, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial” (artigo 461, parágrafo 5º), por iniciativa da parte ou ex officio.

Entre as alterações mais significativas trazidas para o novo cumprimento da sentença temos a aplicação de multa de 10% (dez por cento) caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não adimpla sua obrigação num prazo de 15 (quinze) dias. A imposição da multa, que persiste ainda que o devedor efetue pagamento parcial, objetiva evitar recursos procrastinatórios por parte do devedor.

Caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, a penhora e a avaliação de bens ocorrerão logo em seguida (475-J), podendo o credor indicar bens a penhora, independentemente da ordem prevista no artigo 655, do que será INTIMADO o devedor por seu advogado, intimação esta através de publicação no diário oficial, pondo termo na citação pessoal do executado para pagar ou nomear bens a penhora em 24 horas, nos termos do artigo 652 do Código de Processo Civil, que ainda se aplica para a execução de títulos extrajudiciais.

A alteração veio em boa hora, pois estudos do Banco Mundial feitos junto aos órgãos judiciais de São Paulo apontam que a maioria dos processos de execução civil não chegam ao fim porque o credor não encontrou bens e desistiu da ação. A pesquisa destaca também que 48% dos processos de execução não passam da fase inicial, seja porque o credor não dá continuidade ou porque a Justiça não encontra o devedor para a citação.

Outra modificação trazida pelo legislador é que a defesa do devedor (pessoa física ou jurídica de direito privado) far-se-á por meio de impugnação, no de 15 (quinze) dias (art. 475-J, §1º), nos casos previstos no artigo 475-L. A Fazenda Pública continuará apresentando embargos à execução, haja vista nova redação dada ao artigo 741, que passa a ser cognominado “Embargos à Execução contra a Fazenda Pública”. O rol de matérias de impugnação do artigo 475-L e 741 são idênticos.

A impugnação proposta tempestivamente não possui efeito suspensivo, podendo este ser concedido pelo juiz “desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação” (art. 475-M). Deferido o efeito suspensivo, a impugnação correrá nos próprios autos, caso contrário, tramitarão em apartado (art. 475-M, §2º).

Das decisões interlocutórias havidas no curso da impugnação caberá agravo de instrumento, e das extintivas caberá apelação, nos termos do artigo 475-M, §3º.

Nas decisões agraváveis, tanto no curso da liquidação de sentença, quanto no julgamento da impugnação, optou o legislador pela forma de instrumento, não se aplicando, repisa-se, as modificações trazidas pela Lei do Agravo n.º1.187, de 19/10/2005, eis que esta é anterior à atual modificação legislativa.

Assim, quando da entrada em vigor da referida lei, no cumprimento de sentenças que versarem sobre obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa:

1º) o credor requererá a liquidação (artigo 475-A, parágrafo 1º), caso a sentença não fixe a quantia certa (artigo 475-J), sendo que dessa decisão caberá agravo de instrumento (art. 475-H);

2º) julgada a liquidação ou fixado o valor na sentença, o credor também deve requer a execução definitiva ou provisória (artigo 475-I, parágrafo 1º) com o demonstrativo do débito atualizado (artigo 614/II) e a indicação de bens penhoráveis (artigo 475-J, parágrafo 3º);

3º) deverá ser o advogado intimado da penhora/avaliação ou, na falta deste, ao devedor para oferecer impugnação no prazo de 15 dias, sendo juntada nos próprios autos (artigo 475-M), quando o juiz deferir “efeito suspensivo”; caso não seja concedido o efeito suspensivo, processar-se-á em autos apartados (§ 2º), sendo que da concessão ou não caberá agravo de instrumento (art. 475-M, §3º);

4º) não impugnada a execução ou quando a impugnação for julgada improcedente, procede-se ao leilão e à expropriação dos bens (artigo 686 e seguintes), em aplicação subsidiária das normas que regem o processo de execução de título extrajudicial (art. 475-R).

Em razão da disposição constitucional acerca da impenhorabilidade dos bens públicos, não se aplica o regime de cumprimento de sentença previsto no artigo 475-J com penhora e intimação do devedor para impugnar na “execução por quantia certa contra a Fazenda Pública” (pessoas jurídicas de direito público), de forma continuará esta a oferecer embargos à execução nos termos do artigo 730 e do novo artigo 741, operando como processo de execução e não como extensão do processo de conhecimento, a que estarão sujeitas as pessoas físicas e jurídicas de direito privado.

Como se pode perceber desta exposição superficial, a Lei n.º11.232/05 contém significativos avanços na execução das sentenças. Por certo, outras medidas ainda serão necessárias antes que se possa celebrar a efetividade da execução no Brasil.

Não obstante, a publicação da Lei representa um primeiro passo fundamental na construção desta nova realidade, que servirá para despertar a comunidade jurídica que durante muito tempo se dedicou quase que exclusivamente ao processo de conhecimento.
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*Advogado do escritório Mandaliti Advogados





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