"Então, retirando-se os fariseus consultaram entre si como o surpreenderiam em alguma palavra. E enviaram-lhe discípulos, juntamente com os herodianos para dizer-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te importares com quem quer que seja, porque não olhas a aparência dos homens. Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar tributo a César, ou não? Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia, respondeu: Por que me experimentais hipócritas? Mostrai-me a moeda do pagamento de tributo. Trouxeram-lhe um denarium. E ele lhes perguntou: De quem é esta efígie e inscrição? Responderam: De César. Então lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Ouvindo isto, se admiraram e, deixando-o, foram-se". (Mateus, 22:15-22).
A cidadania fiscal tem sido costumeiramente tratada em conjunto com o dever fundamental de pagar tributos e com a justificação de tal dever com base na noção do Estado Social.
Com base nesta premissa, a de que o pagamento de tributos é um dever moderno constituído por um complexo de normas, contra as quais o cidadão, independentemente do regime, não possui possibilidade jurídica de se esquivar, trazemos à bala breve reflexão quanto à eficácia desse dever legal. Nesse ponto, observa-se que, muito embora obrigatório, e de inadmissível negação ou ignorância por parte do cidadão pelo sistema, a obrigatoriedade do pagamento de tributos não é, de forma geral, bem aceita pelo cidadão, nada obstante todo o profundo esforço hermenêutico nesse sentido.
Verifica-se que não é de hoje a existência de uma multifacetada cobrança de tributos da população por parte do Poder Público. Todos os dias os canais de comunicação têm divulgado que o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias dos países da América Latina, além de também superar à dos países tidos como ricos.
De maneira simplista, a relação existente entre tributos e PIB (Produto Interno Bruto) é chamada de carga tributária.
Os especialistas na matéria informam que os cofres públicos no Brasil recebem valor superior a um terço do que o país efetivamente produz. Será que o problema está na alta carga tributária ou na distribuição de riquezas?
Há mais de 2.000 mil anos, na época da missão de Jesus Cristo na terra, já tínhamos uma cobrança bem surtida dos ditos “impostos” em face dos contribuintes.
Por exemplo: Pela lei dos dízimos, o Império Romano, por intermédio da administração de Herodes, determinava a cobrança do cidadão que se encontrava sob a sua tutela.
Ressalta-se que por meio do denarium, moeda vigente em todo o Império, os judeus viviam sendo contrariados pela cobrança dos romanos do tributo per capita, o qual devia ser pago anualmente pelos povos dominados.
E não era só isso! A história nos conta que ainda existia um tributo das didracmas. Explicamos: Anualmente, o povo judeu deveria pagar ao Império Romano duas dracmas perca pita (por cabeça), como demonstração de extinção do crédito tributário vinculado ao Templo ("Tributo do Templo").
Na dinastia de Herodes, se iniciou a reconstrução do templo que acabou recebendo o nome histórico de "Templo de Herodes".
Ao que tudo indica, o intuito do Imperador era eminentemente de caráter político. As obras se estenderam por várias décadas até serem concluídas, motivo pelo qual restou configurado, para o direito vigente à época, mais uma justificativa apta a justificar a cobrança de mais essa exação do povo judeu (in "O Novo Dicionário da Bíblia", 1966, vol. III, p. 1.573).
Nesse contexto, ainda temos o relato feito por Mateus, discípulo de Jesus. Diga-se de passagem, que Mateus, antes de se tornar discípulo do Mestre, foi um agente de fiscalização.
Pois bem; certa vez Pedro, também discípulo de Jesus, foi questionado por coletores de impostos ao adentrar ao templo se o seu mestre pagava as famosas didracmas. O valor pago naquela ocasião, o estáter, também conhecido por tetradracma, se referia à monta de duas pessoas (Pedro e Jesus), visando, assim, à quitação daquele tributo anual (Mateus, 17: 24-27).
E sem contar no brilhante episódio sobre a necessidade de pagamento de tributos, o qual é exaustivamente relatado por Mateus (22:15-22), Marcos (12:13-17) e Lucas (20:20-26).
Daí se percebe que o tema voltado à excessiva carga tributária no mundo moderno não é atual, posto que nunca deixou de ter a sua notoriedade política, econômica, social e jurídica no tempo e no espaço.
A ética moderna é marcada pela obra de Immanuel Kant, que chegou a publicar em 1785 a "Fundamentação da metafísica dos costumes" e em 1788 a "Crítica da razão prática", obras estas que antecederam a Revolução Francesa (1789). O referido filósofo alemão, por meio da racionalidade, propôs uma ética transcendental, "fundada na razão que investigaria os conceitos metafísicos para construir uma ética com pretensão de validade universal". (Cf.: MARINS, James [Coord]. Tributação e política. Curitiba: Juruá, 2005, p. 120).
Salienta-se que a busca por um conceito ético de tributação jamais pode ser utilizada como meio propulsor da concepção do dever de contribuir pelo cidadão (exercício da cidadania fiscal) apenas como forma de legitimar eventuais abusos por parte do Fisco.
Ademais, entendemos que a falta de participação do cidadão, isto é, a falta de cidadania, precisamente a falta de garantia de cidadania fiscal por parte do Poder Público, com a não implementação efetiva de mecanismos de participação ativa do cidadão na política fiscal e tributária, fomenta, sobremaneira, a incredulidade na baixa legitimação quanto ao dever de recolher tributos, pois tal obrigação é encarada pelo povo apenas como mera imposição estatal, e não como uma verdadeira construção coletiva do Estado Social e Democrático de Direito.
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*Paulo Adyr Dias do Amaral é diretor do CAD – Centro de Atualização em Direito.
*Raphael Silva Rodrigues é coordenador de Gestão Fiscal e Compliance do CAD – Centro de Atualização em Direito.