O que nos tange são os regramentos, leis, costumes, crenças e, sobretudo, a moral. O ser impregnado pela ética mais elevada, não precisa que a lei lhe diga que matar é errado, que subtrair o que pertence a outrem é indigno, para ele, basta à moral. Entretanto, inúmeros são os indivíduos cuja ética não reconhece os valores da moral coletiva, portanto, precisa-se da lei, pois dela advém à segurança de que a criatura humana transgressora será responsabilizada por seus atos perniciosos.
Embora a ciência do direito não se direcione ao aprimoramento humano, campo que pertence à ética e a moral, certo é que a partir de sua análise, se faz possível compreender o estágio evolutivo de determinada sociedade.
Assim, se determinado Estado aplica a pena de morte, certo é que aquela sociedade entendeu, que em determinados casos não existe recuperação do caráter do individuo, devendo o apenado ser afastado em definitivo da sociedade, de qualquer tipo de sociedade, pois nem a sociabilidade entre os demais apenados lhe é permitida, retiram-lhe o direito a vida.
Sob esta ótica, o direito pode ser visto como um conjunto de normas que é correlata a moral coletiva. Em uma concepção contratualista, como a de Jean-Jacques Rousseau, em que todos os indivíduos cedem parte de suas liberdades em prol de um bem maior, que é a harmonia adequada ao desenvolvimento das relações humanas em sociedade.
Vale lembrar, alguns conceitos de juristas celebres, acerca do direito: Para Emmanuel Kant: (SANTOS, WEB, 2016) 1:
A definição de Direito seria um conjunto de condições pela qual o arbítrio de um pode conciliar-se com o arbítrio de outro, segundo uma lei geral da liberdade, entendida por ele como um arbítrio próprio independente do de outrem.
De outro modo, Hans Kelsen define direito como: (SANTOS, WEB, 2016) 2:
Um sistema de normas coativas permeado por uma lógica interna de validade que legitima todas as outras normas que lhe integram. Seria então entender que a norma coativa evita conduta indesejada por meio da coação, empregando a força física, se necessário.
Portanto, de comum entre os conceitos apresentados, tem-se que o direito é um sistema de normas imperativas, que congregam valores consagrados coletivamente, conferindo liberdades que encontram limites previamente definidos por normas cogentes.
O direito é manifestação de vontades, seja quando, da elaboração de uma lei, que impõe limites ao exercício de direitos ou ao aplicar uma sanção à determinada conduta, está o direito a dispor sobre o próprio exercício da sociabilidade.
Importante ressaltar, que as normas que vigem em determinada sociedade, estarão sempre, umbilicalmente ligadas à cultura daquele povo, suas crenças e costumes.
Assim, outrora era licito escravizar pessoas, pois que naquele dado momento histórico de nossa civilização, acreditava-se, (ao arrepio da consciência moderna), que pessoas cuja cor de pele destoava das demais, não possuíam direito a uma vida digna, sendo-lhes atribuídas todas as cargas negativas possíveis, subtraindo-lhes sua dignidade humana. Em outras palavras, o primitivo estado evolutivo da sociedade aquela época não muito remota, não lhes proporcionava a capacidade de ver no individuo de pele escura, um ser semelhante, delegando-lhes um tratamento na condição de criatura não humana.
Da mesma forma, até poucas décadas atrás, acreditava-se, que as mulheres não teriam a capacidade de desenvolver uma atividade profissional, que as suas escolhas deveriam possuir o aval dos pais ou cônjuge. E a lei assim o fez, de tal modo que até meados da década de 70, a mulher ainda que adulta, era relativamente incapaz para os atos da vida civil (RIBEIRO, 2014) 3.
A sociedade evoluiu, emanciparam-se as mulheres. Após a 2º guerra mundial, o advento dos direitos humanos veio corroborar com a evolução da espécie humana. No Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana é fundamento constitucional, insculpido no artigo 1º, inciso III de nossa carta magna, tal fundamento constitucional apregoa que ninguém deve ser tratado de forma a menosprezar-lhe a condição de criatura humana.
Não obstante, a carta maior da República Federativa do Brasil, dispõe em seu artigo 3º, inciso IV, que é objetivo fundamental de nossa Republica:
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Sob um primeiro olhar desatento, imagina-se ter a sociedade, atingido o ápice da igualdade formal. Sim, porque a igualdade material ainda é utópica em nossa República. Todavia, assemelhamo-nos às sociedades mais primitivas, por que carece a atual civilização, de capacidade para reconhecer o comportamento cruel e desigual delegada a vida, em suas mais diversas formas de existência. Passo a explicar:
A civilização ocidental é regida por suas crenças, sua visão de mundo e, sobretudo, sua visão do além túmulo. Pois que à forma de agir esta umbilicalmente ligada à noção de criaturas criadas a imagem de seu criador.
Para melhor compreensão do exposto acima, imperioso se faz uma breve analise do berço civilizatório ocidental. Assim, as sociedades gregas e romanas, são de certa forma a base das crenças ocidentais contemporâneas. (COULAGES, 2009, p. 8) 4:
A história da Grécia e de Roma é testemunha e exemplo da estreita relação que há entre as idéias da inteligência humana e o estado social de um povo. Observai as instituições dos antigos, sem atentar para suas crenças; achá-las eis obscuras, bizarras, inexplicáveis. Por que havia patrícios e plebeus, patrões e clientes, eupátridas e tetas, e de onde vêm as diferenças nativas e indeléveis que encontramos entre essas classes? Que significam essas instituições lacedemonianas, que nos parecem tão contrárias à natureza? Como explicar essas bizarrias únicas do antigo direito privado: em Corinto e em Tebas, proibição de vender propriedades; em Roma e em Atenas, desigualdade na sucessão entre irmão e irmã? Que é que os jurisconsultos entendiam por agnação ou gens? Por que essas revoluções no direito e na política? Que patriotismo singular era aquele que apagava todos os sentimentos naturais? Que se entendia por liberdade, da qual não cessavam de falar? Como é possível que instituições, que se acham tão afastadas de tudo o que podemos imaginar, possam hoje restabelecer-se e reinar por tanto tempo? Qual é o principio superior que lhes deu autoridade sobre o espírito dos homens?
Eis um excelente exemplo do que ocorria nas sociedades gregas e romanas, se analisarem as leis e regramentos que regiam aquelas sociedades, tais leis pareceram absurdas ao olhar do individuo moderno, todavia, se passarmos a analise do paradigma teológico, logo, compreende-se as justificativas que os faziam agir de determinada forma (COULAGES, 2009, p. 9) 5:
Mas, à frente dessas instituições e dessas leis, colocai as crenças, e os fatos tornar-se-ão claros e sua explicação tornar-se-á evidente. Se, considerando as primeiras idades dessa raça, isto é, a época em que fundou suas instituições, observamos a idéia que fazia então da criatura humana, da vida, da morte, da segunda existência, do princípio divino, percebe-se íntima relação entre essas opiniões e as regras antigas do direito privado, entre os ritos que se originaram dessas crenças e as instituições políticas.
Desta forma, a religião, embasada no sentido coletivo do sagrado, passou a determinar quais condutas seriam permitidas e, quais condutas deveriam ser reprimidas. Observe-se que, desde o inicio dos regramentos sociais, estes, sempre tiveram por base uma concepção que traz os seres humanos, como elemento central das relações de direito. Portanto, o individuo feito à imagem e semelhança de deus, deveria usar, gozar e dispor do ambiente que o cerca, nos limites das leis divinas, para da terra, retirar todo o necessário para subsistir.
Acreditava-se que a terra era o centro do universo (Geocentrismo), e que a espécie humana seria a imagem e semelhança de seu criador. As monarquias eram investidas pelo próprio Deus, que delegava aos soberanos o direito de reinar sobre os pobres e oprimidos camponeses.
O Estado Teocrático vigeu até que a revolução francesa trouxe a separação entre Estado e igreja. No Brasil, a laicidade do Estado foi consagrada na primeira Constituição Republicana em 1891, e na atual Constituição de 1988, a laicidade encontra-se no artigo 19, inciso I. (WEB, 2016) 6.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público
Todavia, em que pese tal divisão, a crença de centralidade do individuo continua imbuído no ideário coletivo, ou seja, o individuo feito à imagem e semelhança de Deus, que usa do ambiente que o cerca, para assim, retirar de sua força produtiva o necessário para subsistir.
O problema que tal paradigma suscita, é que esta visão de mundo, ora obsoleta, traz o individuo como fator central no universo, dando a ele a prerrogativa de usar dos meios dispostos por “Deus”, ou seja, usar dos recursos naturais do planeta, da forma que melhor lhes aprouver, pois que, o planeta nesta visão teológica, seria um espólio do criador à criatura humana.
Hodiernamente, sabe-se que o paradigma que traz o homem como fator central no universo, ainda presente no ideário da coletividade, é em absoluto, uma visão obsoleta e que, se perdurar, poderá acarretar problemas irreversíveis de ordem ambiental para a civilização humana, e a extinção de milhares de outras espécies, sobretudo, sob a égide de um modelo de consumo desenfreado.
Através das Ciências e dos avanços tecnológicos, sabe-se que o planeta terra, é apenas um, dentre tantos planetas que compõe este sistema solar. O Sol que o planeta Terra orbita, percorre a via láctea como um grande cometa, trazendo em sua calda os planetas que catalogamos, Terra, Marte, Vênus, Urano, Saturno, Mercúrio, Júpiter e Neptuno.
Sabe-se, que o sistema solar no qual se encontra este planeta, é apenas um, dos cerca de 200 à 400 bilhões de sistemas solares que compõe a via láctea, que por sua vez, é uma galáxia de pequena grandeza, que esta inserida entre aproximadamente 200 bilhões de galáxias no universo observável. Conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais: (INPE, WEB, 2016) 7:
É muito difícil estimar o número de estrelas e de galáxias no Universo. As estrelas não estão espalhadas ao acaso pelo Universo, mas encontram-se aglutinadas em “ilhas estelares”, denominadas galáxias. Estima-se que a nossa galáxia, a Via Láctea, possui de 200 a 400 bilhões de estrelas. As galáxias possuem em média centenas de bilhões de estrelas. E as estimativas também apontam para centenas de bilhões de galáxias no Universo. Isto resultaria na existência de mais de 10 sextilhões de estrelas. Para comparação, o número de estrelas no Universo pode ser maior do que o número de grãos de areia na Terra, ou da ordem do total de células existentes em todos os seres humanos do nosso planeta.
E ainda parece provável, que em um por vir, sejam confirmadas as teorias da física quântica que vem ofertar a possibilidade verossímil de universos paralelos ou multiversos.
Para fins de promover uma analise mais exata do tamanho do planeta terra na via láctea, o instituto de física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desenvolveu um trabalho que da a dimensão do espaço ocupado pelo planeta terra na via láctea: (BERGMANN, WEB, 2016) 8:
Vamos imaginar um modelo em que a Terra (diâmetro de 6370 km) tem o tamanho de um grão de coentro (diâmetro de aproximadamente 2mm), e todo o sistema planetário tem o tamanho de aproximadamente 1 km.
Ante o exposto, fica clarividente que a noção que traz os seres humanos como elemento central no universo, é demasiadamente primitiva, e não merece prosperar. Todavia, não significa que as crenças em Deus devam ser abandonadas. Não se pretende aqui pregar o ateísmo, pelo contrario, o paradigma cósmico não possui o condão de afastar a noção de um criador, apenas mostrar quão limitada é a criatura.
Portanto, o paradigma que retira dos seres humanos a concepção de centralidade no universo, não os rebaixa, mas provoca outro fenômeno que aqui, é o que importa: a retirada desta visão egocêntrica, (únicos filhos de Deus), (sua imagem e semelhança), eleva todas as outras criaturas deste planeta ao nível de importância da criatura humana, pois ao passo em que se subtrai a crença de que a criatura humana foi forjada a imagem e semelhança de Deus, (fato que nunca pode ser provado), passa-se à noção de que todas as criaturas são seres biológicos de constituição multicelular complexa, tais como os animais domésticos, selvagens, plantas e demais organismos vivos.
Desta forma, fica clarividente que o direito contemporâneo está ainda, atrelado a visão do individuo como elemento central do universo, pois que apenas os seres humanos gozam de especial proteção pelo ordenamento jurídico, em que pese às frágeis legislações ambientais.
Claro que o ordenamento jurídico contemporâneo, sequer pode ser considerado eficaz no que compete a harmonização das relações humanas, sendo ainda, mero paliativo, ou em outras palavras, um mínimo necessário para que a sociedade possa continuar sua marcha evolutiva.
O direito não dá conta de resolver todos os problemas sociais, as instituições que compõe o Estado, estão muito aquém de efetivar a pacificação social tão almejada, seja por que a maioria dos ilícitos passam despercebidos pela malha jurídica, seja por que a morosidade do sistema oferta uma justiça tardia, que pode significar muitas coisas, menos justiça.
Mas então, como mensurar que o Estado, e que o direito, passe a avocar a tutela dos direitos da fauna e da flora, tal qual o faz com os direitos humanos? Os animais e as plantas, não possuem aptidão para postular em juízo, em causa de direito próprio ou alheio. Seria inconcebível que um enxame de abelhas (litisconsortes), intentasse ação popular visando resguardar a sua colmeia ameaçada pelo desmatamento em terras da união.
Pois bem, é justamente a frágil condição destes seres vivos que elevam o nível de responsabilidade das criaturas humanas, pois que, toda a criatura humana deve agir com zelo para com os outros seres vivos, haja vista a similaridade de condições que compõe todas as espécies. Com os animais domésticos e os não domesticados, a criatura humana divide claramente, os mesmos sentimentos de dor, medo, alegria, angustia, fome ou satisfação.
Dito isto, como promover tal mudança de paradigma, se por um lado, a coletividade ainda está longe de alcançar uma noção de integralidade com o ambiente que a cerca, se estamos deveras longe de uma ambientação eco-social. Por onde começar?
Imperioso se faz que o Estado e a sociedade civil promovam tal mudança de paradigma de forma gradual, haja vista a atual visão de mundo adotada pela coletividade, bem como a densidade populacional da espécie humana neste planeta, que por certo conduzirá a humanidade ao esgotamento dos recursos naturais, colocando em risco a própria continuidade da espécie humana.
Tal mudança de paradigma deve ser gradual, sem ofender as crenças religiosas de quem quer que seja, mas oportunizando a noção de que, a visão do divino fora limitada em razão de nossas próprias limitações, e que, devemos respeitar todos os demais seres vivos, por que, longe de estarem neste mundo para servir as criaturas humanas, estão a dividir com estas, as mesmas características que os tornam especiais, pois são todos os seres, sem distinção, obra do universo.
Embora o Estado não possua hodiernamente, a capacidade de suprir o mínimo constitucional relativo a direitos individuais, coletivos e sociais, se por um lado nos falta desde saneamento básico até atendimento médico hospitalar de qualidade, em outras palavras, se entre as criaturas humanas não atingimos a igualdade material, de outro vértice, nada impede que estendamos aos demais seres vivos a igualdade formal. Deve-se propor uma mudança de paradigma que passará inevitavelmente pelas bases educacionais, para que todos os direitos inerentes a dignidade da pessoa humana, possam ser extensivos as demais espécies que habitam este planeta, respeitadas às peculiaridades de cada criatura, sendo um supra-sumo do direito ambiental.
Não se pretende advogar o fim das crenças religiosas, pois que, os cultos religiosos são reconhecidos como direito fundamental e integram sem duvida alguma á dignidade da pessoa humana. Conforme dispõe a Constituição Federal (WEB, 2016) 9:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI - e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Contudo, a todas as camadas sociais, deve ser ofertada uma visão de mundo a partir de conceitos científicos, para que o individuo possa formar as suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas com liberdade, sem a imposição de dogmas que lhes ocultem sua própria natureza, ofertando uma visão ampla e concreta acerca do nosso papel neste planeta e no universo.
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1 SANTOS, Jussara Cristina. Conceitos de Direito e Tridimensionalismo. Disponível em (Clique aqui). Acesso em 16. Abr.2016.
2. SANTOS, Jussara Cristina. Conceitos de Direito e Tridimensionalismo. Disponível em (Clique aqui). Acesso em 16. Abr.2016.
3. RIBEIRTO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia do Bolso, 2014.
4 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Palo: Martin Claret, 2009.
5 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Palo: Martin Claret, 2009.
6 BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: (Clique aqui). Htm. Acesso em: 16. Abr.2016.
7 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Quantas estrelas existem no Universo? Disponível em (Clique aqui.) Acesso em 16. Abr.2016.
8 BERGMANN, Thaisa Sorchi. O tamanho, idade e conteúdo do Universo. Disponível em: (Clique aqui.) Acesso em: 16. Abr.2016.
9 BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: (Clique aqui.) Htm. Acesso em: 16. Abr.2016.
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*Nelson Olivo Capeleti Junior é bacharel em Direito e analista Jurídico na Schulze Advogados Associados.