Os juros no Código Civil, o percentual e o critério adotado nas cobranças de cotas condominiais
Rodrigo Vallejo Marsaioli*
A questão em comento, apesar de usual, não tem sido muito abordada pelo Judiciário. Isso porque, a aplicação de taxa de juros maior que 1% (um por cento) ao mês, para remunerar a cobrança de despesas condominiais não tem sido aplicada: a uma, porque as partes não têm feito pedido específico para tanto; a duas, por falta de previsão convencional.
Contudo, pergunta-se: O porquê de tal questionamento? Porque o Novo Código Civil abriu a possibilidade de incidência da taxa da Selic, considerando-se a disposição do artigo 406 da nova legislação1, ou seja, a regra do artigo 12 da Lei de Condomínio (v. abaixo) (de juros de mora de 1% ao mês) foi revogada,ante a franca possibilidade de aplicar outra taxa/remuneração.
E, tal argumento ganha relevo, na medida em que o Novo Código Civil reduziu substancialmente a multa moratória para 2% (anteriormente era 20%). Assim, os juros de mora podem fazer com que uma ação possa ter seu valor onerado de maneira considerável. Vale ressaltar que o Código Civil de 1.916 determinava que, não havendo prévia pactuarão dos juros de mora, estes seriam de, no máximo, 6% ao ano, conforme os artigos 1.062 e 1.063.
O artigo 406 ao tratar dos juros moratórios, admite a plena liberdade de fixação entre as partes, quando uma deles estiver inadimplente. Assim, o Código determina que os juros sejam fixados "segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".
Assim, a taxa de juros pode ser livremente pactuada, sendo que os limites do Código Civil aplicam-se tão somente: (i) se os juros moratórios não tiverem sido acordados; (ii) se as partes não tiverem estipulado nenhuma taxa de juros; ou (iii) se houver norma expressa dispondo de outra forma.
Da leitura do referido artigo temos, portanto, que o limite legal seria a taxa SELIC2, assim denominada a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente (conforme o artigo 30 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2.002- clique aqui).
Os Tribunais, pouco a pouco, vem rompendo e se desinibindo perante a questão, tendo havido recentemente um precedente.
A JUSTIÇA DE MINAS GERAIS emanou decisão, já transitada em julgado, condenando um condômino inadimplente do Edifício Solar dos Flamboyants, no bairro Sagrada Família, <_st13a_personname w:st="on" productid="em Belo Horizonte">em Belo Horizonte, a pagar juros de 10% ao mês sobre as taxas de condomínio atrasadas há quase dois anos (Processo n° 0024.05.655.507-1 – decisão prolatada <_st13a_personname w:st="on" productid="em Belo Horizonte">em Belo Horizonte, 12 de setembro de 2.005).
Quanto ao cabimento da Taxa Selic, portanto, não há o que se discutir.
Da mesma forma quanto ao momento em que deve incidir os juros moratórios em cobrança de cotas condominiais, qual seja: data do vencimento da obrigação3.
Contudo, pode-se obtemperar se há necessidade de haver expressa previsão convencional a respeito da incidência da referida taxa. Ao meu sentir, a resposta é POSITIVA. Digo isso, pois se houver expressa previsão em contrário,como costumeiramente há nas convenções condominiais em vigor – juros moratórios, em regra, fixados em 1% - não se poderá aplicar a taxa Selic4.
No referido julgamento acima mencionado (do Estado de Minas Gerais), o Juiz de Direito ALEXANDRE QUINTINO SANTIAGO (prolator da decisão), ressalta a necessidade de fixar claramente a referida taxa do instrumento de Convenção Condominial:
“As taxas aplicadas pelo condomínio, constam do instrumento particular de rerratificação da convenção, devidamente registrada em cartório, com ciência a todos os condomínios, à exceção do requerido, por motivo que não se pode vislumbrar dos autos”.
Assim, tem-se que é da ciência de todos que em caso de inadimplência, lhes seria aplicada taxas conforme pré-fixado.
(...)
Não existe, portanto, a presunção de que os juros remuneratórios contratados acima de 12% sejam abusivos e ilegais, bem como a multa aplicada, que é o mesmo que uma clausula penal.
Nesta seara, inexiste razão para que o Poder Judiciário interfira no acordado entre as partes, neste particular. Trata-se de um ato jurídico perfeito, garantido pela Constituição Federal, artigo 5°, inciso XXXVI, realizado em conformidade com os ditames legais, não ficando comprovada nenhuma abusividade, quanto aos juros, face às normas jurídicas vigentes.
Isto posto, julgo procedente o pedido inicial, para condenar o requerido ao pagamento do valor constante da planilha de calculo de fls. 48, deduzidas as custas processuais, devendo o valor ser atualizado pela Tabela da Corregedoria Geral de Justiça, acrescido de juros de 1% ao mês, devidos desde a citação” – grifos nosso.
Posto isto, SMJ, não há, pois como contestar a validade da norma do novo Código Civil, que trata do regime dos juros moratórios, sendo plenamente cabível a incidência da taxa Selic nas ações de cobrança de cotas condominiais em atraso, desde que expressamente previsto na Convenção Condominial, incidindo-as desde a data do respectivo vencimento da obrigação.
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Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção a quota-parte que lhe couber em rateio.
§ 1º. Salvo disposição em contrário na Convenção, a fixação da quota no rateio corresponderá à fração ideal do terreno de cada unidade.
§ 2º. Cabe ao síndico arrecadar as contribuições competindo-lhe promover, por via executiva, a cobrança judicial das quotas atrasadas.
§ 3º. O condômino que não pagar a sua contribuição no prazo fixado na Convenção fica sujeito ao juro moratório de 1% ao mês, e multa de até 20% sobre o débito, que será atualizado, se o estipular a Convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo Conselho Nacional de Economia, no caso da mora por período igual ou superior a seis meses.
§ 4º. As obras que interessarem a estrutura integral da edificação ou conjunto de edificações, ou ao serviço comum, serão feitas com o concurso pecuniário de todos os proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades, mediante orçamento prévio aprovado em assembléia-geral, podendo incumbir-se de sua execução o síndico, ou outra pessoa com aprovação da assembléia.
§ 5º. A renúncia de qualquer condômino aos seus direitos, em caso algum valerá como escusa para exonera-lo de seus encargos.
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1Capítulo IV, Dos Juros Legais, artigo 406: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para o pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.
2O indicador econômico utilizado pela Fazenda Nacional para corrigir seus débitos é a Selic – índice que é calculado por meio de correção monetária mais juros de no máximo 12% ao ano –, regulada pela Lei Federal nº 9.065, de 25/6/95.
3 ""CIVIL E PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA – COTAS CONDOMINIAIS - OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC - INOCORRÊNCIA -PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO - ADMISSIBILIDADE - MULTA CONDOMINIAL DE 20% PREVISTA NA CONVENÇÃO, COM BASE NO ARTIGO 12, § 3º, DA LEI 4.591/64 - CDC - INAPLICABILIDADE - REDUÇÃO PARA 2% QUANTO À DÍVIDA VENCIDA NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL - REVOGAÇÃO PELO ESTATUTO MATERIAL DE 2002 DO TETO ANTERIORMENTE PREVISTO POR INCOMPATIBILIDADE - JUROS DE MORA - NÃO PACTUADO - APLICAÇÃO DA TAXA LEGAL - COBRANÇA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS – TERMO INICIAL - A PARTIR DO VENCIMENTO DE CADA PARCELA – PRESTAÇÃO PERIÓDICA - INCLUSÃO DA PARCELAS VINCENDAS ENQUANTO DURAR A OBRIGAÇÃO. (...) 6 - Possuindo a cota condominial exigibilidade imediata, porquanto dotada de liquidez e certeza, a simples ausência de pagamento por parte da recorrente já é capaz de configurar a mora solvendi. Em se tratando ainda de mora ex re, impõe-se a aplicação da regra dies interpellat pro homine, consagrada no art. 960 do CC/16, em que o próprio termo faz as vezes da interpelação. Dessarte, correta é a estipulação de juros de mora desde o vencimento de cada prestação” (STJ, 4ª Turma, Recurso Especial nº 679.019-SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 2/6/05, DJ de 20/6/05, página 291).
4“CONDOMÍNIO - COBRANÇA DE QUOTAS <_st13a_personname w:st="on" productid="EM ATRASO INICIAL QUE">EM ATRASO INICIAL QUE COBRA VALOR CORRESPONDENTE A E JUNTA PLANILHA RELATIVA A TRÊS MESES DE ATRASO, MAS AO EXPOR OS FATOS CITA APENAS DOIS MESES COMO EM ATRASO - DEFESA QUE PEDE INÉPCIA DA INICIAL OU REDUÇÃO DO VALOR AO EQUIVALENTE AOS MESES CITADOS - PROCEDÊNCIA PARCIAL - APELAÇÕES DO RÉU E DO AUTOR. (...) 2. Havendo disposição convencional sobre a cobrança de juros de mora à taxa de 1%, não pode a sentença reduzir essa taxa à metade para o período anterior à vigência do novo Código Civil e nem modificá-la para a Taxa SELIC depois dessa vigência, devendo prevalecer a Convenção de Condomínio, na forma do artigo 406 do Código Civil. (...). 4. Apelações do réu a que se dá provimento parcial e do autor a que se dá provimento integral” (TJ/RJ, 16ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2004.001.15712, Rel. Des. Miguel Angelo Barros, julgado em 27/7/04) - grifei.
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*Advogado do escritório Marsaioli & Marsaioli Advogados Associados.
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