Foi sancionado sem vetos pelo presidente Michel Temer, o substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei da Câmara (252 de 2007), que trata sobre o rateio das gorjetas e dá outras disposições alterando a redação do art. 457 da CLT. Em linhas gerais, para conceituar gorjeta como os valores recebidos diretamente do cliente ou, ainda, aqueles cobrados compulsoriamente pelo estabelecimento, indicar que referido valor será distribuído entre os trabalhadores por meio de critérios de custeio e rateio previstos em norma coletiva, fixando parâmetros máximos de retenção de acordo com o regime de tributação da empresa, exigindo anotação em carteira da média das quantias recebidas e, por fim, determinando para os estabelecimentos com mais de 60 empregados, a constituição de uma comissão que deverá acompanhar e fiscalizar a cobrança e distribuição da gorjeta composta por membros que gozarão de garantia de emprego.
Vale lembrar que a gorjeta, que historicamente está associada ao agrado dado pelo cliente para aquele que lhe serviu a fim de que ele também possa de alguma maneira usufruir de algo proveniente da sua cordialidade no atendimento, é fruto de um costume social mais intenso em determinados países. Essa prática serviu como fonte material para nosso direito do trabalho e inspirou a redação originária do art. 457 da CLT que trata de uma figura bastante peculiar, afinal é verba pertencente ao empregado, mas não é paga pelo empregador e, com isso, introduziu-se na lei o conceito de remuneração (amplitude maior que o salário).
Durante certo tempo, travou-se interessante debate em relação à natureza jurídica dessa verba e seus consequentes reflexos, até que o TST pacificou o assunto com a edição da Súmula 354, fixando que as gorjetas integram a remuneração, mas não servem de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.
No plano prático, é curioso frisar que em muitas das vezes são os garçons que recebem a chamada gorjeta, mas não são os únicos que deveriam ser destinatários dela, afinal, a motivação do pagamento, além do bom atendimento, também guarda relação com o preparo do prato (cozinheiro), limpeza da mesa (cumim) e a própria organização do serviço feita pelo maitre. A questão é que nem sempre de maneira graciosa acontece o rateio desses valores entre todos os profissionais (principalmente as gorjetas espontâneas), logo, boa parte dos estabelecimentos opta pela centralização dos valores que permite, em tese, melhor controle, rateio e aferição dos encargos incidentes.
Alguns acordos e convenções coletivas do segmento de bares, restaurantes, hotéis e afins, já contemplam cláusulas que fixa um valor estimado para as gorjetas espontâneas e, com isso, de certa forma atende os interessados. Existe, também, cláusula que fixa percentuais que se destinam ao custeio, rateio e até parte destinada ao próprio Sindicato como verba de fomento da atividade (boa parte delas dependendo da construção questionada no Judiciário com volume significativo de decisões do TST declarando nula referida cláusula, como no processo TST-RR-139400-03.2009.5.05.0017).
De todo esse apanhado e considerações, podemos extrair que a nova legislação, que passa a viger em 60 dias, cria embaraços até então não existentes e, sem dúvida, sob suposta valoração das negociações coletivas (a Constituição Federal já trata como garantia fundamental, logo não precisa uma lei infraconstitucional lembrar isso) valida situações que, como apontado acima, são alvos de discussões judiciais que culminam com decisões contrárias ao negociado, porque o Sindicato conduz o ajuste (ao menos em boa parte dos acordos e convenções) de forma a se beneficiar de parte do montante recebido e é destinando aos empregados, por vezes, menos da metade do arrecadado.
Além disso, a legislação introduz o parágrafo 10, do art. 457, a criação não só de uma comissão para acompanhar e fiscalizar a cobrança e distribuição da gorjeta (partindo de uma premissa equivocada que o empregador não agirá com transparência, sendo certo que a premissa é a boa fé – princípio norteador do contrato de trabalho) e ainda gera uma nova modalidade de estabilidade enquanto desempenhar as funções para as quais foi eleito, eleição essa, segundo a redação, convocada e conduzida pelo Sindicato, o que gera o desconforto pela tendência de que a escolha será somente entre os sindicalizados intimamente ligados à própria gestão da entidade.
Dessa maneira, ao menos pelas primeiras impressões, a nova legislação merece críticas, porque de um lado restringe o instituto como, aliás, a maioria das regulamentações ocasiona, e ainda traz ônus e obrigações aos empregadores, visando, sem dúvida, interesse arrecadatório para o Estado, maior amarração e dependência do Sindicato, ou seja, impossibilitando a organização dos trabalhadores de outras formas ou modalidades como também se pretende na chamada reforma trabalhista, e, por fim, ônus para o consumidor, já que apesar de não ser obrigatória a gorjeta, boa parte erroneamente não confere as contas e aí o percentual não é limitado a 10% do total, sem contar ainda na possibilidade da empresa assumir a incorporação do valor ao salário com base na média dos últimos 12 meses.
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*Fabiano Zavanella é advogado, mestre em Direito do Trabalho e sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados.