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Ação revisional de contratos bancários; ledo engano

O ledo engano no qual incorrem os demandantes que buscam a revisão de cláusulas contratuais em contratos bancários de alienação fiduciária e arrendamento mercantil, acarretando, muitas vezes, a perda da garantia.

4/4/2017

As ações revisionais de contratos bancários constituem uma importante ferramenta no que tange a constatação de abusividades nesta espécie de contratos, a fim de readequar os juros remuneratórios e afastar a capitalização de juros quando esta não estiver prevista no contrato entabulado entre as partes.

Todavia, a ação revisional de contratos bancários pode se mostrar um ledo engano, o que ocorre em grande parte por equívocos na análise do contrato antes de ajuizar a referida ação.

Ocorre, que para que haja a constatação de abusividades no contrato em tela, tais encargos abusivos devem ser os que incidem durante o chamado, período de normalidade contratual. Ou seja, juros remuneratórios e capitalização de juros.

Portanto, qualquer abusividade constatada nos encargos que incidem durante o período de inadimplência, não possuem o condão de afastar a mora. Portanto, elevações substanciais nos juros moratórios ou cobrança de comissão de permanência, não possuem o condão de afastar a mora.

Se porventura, for intentada ação de revisão contratual, e durante a análise da liminar de manutenção de posse, o magistrado não constatar de plano, abusividades no período da normalidade, nada impedirá que a Instituição Financeira ajuíze ação de busca e apreensão visando à retomada da garantia fiduciária.

O grande equívoco, no qual o então devedor fiduciante incorre, é que os contratos bancários de alienação fiduciária, ou de arrendamento mercantil, trazem em seu bojo, cláusula de vencimento antecipado da dívida.

Assim, se porventura o bem dado em garantia pelo empréstimo for apreendido, o devedor fiduciante, deverá, num prazo de cinco dias a contar da efetivação da liminar de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida, acrescida de juros moratórios, custas processuais e honorários advocatícios.

Deste modo, Com o advento da lei 10.931/04, de 02/08/04, ocorreram mudanças expressivas na disciplina do decreto-lei 911/69, que rege o instituto da alienação fiduciária. Dentre as modificações introduzidas, avulta de importância a nova redação dada ao artigo 3º do Decreto-lei 911/69, cujo § 2º aboliu a faculdade de emenda da mora por parte do devedor fiduciante que, segundo a atual disciplina, só poderá desconstituir a liminar de busca e apreensão pagando a integralidade da dívida, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, vejamos:

Art. 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.

§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela lei 10.931, de 2004).

§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela lei 10.931, de 2004).

É lugar comum dentro do mundo jurídico que as leis não devem ser interpretadas de forma isolada, tanto dos fatos quanto dos demais regramentos.

No caso em análise, em que pese o Decreto-Lei utilizar as palavras “valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial”, não é correto interpretá-lo ignorando o conjunto de pedidos formulados na Petição Inicial, bem como a jurisprudência pátria e as disposições dos Códigos Civil e de Processo Civil que fundamentam estes requerimentos.

Após executada a liminar, o devedor terá prazo de cinco dias para efetuar o pagamento da integralidade da dívida, ou seja, todas as parcelas do contrato de financiamento, INCLUINDO-SE AS VENCIDAS E VINCENDAS, ATUALIZADAS ATÉ A DATA DO EFETIVO DEPÓSITO E ACRESCIDAS DE CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

O pedido cumpre, pois, com o disposto no art. 322 do CPC.

Art. 322. O pedido deve ser certo.

§ 1o Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios.

§ 2o A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

Pertinente a análise conjunta com os artigos 389 e 395 do Código Civil:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado

Insta salientar que os juros moratórios são encargos legais praticados com índices regulados pelo Banco Central, portanto, tais encargos moratórios são devidos e integram a dívida a ser adimplida pelo devedor fiduciante, devendo ser faculdade do credor fiduciário aceitar valores aquém do devido.

Contudo, o que se observa no ordenamento jurídico pátrio, é uma enxurrada de ações de revisão de cláusulas contratuais, onde os demandantes sequer sabem quais encargos de fato possuem o condão de afastar a mora. Isto acarreta, ao final da ação, a perda do bem adquirido, bem como dos valores pagos, e não obstante, mesmo após a apreensão da garantia, é lugar comum o financiado continuar em debito com a instituição financeira, devendo adimplir saldo remanescente oriundo de despesas de pátio e locomoção do bem.

Ademais, se porventura, houver abusividade nos encargos do período da normalidade, juros remuneratórios e capitalização de juros, a sua readequação será mínima, não valendo o risco que a demanda propõe, de perda da garantia e dívida de saldo remanescente.

Portanto, há que se ponderar se estas ações, ditas como certas pelo senso comum, são realmente viáveis ou se, de outro modo, acarretam perda ao patrimônio do demandante ao invés de algum ganho substancial.

Por fim, há que se ponderar, ainda, que a função do judiciário é a de buscar a pacificação social, não devendo ser utilizado como um balcão de negócios, portanto, se houver dificuldade em adimplir o contrato, antes de qualquer medida judicial, necessário que o financiado entre em contato com a instituição financeira buscando a readequação do saldo devedor.

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*Nelson Olivo Capeleti Junior é Analista Jurídico na Schulze Advogados

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