Migalhas de Peso

Migalhas sobre a sociedade limitada aos 15 anos do Código Civil

A perspectiva dessas breves notas é, aproveitando o momento reflexivo inerente aos jubileus, lançar algumas Migalhas intuitivas ou provocativas acerca do "estado atual das coisas", de modo quiçá a semear outros escritos mais robustos, seja para incrementar ou, porque não, contrapor o que ora se lança.

4/4/2017

É inconteste que o atual Código Civil trouxe toda uma nova roupagem ao direito societário brasileiro, fruto da inserção da teoria da empresa e a respectiva mudança de paradigmas hermenêuticos e operacionais em nosso ordenamento. Passados 15 anos de sua vigência, contudo, ao menos no que tange à Sociedade Limitada não se pode afirmar propriamente que estamos a assistir seu debut. Ao contrário, para o bem e para o mal, muito se experimentou nesse período quanto a este tipo societário dominante.

Sem empreender aqui conjecturas dogmáticas mais profundas – o que naturalmente exigiria um texto bastante mais encorpado –, a perspectiva dessas breves notas é, aproveitando o momento reflexivo inerente aos jubileus, lançar algumas Migalhas intuitivas ou provocativas acerca do "estado atual das coisas", de modo quiçá a semear outros escritos mais robustos, seja para incrementar ou, porque não, contrapor o que ora se lança.

Numa sistemática nada cartesiana de exposição, a conclusão que nos ressoa de largada é que a LTDA virou uma espécie de "Geni do Direito Societário": serve a tudo e a todos, mas não passa indene ao eterno apedrejamento. Mas, tal e qual a personagem musical, isso parece se dar menos pelo que ela efetivamente é do que pelo que dela se faz - no caso da LTDA, o que dela fazemos (ou deixamos de fazer) nós operadores e a jurisprudência comumente errante, para ser eufemista.

Exemplo disso – e sem pôr em pauta os alegados entraves da S/A para negócios de menor porte e a inexistência (ou estranho regramento) da EIRELI, ao menos até há pouco -, o certo é que, par da saraivada de críticas à perda de flexibilidade decorrente dos complexos e engessados quóruns trazidos pelo Código, a LTDA jamais perdeu o posto de espécie societária quase absoluta utilizada pelos empreendedores nacionais.

Ou seja, por mais que procedente a crítica nem de longe suplanta os usos do instituto. Aliás, inobstante a inequívoca maior sofisticação tipológica da S/A, parece induvidoso que, paralelamente às cláusulas contratuais obrigatórias, a LTDA possui também um vasto cardápio de disciplina em seu contrato social. (v.g.: (i) quotas diferenciadas; (ii) redução de quórum de transformação, facilitando a retomada do controle ou dando azo a melhor acomodação de interesses diversos de sócios e/ou investidores; (iii) instauração de conselhos fiscal e/ou de administração; (vi) regramento deliberativo menos burocrático e moderno via reuniões, inclusive com redução de quóruns de instalação; (v) delimitação de efeitos sucessórios dos sócios; (vi) regras de saída, bloqueio, negociação e precificação de quotas; (vii) exclusão de minoritários, etc.).

E se é fato que boa parte dessas disposições padece (ou padecia) de alguns lamentáveis preconceitos – e pré-conceitos – tal não pode implicar num atestado de óbito da espécie pela simples má compreensão de suas regras. Aliás, o que se nota contemporaneamente são justamente alguns bons ventos soprando em direção dessa flexibilização, especialmente por parte da CVM e, Oxalá, do próprio DREI.

No que toca à CVM, inobstante a incerteza – especialmente face à resistência das Juntas Comerciais - que ainda paira quanto a emissão de debêntures, desde 2015 a autarquia vem sendo mais assertiva ao admitir que as Sociedades Limitadas lancem mão de valores mobiliários, mas por ora na esfera do funding de curto prazo, especificamente por meio de notas promissórias (commercial papers - art. 2º da ICVM 566/15).

Em sentido similar, a atualização do regramento dos FIPs (ICVM 578/16) expressamente abriu as portas da LTDA para investimentos de private equity e venture capital através desses veículos, o que tende a fomentar uma nova dinâmica ao mercado de M&A, se bem que um cenário ideal dependa de outros ajustes finos de ordem tributário-fiscal (v.g. a questão do ágio) ou mesmo societária interna (mormente no que toca à arquitetura jurídica da estrutura de capital e distribuição adequada de direitos político-econômicos de investidores).

Talvez atento a isso, numa aparente inciativa de alinhamento sistêmico do ordenamento, também o DREI procedeu à atualização de seus normativos, tendo como um dos principais pontos exatamente a temática das quotas e da alocação de poderes na LTDA.

Como sabido, muito embora a disciplina do art. 1.055 do Código seja absolutamente cristalina quanto a possibilidade da coexistência de quotas "iguais ou desiguais", o antigo DNRC (agora DREI) assentara em seus manuais a vedação à figura das quotas preferenciais nas LTDAs. Apesar de imotivada, o que se intui é que tal disposição decorria de uma interpretação análoga absurdamente equívoca das características das ações preferenciais na S/A, não raro desprovidas de voto. Mas ora, além do erro de origem - haja vista em que as ações preferenciais possuem sim o direito de voto como atributo inato, o qual somente lhes é cassado ou restringido mediante previsão estatutária expressa e contrapartida econômica própria –, ainda que assim não fosse tal "lógica" jamais poderia ser aplicada às quotas. Afinal, na medida em que o art. 1.010 (com remissão expressa do art. 1072) estatui como regra de formação de quórum a participação no capital social, ante a própria natureza intangível da quota e considerando que todos os sócios possuem participação no capital, é impossível cercear o direito de voto do quotista – ao menos em sede de contrato social -, salvo nos casos de impedimento. De toda sorte, por mais que essa estranha proibição administrativa por si só não obstasse a introdução quotas de valores ou classes diversas, havia sim um entrave burocrático que acabava por cercear a liberdade contratual e a alocação de interesses na LTDA.

Felizmente, contudo, os novos manuais recém editados pelo DREI (IN 38, com vigência prevista para 2 de maio de 2017) parecem colocar fim a celeuma, albergando expressamente as quotas preferenciais (Anexo II, item 1.4). Da mesma forma, explicita de modo induvidoso as quotas de valor desigual, figura da maior serventia quando se busca a retirada de liquidez de determinado sócio ou mesmo em estruturas de planejamentos societários ou sucessórios, para as quais a figura da holding patrimonial seja onerosa ou ineficiente (como sói acontecer nos casos em que a sociedade operacional remunera os sócios mediante JCPs ou em sociedades cujas quotas podem ser transacionadas em operações de M&A, impactando o ganho de capital do quotista).

Lamentavelmente, o inoportuno projeto de novo Código Comercial Brasileiro (PL 1572/11, Câmara dos Deputados) fomenta uma virtual nova balbúrdia acerca da matéria. Numa ânsia reformista de transformar a LTDA numa quase-SA ou algum híbrido parecido, o projeto suscita a possibilidade de quotas com ou sem valor nominal (arts. 132 e 199), mas contraditoriamente mantém a regra de computo de quórum com base no capital social (art. 147), esquecendo-se talvez que a sistemática de ação sem valor nominal, a par das funcionalidades relativas aos aumentos de capital, funciona eficazmente na S/A ante a regra de que "1 ação = 1 voto" (não necessariamente refletindo uma participação proporcionalmente efetiva no K). De igual modo, não flutua sobre as ações a polêmica das subscrições com ágio, o que estimula a boa utilização dessa figura dentro da estratégia de captação de recursos e composição de reservas, sem a incidência de custo tributário, o que não se dá no caso das LTDAs.

Noutro norte, a IN 38 ratifica ou esclarece outros pontos importantes, tais como a possibilidade da negociação das próprias quotas pela sociedade e sua mantença em tesouraria, bem como a inserção de Conselho de Administração, embora aqui cometendo uma potencial impropriedade ao relegar a este órgão competências amplas análogas às da LSA (item 1.2.13.5), quando o Código Civil expressamente as disciplina de modo diverso, tal como no caso da eleição de administradores (in casu, os diretores), de competência exclusiva dos quotistas – e não de conselheiros -, por força do art. 1.071, II e III.

Mais que isso, talvez para o desgosto dos "burocratas" de plantão, reconhece finalmente que a SPE não constitui um tipo societário próprio, e que sua constituição "não impõe reflexo sobre a análise pela Junta Comercial para fins de registro", sendo sua disciplina "adstrita aos aspectos formais aplicáveis ao tipo societário" adotado (S/A ou LTDA), o que implica em nada mais que reconhecer a faculdade já posta no Parágrafo único do art. 981 do Código (item 1.3).

Por fim, abdica de uma desnecessária polêmica acerca da constituição de EIRELI por pessoa jurídica, o que passa a admitir – inclusive para sociedades estrangeiras -, abrindo um flanco de otimização do organograma de grupos societários ou planejamentos correlatos, sem o ônus de uma subsidiária integral (Anexo V, 1.2.5)

Infelizmente, todavia, nem só de bons agouros vive a Sociedade Limitada... e estes últimos 15 anos certamente nos atentaram para isso. Como dito, o que transparece é que boa parte dessas desventuras podem ser debitadas ao ventilado desprezo "Genítico" – e não genético – ao regramento das LTDAs que, ademais dos ditos pré-conceitos (e preconceitos), padece outrossim de uma provável atecnia - senão de teoria geral societária, ao menos hermenêutica.

Surpreendentemente, é corriqueiro que se tome o Capítulo das Sociedades Simples do Código como uma parte geral do direito societário pátrio, de aplicabilidade impositiva e imediata às Sociedades Limitadas, o que nos soa um tanto despropositado. Por mais que porventura se desejasse que o Código abarcasse um regime societário uno, este realmente não parece ser o caso. Aliás, sem adentrar as diferenças teóricas entre tipologia e natureza jurídica das sociedades Simples (ditas "Simples Puras") e Limitadas e das empresárias e "não empresárias" (leia-se simples), o que parece no fim do dia é que o regulamento das Sociedades Simples não se presta de modo satisfatório sequer para elas mesmas, na medida em que, em linha com o art. 983, mesmo as sociedades não empresárias somente se submetem às normas da Simples se e quando não optarem por constituir-se mediante outro tipo.

Mas infelizmente o que se denota no dia a dia é uma verdadeira barafunda exegética, redundando num hibridismo regulatório absolutamente confuso, quando não temerário e sistemicamente perigoso, como se pretende melhor apontar adiante no que toca especialmente à figura da dissolução parcial.

Ora, teoria societária de lado, a simples técnica legislativa já deveria ser o bastante para reconhecer-se que o que se pode designar por "Regulamento das Sociedades Limitadas" assenta nas disposições postas no Capítulo IV próprio ao qual, às regras postas nos arts. 1052 a 1.087 que o integram, agrega-se, por remissão expressa daqueles, os arts. 997 (remetido pelo 1.054), 1.003 (remetido pelo 1.057), 1.004 (remetido pelo 1.058), 1.010 (remetido pelo 1.072), 1.011 (remetido pelo 1.066), 1.016 (remetido pelo 1.070), 1.026 (remetido pelo 1.085 c/c 1.030, P.u.), 1.030 (remetido pelo 1.085), 1.031 (remetido pelo 1.058 c/c 1.004, P.u. e 1.077), 1.032 (remetido pelo 1.086), 1.033 (remetido pelo 1044 c/c 1087) e 1.044 (remetido pelo 1.087).

Com efeito, já de largada o que se deveria presumir é: se há remissões, é porque obviamente não pode haver uma aplicação global e indistinta. Da mesma maneira, só há remissões porque, por razões óbvias, não faria sentido ao legislador replicar in literis disposições que, estas sim, porque cabíveis, se aplicam a diversos institutos elencados no mesmo Diploma.

Não bastasse isso, surge então a alegada controvérsia da regra de supletividade do Parágrafo único do art. 1.053, que parece ululante no sentido de que, havendo opção contratual, das regras acima indicadas parte-se direto para a LSA quando das eventuais omissões – e somente diante delas -, sendo que, somente no silêncio do contrato ou na opção nesse sentido, é que se dirige então às normas do Capitulo das Sociedades Simples, repita- se, àquelas sem remissão originária. Isso quando haja de fato omissão. Destarte, soa de todo irrazoado aplicar-se às LTDAs normas não remetidas do capitulo das Sociedades Simples, tanto quando não há omissão, quando, em as havendo, a opção supletiva é pela LSA. Infelizmente, contudo, não raro a jurisprudência – e, reconheça-se, a própria doutrina - passam ao largo dessa lógica.

De todo modo, a par da nebulosidade exegética inerente, essa confusão provavelmente tenha lá suas raízes culturais e históricas. Vale lembrar que, por moderna que a teoria da empresa o fosse à época – e ainda o seja – o Livro II ("Do Direito de Empresa") já nasceu velho. Primeiro, face aos quase 30 anos de hibernação ou, quando muito, semi-debate parlamentar acerca do Código e; segundo, porque em enorme parcela o novo Diploma simplesmente replicava um ordenamento italiano que, nos idos daquele mesmo 2002/2003, vivenciava sua maior reforma legislativa dos tempos recentes, com modificações nada desprezíveis ao regulamento vetusto, então parodiado em terras tupiniquins.

O problema, entretanto, é que as consequências dessa desinteligência e da eventual senilidade legislativa não se restringem ao plano do mero antagonismo acadêmico, gerando externalidades complicadas no dia a dia empresarial e disputas jurídicas – e, com elas, financeiras - correlatas.

O instituto da dissolução parcial talvez seja um dos mais emblemáticos nesse ponto. Afinal, é no mínimo curioso que, o instrumento que se consolidou na jurisprudência ainda em meados da década de 1970, tendo por objetivo primeiro a preservação da empresa, evitando o encerramento súbito e compulsório do negócio pela simples manifestação de qualquer dos sócios, por mais irrisória que fosse sua participação (conforme faculdade posta no art. 335, V do Código Comercial de 1850), tenha se transformado hoje numa cômoda e paternalista estratégia de retirada da sociedade pelo minoritário irresignado com sua posição diminuta e que, não raro omitindo-se no exercício de uma série de direitos que pudessem preservar suas alegadas pretensões violadas – quando as há -, simplesmente "pede pra sair", mas não sem antes levar polpudos haveres, inflados por metodologias de cálculo prateleirizadas e absolutamente apartadas do bom senso.

Naturalmente que não se fecha os olhos aqui para hipóteses de desarmonia tal que ponham em xeque a própria empresa. O que não se pode admitir, todavia, é a deturpação absoluta do instituto e a agressão ao princípio da preservação da empresa – e tantos outros, como vedação ao abuso de direito e venire contra factum proprio -, fazendo com que o instrumento que surgiu para homenageá-lo acabe por aniquilar o negócio quando da apuração dos haveres.

Sem embargo do objetivo maior desse texto, este tema parece merecer atenção, especialmente quanto a confusão hermenêutica dantes mencionada. Nessa linha, o que se pretende destacar aqui são os perigos da fragilidade dos alicerces sistêmicos, demonstrando que a brincadeira de "telefone sem fio" da história jurídica deu rumos insólitos à dissolução parcial, pondo em cena duas faces absolutamente divergentes e incongruentes do mesmo instituto, flutuando entre um "Dr. Jekill" (“preservação da empresa”) e um "Mr. Hyde" societários ("paternalismo desassociativo das minorias") que põe em risco a própria estabilidade empresarial ou passa a mão na cabeça do sócio que contrata mal na origem. (ao não dispor no Contrato Social acerca das formas, prazos e condições de retirada, especialmente a imotivada)

Ora, deixando de lado o conceito convenientemente abstrato do dito "affectio societatis", o que se nota é que é quase trivial apegar-se ao art. 1.029 do Código Civil (assente no capítulo das Sociedades Simples) para justificar um pleito de dissolução parcial, quando este não possui qualquer remissão por parte do Capítulo das Limitadas. Ao revés, o que há sim no regramento das LTDAS é a norma do art. 1.077 que estabelece um direito de recesso regulando quando, como e por quanto um sócio pode se retirar, o que induz à pergunta até se há de fato omissão. Afinal, sob o preceito de que "a lei não guarda palavras inúteis", soa a um nonsense prever-se uma retirada motivada (Recesso – art. 1.077), quando se admite concomitantemente uma denúncia vazia atemporal (supostamente inserta no art. 1.029).

Aliás, essa leitura sempre fora feita pelo próprio STJ no que toca às S/As, antes da corte se converter à religião dissolutória e passar a admiti-la também para as companhias fechadas familiares – jogando as favas igualmente a lei específica que inadmite a hipótese. Eram nesse sentido ao menos as orientações anteriores:

COMERCIAL - SOCIEDADE ANÔNIMA - DISSOLUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - CARÊNCIA DE AÇÃO. I - Pedido de dissolução, in casu, é juridicamente impossível pois a espécie societária admite o direito de recesso do sócio descontente. II - Recurso não conhecido. (REsp 171354/SP – Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER – Terceira Turma – 16.11.2000)

Do que não destoam uma gama de outros arestos (v.g, REsp 31515/SP e REsp 197329/SP)

Mas "o diabo pode citar as escrituras quando lhe convém", e se a regra infraconstitucional se torna um entrave, doutrina e jurisprudência passam então a enxergar um excêntrico caráter constitucional de livre associação (e, daí, "desassociação") na dissolução parcial, pretensamente alicerçado pelo inciso XX do art. 5º da Carta. Convenhamos, porém, a regra em questão não parece dispor mais do que uma liberdade sindical, política ou religiosa, jamais de caráter societário empreendedorístico. Aliás, é no mínimo curioso que, sendo agora a "justificativa" constitucional as disputas societárias dessa natureza parem sempre no STJ, não se tendo notícia de acórdãos de mérito acerca da dissolução parcial de lavra do STF, ao menos após a Constituição de 1988 e a criação do STJ com sua competência, destaque-se, infraconstitucional. Mas não é só! A única decisão do STF de que se tem notícia acerca do tema é uma de lavra do ex-ministro Sepúlvede Pertence, na ADIN 2054-4/DF, quando, note-se, afirmou o seguinte: "Liberdade de associação. garantia constitucional de duvidosa extensão às pessoas jurídicas."

De mais a mais, se o argumento é mesmo constitucional, o que diria Kelsen ao saber que a Carta vale mais que o Código, mas menos que a LSA (ao menos para as companhias abertas face à orientação do STJ). E nem se diga que nesse caso a liquidez acionária justificaria a não aplicação do instituto. Afinal, não há regra jurídica que ressalve algo do tipo "quando houver liquidez e dispersão a Constituição desce dois degraus hierárquicos". Aos que eventualmente assim o entendem, sugere-se indagar o que pensam a respeito, por exemplo, os acionistas do Grupo EBX se soubessem que às vésperas do ruir do negócio poderiam lançar mão de uma dissolução parcial onde, a par de se livrarem do abacaxi e do risco de perda quase integral do valor investido por suas ações, poderiam sair com gordos haveres, computando goodwill, intangíveis e correlatos de marca e direitos exploratórios de um petróleo que se revelara inexistente. Parece risível, mas é o que surpreendentemente parece avalizar a jurisprudência recente do STJ quanto a apuração de haveres na dissolução, ao atestar que, pasmem, aquele que sai dentro da lei - mediante o exercício legitimo do Recesso - faz jus a menos do que um sócio com "complexo de Capitão Schettino" que opte por abandonar o barco fora das regras legais ou contratuais:

"o exercício do direito de recesso, direito de minoria, tem aplicabilidade restrita e especificidades que o distinguem na essência do direito de retirada, inclusive quanto ao levantamento dos valores devidos. Como bem esclarece o acórdão, QUANDO EXERCIDO O DIREITO DE RECESSO OS VALORES A SEREM PAGOS SERÃO CALCULADOS DE ACORDO COM O ÚLTIMO BALANÇO SOCIAL APROVADO PELOS SÓCIOS. DE OUTRO LADO, NA DISSOLUÇÃO PARCIAL HÁ UMA APURAÇÃO DE HAVERES MAIS AMPLA, POR MEIO DE UM PROCEDIMENTO QUE BUSCA IDENTIFICAR O VALOR REAL DA EMPRESA, COMO SE ESTA FOSSE SER TOTALMENTE DISSOLVIDA. Assim, diante das distinções ontológicas entre os institutos, a previsão da forma de pagamento contratualmente especificada para o exercício do direito de recesso não tem o condão de afastar a incidência de lei. Desse modo, deve-se manter o acórdão também quanto à forma de pagamento." (REsp 1286708/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 5/6/14)

Isso quando não se atropela a própria a disciplina dispositiva do Contrato Social acerca da apuração e pagamento dos haveres:

"Na dissolução parcial de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o critério previsto no contrato social para a apuração dos haveres do sócio retirante SOMENTE PREVALECERÁ SE HOUVER CONSENSO ENTRE AS PARTES QUANTO AO RESULTADO ALCANÇADO. Em caso de dissenso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido de que o balanço de determinação é o critério que melhor reflete o valor patrimonial da empresa." (REsp 1335619/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, 3ª Turma, julgado em 3/3/15, DJe 27/3/15)

E isso tudo sob o suposto arnês da boa-fé e da vedação ao enriquecimento ilícito pela sociedade, o que parece não incomodar quando quem os viola é o sócio que contratou algo na origem e depois o ignora ou pretende ele sim enriquecer-se de goodwill e correlatos de um negócio o qual ele próprio optou por abandonar. Com toda vênia a S.Exas., parece que consenso havia quando da assinatura do Contrato. Ademais, se o consenso perdurasse depois de instaurado o litígio, não haveria sequer necessidade de se lavrar tais acórdãos.

Nesse confuso contexto, é sintomático constatar que, ao perceberem que o feitiço virara contra o feiticeiro, os operadores – que tem sua parcela não diminuta de responsabilidade, inclusive estes autores quando advogam tese similar - prontamente tentaram buscar um antídoto, editando então o Enunciado 480 nas V Jornadas do CJF, que prescreve:

Revogado o Enunciado n. 390 da III Jornada ["Em regra, é livre a retirada de sócio nas sociedades limitadas e anônimas fechadas, por prazo indeterminado, desde que tenham integralizado a respectiva parcela do capital, operando-se a denúncia (arts. 473 e 1.029)"].

Mas, como se vê, a criatura parece não querer voltar para a jaula e o regramento da Ação de Dissolução Parcial trazido pelo novo CPC não induz a um arrefecimento da coisa. Ao contrário, sem ignorar as chamadas normas heterotópicas na seara empresarial, ainda que o mais sensato seja não admitir que a regra instrumental inove no direito subjetivo, a simples previsão do art. 599 do CPC/15 tende a estimular mais do que nunca o deferimento das dissoluções, relegando a segundo plano as considerações de fundo sobre o cabimento ou não da figura nos casos concretos, mormente face à mistura tipológica de gêneros e espécie perpetrada pela nova regra processual, que mescla num mesmo balaio não só as 3 figuras de resolução societária (exclusão, dissolução e recesso), como agrega igualmente a consequência delas (apuração de haveres) debaixo do mesmo guarda-chuva conceitual. (?!)

Isso sem olvidar as confusões a que submete – e ainda submeterá – a apuração de haveres, seja ao criar critérios não exatamente idêntico ao do art.1.031 do Código Civil, seja ante a bisonha regra do art. 607 que confere ao juiz poderes para revisar a data da resolução e o critério de apuração de haveres "a qualquer tempo antes do início da perícia." Mas calma... o Projeto de Código Comercial promete agravar a celeuma, ao sugerir critérios e marcos diversos do próprio CPC recém editado... (arts. 176 e ss.)

Os paradoxos são tais que, de modo sintomático, a mencionada reforma do direito societário italiano de 2003 modificou justamente a regra de denúncia vazia (equiparada então à dissolução parcial) do Codice, induzindo não apenas à clara disposição no Contrato Social nesse sentido, como estabelecendo uma carência mínima de seis (6) meses para aquele que pretende se retirar imotivadamente, prazo este passível de extensão por até um ano, com fincas a exatamente a evitar surpresa e preservar a empresa, seu patrimônio e/ou liquidez. (art. 2.473 do Codice Civile)

A seu turno o Projeto de Código Comercial (PL 1572/11), embora positivando a hipótese de renúncia à posição de sócio (art. 162), o que pode eventualmente mitigar alguns abusos - se bem que a jurisprudência paternalista não funcione como um bom incentivo a tanto -, insiste em manter o flanco de denúncia vazia, inclusive ampliando seu escopo agora expressamente às LTDAs (art.170), o que não nos parece prudente, ao continuar assentindo com a negligência contratual originária dos sócios ao conferir-lhes uma eterna – e cômoda – porta de saída.

Seguindo adiante, e tratando agora da exclusão de sócios, se o entendimento consolidado é que o quórum de "maioria dos demais sócios" posto no art. 1.030 (exclusão judicial) dá margem inclusive à exclusão do sócio majoritário (vide TJMG - Apelação Civel nº 2.0000.00.439650-3/000) - se bem que ainda se discuta se o quórum aqui é por cabeça ou participação social -, o Novo CPC parece ter revogado transversamente essa possibilidade ao restringir a legitimidade ativa à sociedade, "nos casos em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial" (art. 600, V). Convenhamos, é no mínimo pouco crível que as minorias estejam em posição de administração estável ou que, especialmente fora delas, conseguirão de fato induzir a sociedade a propor ação de exclusão de seu controlador.

Em qualquer caso, a jurisprudência dos anos recentes assentou definitivamente a necessidade de uma falta grave concretamente caracterizada para permitir a expulsão de sócios (REsp 1129222), bem como a inafastável previsão contratual expressa e reunião prévia exclusiva para os casos de exclusão extrajudicial de minoritários.

Lado outro, o mote da administração social também não passa a salvo de disputas, tanto quanto ao procedimento de propositura das ações de responsabilidade - se similar ao rito do art. 159 da LSA ou autônomo -, quanto à matriz de responsabilização. Até aqui, apesar de viabilizar a responsabilização independente de autorização assemblear prévia (REsp 1138101), os poucos precedentes do STJ por vezes fazem da administração uma atividade fim, reconhecendo culpa no que qualificam como “má-administração" (REsp 1087142/MG), fugindo da regra do business judgment rule – já validada pelo próprio STJ para as S/A ao menos nos casos "Muller" e "Semenge".

Por fim, embora já se tenha demonstrando a pouca simpatia destes autores pelo Projeto de Código Comercial (em especial o PL 1572 em trâmite na Câmara), tratando de reforma legislativa, é sempre válido recordar a "3ª Lei de Murphy", que prudentemente estatui que "Nada é tão ruim que não possa piorar". Mas esse debate já vem sendo bem travado aqui em Migalhas há algum tempo, pelo que não se debruçará sobre ele por ora.

Mas isso tudo são apenas algumas Migalhas do que se acredita sintetizar minimante estes 15 anos da LTDA à égide do Código Civil...

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*Henrique Barbosa é coordenador e professor do LL.M do IBMEC/MG e Diretor do IBRADEMP

*Guilherme Monteiro de Andrade é professor da graduação e LL.M do IBMEC/MG e coordenador do Capitulo Mineiro do IBRADEMP

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