Desde quando o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional a PEC 287, de 2016, com objetivo de promover uma ampla reforma na previdência social, estabeleceu-se intensa batalha política e, também, grande guerra de comunicação.
Com objetivo de convencer a população da necessidade de levar a cabo a reforma, o Governo Federal passou a veicular em todos os meios de comunicação campanha, cujo slogan é "Reformar hoje para garantir o amanhã1".
Nas inserções, afirma que se não for reformada a "previdência acabará". Isso porque, segundo o Governo, o rombo da previdência aumenta a cada ano, sendo que em 2015 teria sido superior a R$85 bilhões, já em 2016, seria de mais de R$140 bilhões. As justificativas, em geral, são: que o número de aposentados cresce mais rápido do que o número de contribuintes, que as pessoas estão vivendo mais, e, ainda, que algumas delas passam mais tempo aposentadas do que trabalhando. Esses fatores somados gerariam desequilíbrio na balança da previdência, que em poucos anos poderá "quebrar".
A campanha publicitária do Governo foi contestada nas searas política e jurídica. Nesta, importante capítulo ocorreu no dia 15 de março/17, nos autos da Ação Civil Pública n° 5012400-56.2017.4.04.7100/RS, proposta por diversas entidades sindicais, em que Juíza da 1ª Vara Federal de Porto Alegre/RS deferiu pedido de antecipação de tutela de urgência e determinou a suspensão imediata, em todo o território nacional, de todos os anúncios da Campanha que vem sendo veiculada, sob pena de imposição de multa diária de R$100.000,00 (cem mil reais), em caso de descumprimento.
Em trecho da referida decisão, anotou a magistrada:
"Em todo o material analisado, o que se verifica é que não se trata de publicidade de atos, programas, obras, serviços ou campanhas dos órgãos públicos, com caráter educativo, informativo ou de orientação social, como permite o art. 37, § 1º, da CRFB. Trata-se de publicidade de programa de reformas que o Partido político que ocupa o poder no governo federal pretende ver concretizadas. Ou seja, não há normas aprovadas que devam ser explicadas para a população; não há programa de Governo que esteja amparado em legislação e atos normativos vigentes. Há a intenção do Partido que detém o poder no Executivo federal de reformar o sistema previdenciário e que, para angariar apoio às medidas propostas, desenvolve campanha publicitária financiada por recursos públicos."
Já na seara política, a reforma vem sendo contestada não só por políticos de oposição, mas também por importantes entidades da sociedade civil organizada. Em 31 de janeiro de 2017, a Ordem dos Advogados do Brasil divulgou, em conjunto com mais de uma centena de entidades, carta aberta2 manifestando "preocupação com relação ao texto da proposta de Reforma da Previdência (PEC 287/2016), tendo em vista que ela está fundamentada em premissas equivocadas e contem inúmeros abusos contra os direitos sociais", afirma o documento.
A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil -(ANFIP)3 divulgou dados refutando o déficit que o Governo insiste em apontar. Segundo a ANFIP , em 2011 a Seguridade Social teve um superávit de R$75,7 bi; em 2012, R$82,7 bi; em 2013, R$76,2 bi; em 2014, 53,9 bi; e em 2015, R$24 bi.
Além dos números do Governo, é contestado também o mérito da reforma. Afirma-se que o real interesse do Governo é privatizar a previdência, dificultando o acesso aos benefícios previdenciários e com isso empurrar a população para a previdência privada. Conforme noticiado nos jornais, o principal articulador da reforma, o secretário da Previdência Social do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, é membro do Conselho de Administração de uma das maiores empresas de previdência privada do país, a BrasilPrev, do Banco do Brasil"4.
O Suposto conflito de interesse foi objeto de denúncia junto ao Conselho de Ética da Presidência da República, apresentada pela central sindical Pública Central do Servidor, que argumentou:
"O exercício simultâneo pelo Denunciado das atribuições de Secretário de Previdência e Conselheiro da Brasilprev pode certamente levantar dúvidas sobre a isenção das decisões da autoridade pública, em especial sobre a primazia do interesse público sobre interesses particulares da Companhia. As diretrizes tomadas influenciam diretamente o mercado e a atuação de empresas de previdência privada".
A preocupação é pertinente, pois a PEC retira do texto constitucional o caráter público do Fundo de previdência complementar no serviço público (Funpresp), mostrando o viés privatista da reforma.
Mas o que mudará na previdência para gerar tanta polêmica? Bem, as alterações são profundas e impactam quase toda a população brasileira. A exceção são os militares que, após o Governo enviar a Proposta de Emenda à Constituição ao Congresso Nacional, pressionaram e o Governo enviou novo texto deixando-os de fora da maléfica reforma.
A mencionada Carta Aberta da OAB e das diversas entidades, dentre os pontos abusivos, destacou 10, a saber:
"1) Exigência de idade mínima para aposentadoria a partir dos 65 (sessenta e cinco) anos para homens e mulheres;
2) 49 (quarenta e nove) anos de tempo de contribuição para ter acesso à aposentadoria integral;
3) Redução do valor geral das aposentadorias;
4) Precarização da aposentadoria do trabalhador rural;
5) Pensão por morte e benefícios assistenciais em valor abaixo de um salário mínimo;
6) Exclui as regras de transição vigentes;
7) Impede a cumulação de aposentadoria e pensão por morte;
8) Elevação da idade para o recebimento do benefício assistencial (LOAS) para 70 anos de idade;
9) Regras inalcançáveis para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a agentes insalubres;
10) Fim da aposentadoria dos professores."
Da simples leitura dos pontos acima destacados dá para notar que não se trata de um mero ajuste na previdência, mas de profunda mudança no sistema de proteção social desenhando pelo constituinte em 1988. Diante de tão drástica alteração, diversas entidades de aposentados e trabalhadores protocolaram no Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 438, cujo objetivo é suspender a tramitação da PEC 287/2016.
Tramitam no STF outros processos com a mesma finalidade de ver suspensa a tramitação da proposição. Um grupo de 28 Deputados impetraram Mandado de Segurança, alegando que a PEC enviada ao Congresso Nacional não foi acompanhada de estudo atuarial prévio para atestar a necessidade de mudanças na legislação.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não julga os processos, a PEC vai sendo discutida na Câmara dos Deputados. O governo quer acelerar a tramitação da proposta, mas encontra resistência até mesmo dentro da base aliada.
A idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, tempo de contribuição de 49 anos para aposentadoria integral, regra de transição para homens com 50 anos e para mulheres com 45 anos ou mais, aplicação das novas regras tanto para os trabalhadores urbanos quanto aos rurais e mudanças nos critérios para o pagamento do Benefício da Prestação Continuada (BPC) são os cincos pontos que não tem consenso nem mesmo entre os parlamentares da base governista .
Nos próximos dias a temperatura deve subir quando se tratar de mudança na previdência. O Senador Paulo Paim noticiou que conseguiu 45 assinaturas para criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Senado Federal, com objetivo de apurar as contas da previdência.
Por hora, de um lado o governo afirma que é reforma para garantir a previdência no futuro, de outro, diversas entidades afirmam que a reforma, nos termos propostos acaba com a previdência social, ferindo violentamente os direitos sociais.
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1 Disponível em: <clique aqui>. Acessado em 18.mar.17.
2 OAB. Disponível em: <clique aqui>
3 Disponível em: <clique aqui>
4 Correio Braziliense. Disponível em: <clique aqui> Acessado em: 18.mar.17.
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*Leandro Brito Lemos é advogado e contador com atuação em Brasília/DF. Assessor Parlamentar no Senado Federal.