Migalhas de Peso

Cofre de aluguel e produção de provas no novo CPC

O ponto conflitante é que muitas vezes não existe conhecimento da íntegra dos produtos, por características e também condições comerciais requisitadas por empresas e clientes, como sigilo absoluto.

13/3/2017

I - INTRODUÇÃO

O sistema capitalista, tal qual conhecemos na atualidade com aprimoramentos e regras bem definidas, teve origem no Continente Europeu, já notado na longínqua baixa idade média (do século XI ao XV), onde notamos a ocorrência da alteração do centro da vida econômica social e política dos feudos para as antigas cidades. De tal período até os dias que ora vivemos, percebemos que tanto os consumidores quanto empresas (em sentido amplo), se aperfeiçoaram na noção de responsabilidade civil, inclusive, por termos um sistema jurídico que protege todos (tanto Pessoa Física ou Jurídica) de atitudes incorretas ou discrepantes (fato excelente e que sempre defendemos), como o cerne fático que ora trazemos à baila, qual seja, empresa diversa de gênero diferente (guarda de documentos / bens / produtos), na hipótese de não efetuar guarda correta e assertiva de bens e produtos confiados, depositados legalmente e corretamente após concretização de contrato de aluguel.

Analiso que, em tal temática supra descrita, não podemos deixar ao Judiciário a definição do tema tão somente avaliando o quesito da responsabilidade civil (esfera objetiva e subjetiva), mas sim, é importante a avaliação do conteúdo probatório.

A prova, em processo civil, deve sempre ser levada em consideração, pois é o cerne de qualquer embate, sem dúvidas. Em tal contexto, reforçaremos essas premissas processuais no discorrer do trabalho, trazendo decisões e pensamentos interessantes, para maior reflexão da comunidade jurídica.

Por mais que exista eventual descumprimento contratual (aluguel de cofre pontualmente / espaço, em nosso artigo), questiono sobre como apurar no Judiciário a responsabilidade dos envolvidos (principalmente, quem faz a guarda dos produtos)? Esse ponto não é de fácil resolução justamente por envolver em alguns momentos prova negativa, sendo que por ser algumas vezes levados ao Judiciário e envolver altos valores agregados, pretendemos trazer novas diretrizes ao Judiciário, não esgotando o tema que gera calorosos debates, mas trazendo uma discussão produtiva para todos.

II – COFRE DE ALUGUEL / GUARDA DE DOCUMENTOS

O cofre de aluguel / guarda de documentos, em si, refere-se à locação de espaço preservado por empresa autorizada para tanto, que recebe contraprestação financeira pela disponibilidade do espaço, bem como, a segurança dos itens. O ponto conflitante é que, muitas vezes não existe conhecimento da íntegra dos produtos (em que pese simples declaração), por características e também condições comerciais requisitadas por empresas e clientes, como sigilo absoluto. Estamos falando de contratos antigos na maioria das vezes, com reflexos no presente. Cito antigo, dado que na atualidade tanto empresas quanto consumidores buscam cada vez mais se blindar de eventuais problemas, conferindo os itens depositados.

Fato que, tal serviço ainda é alvo de problemas na esfera administrativa e judicial. Nosso ponto é, quando ocorre problema na esfera judicial (alegação da parte autora que alguns bens sumiram ou estão em condições distintas do depositado), como a resolutiva da demanda deve se dar na esfera do Judiciário (quando alcança tal cenário sem resolução via administrativa, que sempre recomendamos), criando padrão técnico para tanto? Falaremos de modo crível.

Sendo um contrato na semântica da palavra e específico, temos que o CC brasileiro regula e imputa regras quanto a possibilidade de contratação para aqueles que não sejam dotados de boa-fé (observando a democracia plena), vejamos:

"...
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato;
E
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
...
".

Esse tipo de contrato (guarda de documentos) é bem pautado pela boa-fé, fato que se espera sempre e em todos os aspectos da vida. Em outro ponto, os princípios que regem referido tipo de contrato (onde apontamos outrora), por consequência, são:

(i). Identificação das Partes;
(ii). Assinatura Válida e Eficaz;
(iii). Privacidade, Verificação e Checagem de Dados;
(iv). Possibilidade de Cancelamento ou Arrependimento;
(v). Validade do Contrato Juntamente a Documento Físico; e
(vi). Previsão no Ordenamento Jurídico e Banhado por Boa-fé Objetiva.

Ademais, necessário sempre preservação e atendimento dos seguintes aspectos infra elencados em todo e qualquer viés contratual:

(i). Ser um negócio jurídico perfeito;
(ii). Sujeito capaz de adquirir direitos e obrigações;
(iii) objeto lícito e determinado ou determinável; e
(iv) forma prescrita ou não defesa em lei.

Por ser um contrato típico, as empresas em geral (via de regra) possuem responsabilidade na guarda de bens, todavia, importante alertar que existe sim previsão e possibilidade de não responsabilização de tais empresas quando as provas carreadas nos autos não convencerem o magistrado.

Reflita que, na oportunidade de resgate de determinado bem, caso o adquirente do serviço não coadune com o constante no depósito do referido bem e pelo disposto no CC e Processual, deverá conceder indícios quanto ao teor e legalidade dos itens depositados, para que em eventual debate judicial, convença o magistrado quanto ao registro e titularidade do bem.

É importante sim ter em mente que, a justiça plena é aquela que não onera nenhuma das partes, tampouco, aflige qualquer ente social por prova negativa (sempre tenho preocupação com esse aspecto que, vez ou outra, assombra o Direito).

Esse ponto é simples de definição: Basta um registro qualquer ou indício concreto da propriedade do bem depositado, que sem dúvidas a Justiça irá pender positivamente para o ente que possui a boa prova no Judiciário. Sem dúvidas, defendemos o que é justo e correto, em todos os aspectos e graus de jurisdição. O modo fácil de decidir uma demanda (decisão afeta a responsabilidade objetiva), nem sempre é o modo mais justo ou correto, caminhando em sentido contrário ao berço da justiça.

Para que ocorra a prova no âmbito judicial, prudente a parte autora juntar aos autos:

(i). Imposto de Renda;
(ii). Extratos ou registro do bem; e
(iii). Foto, na hipótese de joia ou bem móvel;
(iv). Nota Fiscal; e
(v). Demais indícios que provoquem certeza ao magistrado.

Afeto a parte ré, importante colacionar aos autos qualquer demonstração quanto ao momento do depósito do bem, condições contratuais (com previsão de exceção), declaração de bens duvidosa e qualquer outro ponto que possa reforçar a legitimidade na defesa.

Concluindo o raciocínio, prudente rememorar a decisão infra do respeitado TJ/RS, que em analogia face caso distinto (meu posicionamento) também se manifestou quanto a responsabilidade das empresas quanto a guarda de bens.

"...
TJ/RS - Apelação Cível AC 70061135679 RS (TJ/RS)
Data de publicação: 3/3/15
A responsabilidade das instituições financeiras é objetiva, encontrando fundamento na Teoria do Risco do Empreendimento, motivo pelo qual somente não serão responsabilizadas por fato do serviço quando houver prova da inexistência do defeito ou da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros (art. 14, § 3º, da lei 8.078/90 - CDC). Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível 70061135679, 19ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em 26/2/15).
...
".

Diante da perfeita explanação, existe responsabilidade das empresas em geral que promovem guardar de documentos, desde que ocorra a cabal prova judicial quanto ao erro cometido ou prejuízo causado e, nesse ponto, cabe ao contratante comprovar que era detentor do objeto disposto na guarda empresarial danificado ou perdido / subtraído, provando a titularidade do mesmo e valor de prejuízo gerado (apurado em liquidação de sentença, em algumas oportunidades).

Conforme o excepcional acórdão que colacionamos infra em sede de RESP (1.163.137) proferido pelo STJ (14/12/10), temos que os bens indevidamente armazenados ou "não relacionados" não podem ser objeto de ressarcimento, dado que foge ao risco assumido pela empresa de guarda (no caso infra, Instituição Financeira). Podemos dar abrangência para tal decisão, considerando aspecto de empresas de guarda em geral.

Vide entendimento dos Doutos Ministros, existe necessidade de ponderar o uso irrestrito da responsabilidade objetiva nas decisões judiciais (principalmente de 01ª Instância), com intuito de forçar a produção de provas robustas no embate judicial, tornando uma decisão judicial (sentença / acórdão), mais justo e assertiva.

III – CONCLUSÃO

Sou defensor do Judiciário brasileiro, que sem dúvidas tem uma produção muito boa e eficiente. Agora, como em quase tudo na vida, oportunidades de melhorias sempre existem. Nesse condão, defender a valoração apurada das provas em processos judiciais nos instiga a forçar um Judiciário mais justo e equânime. Nosso entendimento é que, sem dúvidas, é importante relativizar a utilização da responsabilidade objetiva, para que seja utilizada nos casos necessários para tanto.

Referida teoria de responsabilidade objetiva é excelente e deve sempre estar na mente dos Juristas, entretanto, uma boa prova processual jamais deve ser desconsiderada, devendo o magistrado (como sempre), se utilizar da persuasão racional e instinto legal / técnico para dar a melhor resolução ao imbróglio judicial.
Confiamos na justiça!
_________

BIBLIOGRAFIA

CC.

Site: TJ/RS.

Site: STJ.
_________

*Douglas Belanda é advogado Corporativo em São Paulo/SP. Secretário da Comissão de Departamento Jurídico da OAB/SP, Seccional de Pinheiros/SP. Foi Membro da Comissão de Instituições Financeiras e Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP.

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