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O horizonte de redução do custo tributário

Recentemente, foi publicado pelo Banco Mundial um estudo denominado “Doing Business in 2006: Creating Jobs” , que veicula um ranking no qual 155 países são classificados em função do grau de facilidade que apresentam em relação à dinâmica dos negócios e investimentos (“ease of doing business”).

31/5/2006


O horizonte de redução do custo tributário*


Aloysio Meirelles de Miranda Filho**


Eduardo Borges***


Recentemente, foi publicado pelo Banco Mundial um estudo denominado “Doing Business in 2006: Creating Jobs” , que veicula um ranking no qual 155 países são classificados em função do grau de facilidade que apresentam em relação à dinâmica dos negócios e investimentos (“ease of doing business”).


O estudo apontou as dificuldades/facilidades para a abertura e fechamento de empresas, o registro de licenças, a contratação e demissão de empregados, o registro de propriedades, a obtenção de crédito, o pagamento de tributos, assim como o grau de proteção a investidores e de respeito aos contratos.


A situação brasileira refletida no estudo do Banco Mundial é preocupante. O Brasil ocupa a 119ª posição, atrás do Chile (25ª), Rússia (79ª) e China (91ª), países que disputam conosco os recursos dos investidores estrangeiros. Os piores resultados do Brasil se deram nas categorias “abertura e fechamento de empresas”, “contratação e demissão de empregados” e “pagamento de tributos” . O tempo médio para abrir uma empresa no País é de 152 dias, enquanto que na América Latina é de 63 dias e nos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) , de 20 dias. Já o tempo para fechar é de 10 anos no Brasil, contra 3,5 na América Latina e 1,5 nos países da OCDE. Além disso, no Brasil, o custo de demissão de empregados corresponde ao valor do salário de 165 semanas; já na América Latina, de 63 semanas e nos países da OCDE, de 35 semanas.


Mas é no campo tributário que aparecem as maiores divergências: o Brasil é o recordista, dentre os 155 países, no quesito “tempo gasto com o pagamento de tributos” (leia-se: burocracia). Aqui, a média é de 2600 horas por ano , enquanto que na América Latina, é de 529 e nos países da OCDE, 197. Logo após o Brasil, vêm a Ucrânia, com 2185 horas e Camarões, com 1300 horas. Já na Rússia, país de dimensões continentais como o Brasil, o tempo gasto é de 256 horas. Ou seja, o Brasil é duas vezes pior que o terceiro pior colocado (Camarões) e mais do que 1000% pior que a Rússia. Além disso, o total de tributos pagos no Brasil eqüivale 147,9% do lucro bruto , enquanto que na América Latina, a 52,8% e nos países da OCDE, a 45,4%. Na seção do ranking denominada “ease of paying taxes”, o Brasil figura no 140º lugar; nas demais seções (com exceção da seção “hiring and firing”), o Brasil está melhor colocado.


O alto custo tributário no Brasil é uma das principais razões para o chamado Custo Brasil ser tão elevado. E, como visto acima, esse custo tributário é decorrente não apenas do nível da carga tributária, mas também da burocracia tributária, que impõe aos contribuintes um significativo custo de controle (“cost of compliance”). Isso sem falar em aspectos menos tangíveis, como a segurança jurídica quanto à aplicação das normas tributárias pelo fisco. Daí porque muito se fala em reforma tributária no País.


No entanto, apesar de ser desejável que seja feita uma reforma tributária constitucional que venha a solucionar problemas estruturais, como é o caso do número excessivo de tributos e da guerra fiscal praticada entre os Estados em relação ao ICMS, o certo é que muito já poderia ter sido feito no âmbito da legislação ordinária, que é mais fácil e mais rápida de ser aprovada. É verdade que muitas alterações legislativas já foram produzidas para atender a interesses dos contribuintes, mas poucas delas tiveram um alcance suficientemente amplo de modo a contribuir para a redução do Custo Brasil, na medida que, em sua maioria, foram resultados de pressões exercidas por setores específicos da economia.


Mas agora existe a possibilidade desse quadro se alterar.


É que acaba de ser proposto um pacote de emendas pelo Senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) ao projeto de lei que cria a Super-Receita , o PLC nº 20/06 – atualmente em trâmite no Senado sob a Relatoria do Senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA). Trata-se de um conjunto de 17 emendas que podem ser divididas em três temas principais: (i) o aumento da segurança jurídica dos contribuintes; (ii) o aperfeiçoamento do processo administrativo fiscal; e (iii) a melhoria do atendimento prestado aos contribuintes pelo fisco. Vale a pena comentar os principais pontos do referido pacote.


Segurança Jurídica


Em relação ao tema da “segurança jurídica”, destaca-se a emenda que institui a consulta vinculante perante o fisco federal. A consulta vinculante é um instrumento adotado por diversos países desenvolvidos, entre eles, a Alemanha, o Canadá, a Holanda, e os Estados Unidos. Seu principal objetivo é proteger o contribuinte contra o risco do fisco modificar a interpretação de uma norma tributária, estimulando assim o investimento nas atividades produtivas. Dos 30 países que integram a OCDE, 21 deles possuem a consulta vinculante (Tabela 1).


Se aprovada na forma como proposta, essa emenda permitirá que o contribuintes possam obter do fisco um posicionamento definitivo e irrevogável sobre as incidências tributárias relativas a transações a serem realizadas, incluindo as fusões e aquisições, reorganizações societárias, operações no mercado financeiro e de capitais, implantação de empreendimentos, entre outras.


A legislação tributária brasileira já oferece ao contribuinte o processo de consulta. O modelo existente, entretanto, não é capaz de conferir a segurança jurídica almejada aos negócios, uma vez que não analisa operações que ainda estão no papel (“em tese”) nem suas respostas geram direito adquirido para os contribuintes. Além disso, o posicionamento adotado pelo Fisco nas soluções de consulta pode ser revisto a qualquer momento, ameaçando desta forma as operações já iniciadas sob a égide do entendimento anterior.


Ainda em relação ao tema “segurança jurídica”, também vale ressaltar uma emenda que disciplina a forma de criação das chamadas “obrigações acessórias” – a burocracia relacionada ao recolhimento dos tributos, como a entrega de declarações e formulários, e a manutenção de livros e registros, entre outras. A emenda estabelece que as novas obrigações somente poderão ser exigidas dos contribuintes após 90 dias contados da publicação da norma que as institui. Esse prazo permite uma gradual adequação do contribuinte às novas regras, reduzindo assim o impacto administrativo causado pelo surgimento de uma nova obrigação. A emenda também prevê que, sempre que um ato for expedido para tratar de uma obrigação acessória, que consolide todas as normas aplicáveis ao mesmo assunto, facilitando a vida dos contribuintes. A medida é essencial para conferir segurança jurídica aos contribuintes, mas ainda assim não afasta a necessidade de redução das obrigações acessórias existentes, que são extremamente excessivas.


Outra medida importante para aumentar a segurança jurídica do contribuinte é a que estabelece que as fiscalizações relativas a tributos federais deverão ser encerradas, no máximo, em 12 meses contados do seu início. Esta medida visa proteger o contribuinte do excessos cometidos pelos agentes fiscais durante os procedimentos de fiscalização. Atualmente, a legislação brasileira não prevê limites ao prazo de realização das fiscalizações, o que muitas vezes permite que os agentes do fisco permaneçam nas empresas durante anos, exigindo esclarecimentos e atrapalhando o desempenho das suas atividades. Se aprovada essa emenda, fatos dessa espécie deixam de existir.


Também conferindo maior segurança jurídica ao sistema tributário, uma das emendas apresentadas soluciona uma polêmica existente entre o fisco e os contribuintes quanto à possibilidade, ou não, de questionamento judicial, pela Fazenda Nacional, das decisões do Conselho de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, órgãos que correspondem à última instância do processo administrativo fiscal.


Em 2004, um parecer emitido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) iniciou a polêmica sobre o assunto. Contrariando a doutrina tributária brasileira, o parecer afirma que a Fazenda Nacional pode recorrer ao Judiciário contra as decisões administrativas contrárias à União. Apesar desse questionamento também ser contrário ao Código Tributário Nacional, a mera possibilidade de que as decisões finais administrativas favoráveis aos contribuintes sejam questionadas em juízo acabou com a segurança conferida por tais decisões. Neste cenário, a emenda apresentada elimina a insegurança jurídica provocada pelo entendimento da PGFN. E a redução da incerteza jurisdicional certamente contribui para a redução da taxa de risco do país, conforme já demonstraram os economistas André Lara Resende, Edmar Bacha e Pérsio Arida.


Processo Administrativo Fiscal


Outras medidas de destaque são as que aprimoram o processo administrativo fiscal, nos quais os contribuintes tanto se defendem das cobranças tributárias como pedem a restituição ou ressarcimento de tributos. Se aprovadas, tais medidas atribuirão maior celeridade aos processos, além de garantir a eficácia das decisões neles proferidas.


Uma das emendas fixa um prazo máximo de 360, prorrogáveis por mais 180 (mediante justificativa), para que seja proferida decisão nos processos administrativos fiscais. Prevê também a possibilidade de interrupção do prazo por 120 dias, no caso de ser necessária a realização de diligências administrativas. Não sendo respeitados os prazos, a cobrança é cancelada.


Atualmente, na maioria dos casos, os prazos não são observados pelas autoridade fazendária, o que permite que contribuintes que tenham sido injustamente autuados fiquem anos aguardando para sua situação perante o fisco seja regularizada. Este tipo de problema traz uma série de transtornos para as empresas, que muita vezes são obrigadas a fazerem provisões para fazer face a eventuais contingências e, em alguns casos, são privadas de valores que devem ser depositados para garantir o julgamento dos seus recursos.


A demora do Fisco em se manifestar também ocorre com freqüência nos casos de pedidos de restituição e de ressarcimento de créditos tributários. No caso do ressarcimento, a legislação atual não prevê a incidência de juros sobre os valores a serem ressarcidos (como, por exemplo, no caso de ressarcimento de saldo credor de PIS e Cofins). Se aprovada a emenda que diz respeito a tal assunto, o fisco terá um estímulo para decidir tais casos, pois a partir do prazo estipulado para a decisão (seis meses), passarão a incidir juros Selic sobre os valores.


Esse tipo de medida, além de conferir celeridade a atuação do Fisco, visa proteger o patrimônio do contribuinte, impedindo abusos por parte do órgão público.


Outra falha do processo administrativo fiscal que é solucionada por uma das emendas apresentadas é a falta de prazo para intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional das decisões proferidas pelo Conselho de Contribuinte e pela Câmara Superior de Recursos Fiscais. Atualmente, não havendo prazo legal, os procuradores demoram o tempo que julgam necessário para tomar ciência das decisões administrativas. Em decorrência disso, o processo administrativo, que deveria ser uma alternativa célere, acaba sendo mais uma vítima da ineficiência do poder público. Para contribuir para a “razoável duração do processo administrativo” (que se trata inclusive de um princípio constitucional), a emenda prevê mecanismos para a intimação da Procuradoria da Fazenda Nacional que asseguram que a intimação se dará em, no máximo, 70 dias contados da formalização da decisão.


Super-Receita


Outro tema central do pacote de emendas diz respeito à viabilização da Super-Receita, por meio de medidas que corrigem algumas sérias imperfeições constantes do projeto de lei que cuida da sua criação.


A idéia de unificação da arrecadação dos tributos e das contribuições previdenciárias está em sintonia com uma tendência mundial de redução dos custos de arrecadação e também dos custos de “compliance” incorridos pelos contribuintes. Há inclusive um estudo patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) que demonstra que os prós e contras de tal unificação, assim como os cuidados que devem ser tomados em tal processo.


No caso brasileiro, o PL da Super-Receita não se ateve para a necessidade de se harmonizar as normas e práticas dos órgãos que serão unificados, o que pode tornar a unificação caótica tanto para o fisco como para os contribuintes.


Se aprovada, uma das emendas propostas pelo Senador Tasso Jereissati soluciona esse problema, prevendo a criação da Comissão de Harmonização da Legislação e Procedimentos, responsável pela superação das incompatibilidades existentes entre a Receita Federal e a Receita Previdenciária, tanto de caráter normativo como tecnológicas, administrativas e até mesmo culturais. Outra emenda estabelece um prazo de seis meses, após a aprovação da lei, para que a unificação seja efetivada, período este no qual deverá trabalhar a referida Comissão, composta por membros de ambos os órgãos que serão fundidos.


Igualmente importante é a emenda que confere ao contribuinte a possibilidade de compensar créditos de contribuições previdenciárias com tributos federais administrados pela Super-Receita, na medida em que não seria razoável que, apesar de unificada a arrecadação, os contribuintes continuassem impossibilitados de efetuar tal compensação, atualmente vedada.


A redução do Custo Brasil é essencial para que o Brasil supere a crise econômica atual e passe a apresentar índices de crescimento condizentes com a posição que ocupa no mundo moderno. Dentro dessa realidade, a adequação da estrutura tributária brasileira aos padrões mundiais é obrigatória para que o País se torne um destino atraente para os investimentos, inclusive estrangeiros. Nesse sentido, é importante que a classe empresarial se conscientize da existência de medidas que contribuam para a redução da burocracia e para o aumento da segurança jurídica na área tributária, essenciais ao desenvolvimento das atividades econômicas. Também é importante que a administração tributária se conscientize da importância da sua atuação para a garantia da segurança jurídica e modernização do sistema tributário brasileiro.


Esse foi o propósito deste artigo: trazer para o conhecimento de todos a existência de propostas normativas que vem no sentido da redução do Custo Brasil, fomentando o seu debate assim como o interesse dos parlamentares na sua aprovação.

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*Artigo publicado na revista Custo Brasil nº 2, de abril/maio de 2006, págs. 50 a 54

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**Advogado do escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra –Advogados


***Presidente do IPT - Instituto de Pesquisas Tributárias, coordenador do LLM em Direito Tributário do IBMEC/SP e advogado tributarista do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra –Advogados.













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