Migalhas de Peso

Tecnologia e o contencioso

Quem atua em contencioso propriamente está notando mudanças diárias: o modo de recebimento de intimações, meios de protocolos e "peticionamento" eletrônico, despachos por meios virtuais e diversas outras alterações importantes.

7/3/2017

I - INTRODUÇÃO

A tecnologia, em sentido amplo, vem trazendo certo medo e insegurança em diversas áreas profissionais, inclusive em algumas impensáveis em virtude da necessidade de aplicação do conhecimento humano e técnico a casos fáticos (interpretação concreta e aplicação de leis), tal como, o Direito e referidos operadores (principalmente, advogados).

A advocacia, diferente de ciências exatas ou correlatas, requer do profissional a criação de um ótimo raciocínio jurídico, interpretando a norma jurídica e adaptando as leis a boa defesa do cliente, fator preponderante. No Direito, nem tudo pode e deve ser tratado de modo equânime (no cerne popular, ou é oito ou oitenta), dado que cada situação fática é distinta (na maioria das vezes), precisando do intérprete de lei na esfera judicial tal atenção diferenciada.

Sem dúvidas, a aplicação direta do Direito (em seus diversos segmentos e ramos) também está sofrendo alterações, que não são ruins ao profissional que acompanha tal evolução. De pronto, é certo que a profissão do advogado sempre estará em alta, dado a função e importância social, bem como, que a aplicação da lei requer raciocínio efetivo sobre os fatos e normas, carecendo quase sempre de discussões proveitosas levadas ao cerne judicial.

Não raro, observamos mudanças práticas em simples atos, citando por exemplo a vestimenta dos profissionais (mundo jurídico), e ainda, a formalidade e maior participação do profissional nos negócios do cliente ou empresa. Hoje, o Direito Empresarial requer junto aos escritórios de advocacia terceirizados palpites e pareceres sobre os rumos a serem tomados na condução de determinadas Pessoas Jurídicas. (O advogado contratado tem posicionamento também estratégico na seara administrativa, dominando o negócio do cliente quanto entendimentos).

Outros pontos, ainda, estão entrando em desuso no dia a dia forense, tais como: despachos frequentes, extração de cópias processuais e protocolos distintos, isto é, a tecnologia auxiliando o advogado e corpo jurídico em seus afazeres. Tem e deve ser cada vez mais rotineiro esses pontos na advocacia.

A sensação negativa de alguns profissionais do mundo jurídico, em tese, se dá por incerteza do futuro no sentido de efetuar o mesmo trabalho, do mesmo modo. (Às vezes, efetuar trabalho costumeiro gera certa segurança). Outrossim, justamente esse receio de enfrentar o novo é que muitas vezes causa certa estagnação do profissional, não somente no sentido de progressão da carreira, mas sim, de conteúdo técnico (novos estudos e novas áreas de abrangência).

O estudo deverá ser entendido como eterno e aplicado diariamente a quem escolher laborar na área jurídica, que possui corpo de profissionais (via de regra), muito gabaritado e bem desenvolvido.

Pelo narrado acima, é importante que o binômio estabilidade e inovação sejam sempre pensados, para que a balança seja benéfica ao profissional, o maior envolvido na cadeia produtiva que nos cerca.

É necessário, com isso, se atualizar sempre e buscar o novo. (Não somente no Direito, mas em todos pontos da vida).

Em tal viés, a tecnologia também é excelente, pois gera a movimentação dos profissionais (incluindo o mundo jurídico), no sentido de se adequar ao mercado, melhorando a eficiência na prestação de serviços. Agora, até que ponto a tecnologia irá afetar o mercado jurídico e suas nuances, bem como, será que o advogado perderá espaço?

A resposta de imediato é negativa (dado o condão da atividade), sendo que falaremos mais no decorrer da explanação do referido artigo.

II – EXPLANAÇÃO

Fato indiscutível é que o Direito vem se desenvolvendo ao longo dos séculos, sofrendo interferências de diversas culturas e acontecimentos (o que é normal, dado que jamais pode ser algo estático).

Em linhas gerais, os primeiros operadores do Direito no Brasil tiveram seus estudos efetivados em Portugal, na imponente Faculdade de Direito de Coimbra, dado a sistemática de nossa colonização.

Com isso, urge salientar que os primeiros operadores do Direito no país tiveram sim um bom fundamento jurídico, que careceu de adequações no Brasil. No mesmo sentido, nossas raízes do Direito tiveram forte influência também da cultura europeia, berço imponente e de grandes juristas, com abrangência direta e efetiva influência do famoso Direito Romano (ainda muito presente na rotina jurídica).

No Brasil especificamente, os cursos jurídicos foram criados e implementados no século XVII, sendo o primeiro curso de Direito no país desenvolvido pela excelente e recomendada Faculdade de Direito de Olinda, em 1827, por intermédio de ato normativo do Imperador Dom Pedro I. Concomitante, houve a criação da admirada e brilhante Faculdade de Direito de São Paulo.1

Fato é que, a sistemática do ensino jurídico no Brasil (em sentido direto) se manteve equânime por anos (fator não tão positivo), sofrendo agora muitas críticas quanto a necessidade de ser repensado (sou defensor de tal medida), com intuito de se adequar as inovações tecnológicas, assim como os operadores do Direito e Judiciário.

Será que a tecnologia não pode auxiliar o Judiciário na rápida e efetiva prestação jurisdicional? Entendemos, sem dúvidas, que sim. Existe, em tal turno, necessidade imediata de aplicar a tecnologia na administração do Judiciário e, em cenário menor, nos escritórios de advocacia e mundo empresarial. (Gerando escala de produção, diminuindo o tempo de resposta do Judiciário ao consulente e economizando aos cofres públicos e contribuintes).

Não é somente o ensino jurídico que permaneceu estanque por anos, mas todo o contexto jurídico, diversas leis, jurisprudências e afim. Agora, o Direito não é estático, portanto, carece sim de oportunidades de melhoria atrelado diretamente a tecnologia.

A atualização do Judiciário deve ocorrer imediatamente, para que beneficie toda a sociedade.

Observem que, muitas grades curriculares não contêm ainda matérias como Tecnologia e Judiciário / Meios de Provas no Cenário Eletrônico, dado alternância dos modos de contratação e os detalhes de referida operação. No mesmo caminho, nem todos os cursos jurídicos abordam de modo crível o cotidiano de trabalho do advogado (seja no simples modo de peticionar via eletrônico, como em questões mais complexas), bem como, os problemas de tal profissão (que algumas vezes, são em grande escala). Não menos importante, em muitas universidades a arbitragem é tratada de modo superficial, sem o aprofundamento necessário e visando pouco o futuro, com demandas tratadas fora da esfera do Judiciário, mas com validade legal / judicial.

Já quem labora em contencioso (volumoso) propriamente, certamente está notando mudanças diárias, seja no modo de recebimento de intimações, meios de protocolos e “peticionamento” eletrônico, despachos por meios virtuais e diversas outras alterações importantes ao setor jurídico.

Sem exageros, a cada mês / ano surgem novidades quanto a tecnologia envolvendo o Direito, que devem sempre observar os comandos e regulamentações da respeitada Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

Até esse ponto e respeitando todos os preceitos da carreira jurídica e OAB, entendemos que o advogado que se utilizar do advento da tecnologia só terá facilidades e oportunidades de otimização de tempo para melhora de defesa e estratégia processual (fato excelente e benéfico ao cliente, de grande interesse), todavia, e quando algumas máquinas iniciarem (com excelência) os assertivos entendimentos de conteúdos de ações (via softwares diversos), fornecendo uma peça processual próxima de algo considerado bom, citando por exemplo, uma contestação? Essa preocupação existe e é legítima / latente, merecendo atenção total doravante, com produtivo debate pelos órgãos regulamentadores do país e entidades de classe.

Justamente esse ponto que pretendemos abordar com clareza, isto é, ao nosso ver o volumoso contencioso será, seja em escritório ou empresa de grande porte, dividido em dois nichos distintos, todos com forte presença do advogado e tecnologia.

1º Cenário:

No referido 1º cenário, haverá o profissional jurídico com a técnica excepcional mantida, focado em elaboração de diversas teses de defesa, interface focada no direito aplicado (material e formal), buscando sempre o melhor caminho para o cliente, pautado pela busca incessante da justiça.

Em tal ponto, a utilização do racional (via interpretação de leis e afim) será total, sem qualquer reparo quando a figura do advogado ou operador do Direito.

Esse profissional jurídico cada vez mais será valorizado, pois buscará alternativas legais para auxiliar referido cliente, sem contar ramos interessantes sempre bem produtivos, citando a arbitragem como exponencial.

Dentre outros aspectos, será focado em buscar o êxito total ou parcial no processo, de acordo com as particularidades atreladas ao embate judicial, sempre preservando o cliente e ética profissional.

Essa advocacia (considerada artesanal, na semântica da palavra), não perderá espaço em casos necessários e que fogem da considerada esteira de produção (em tese, são casos com detalhes maiores, impactos financeiros consideráveis e assuntos que afetam imagem ou reputação de clientes diversos).

Logo mais, falaremos um pouco do volumoso contencioso, que será impactado pela tecnologia ao nosso ver com mais ênfase.

2º Cenário:

De início, reflito que a figura do nobre advogado será essencial em tal advocacia de grande volume, entretanto, mudando algumas vezes de contexto (não se preocupando com a excelente defesa, tão somente). O profissional em tela abarcará diversas funções, que requerem ótimo e embasado conhecimento jurídico.

Concernente ao respectivo 2º Cenário ora relatado, teremos o advogado que fará interface com as esteiras de produção do contencioso. Em suma, consideramos esteira do contencioso as diversas fases de produção de um processo ou boa defesa (em analogia a linha de produção, dado ao estilo do mercado de varejo no país e litigiosidade), que serão quase sempre liderados por excelentes advogados, que farão (dentre outras tarefas do jurídico) peças processuais em certa escala diária, se utilizando em algumas vezes da tecnologia e agilidade para facilitar o trabalho (cito, por exemplo, a localização de uma interessante jurisprudência ou sentença para o caso em concreto).

Assim, o conteúdo técnico existirá normalmente, entretanto, será melhor aplicado no contorno de toda cadeia logística do contencioso, e não somente a importante parte da produção de peças processuais. Haverá, nesse ponto, a figura de um advogado que terá um bom conhecimento de logística, com o justo motivo de fiscalizar a cadeia de produção de peças e afim (realizada por advogado também). Não se trata de relação hierárquica muitas vezes, e sim, de trabalhos distintos e duplo grau de checagem (cumprimento de prazo e qualidade da peça), pois o Direito não permite equívocos, que podem ocasionar prejuízos diversos no processo judicial e ao cliente, maior preocupação.

Os escritórios / departamentos jurídicos que lidam com contencioso de massa terão que se adequar a todos esses pontos, para cada vez mais se tornarem competitivos, fortalecendo o mercado jurídico e aumentando a empregabilidade em tal área (nosso intuito). A tecnologia não irá retirar emprego dos profissionais em geral (incluindo área jurídica), mas sim, daqueles que por questões pessoais da vida não se prepararem devidamente e, na medida do possível, buscar antecipação aos acontecimentos.

Em tal viés, o advogado será sempre necessário (pois conhece toda a vida útil de um processo e detalhes das leis), mas não somente na produção de peças (obrigatório), e sim na concepção de gerenciar tal esteira de produção (seja no agendamento de audiências, extração de cópias, providências de despachos distintos, cumprimentos de liminares, pagamentos judiciais e vários enlaces envolvidos no respectivo contencioso).

III – CONCLUSÃO

Sendo objetivo, é notório que a tecnologia em si não tem volta, cabendo a todo setor (incluindo o jurídico), se atualizar e adaptar a essa nova realidade (revolução tecnológica). Aquilo que não carecer de discussão e raciocínio puro, sofrerá com ênfase os impactos da tecnologia (o que não é ruim).

Em tal ponto, temos que a função administrativa do advogado / jurídico poderá sim ser alterada com o advento da tecnologia (positivo). Em contrapartida, a função do advogado no que tange ao conhecimento empírico e interpretação das normas, não sofrerá tanto com as novidades do mundo dos computadores.

Pelo exposto, o bom profissional do século XXI (inclusive do mundo jurídico), será aquele aberto as novidades e tendências, podendo e devendo otimizar atividades administrativas que não necessitem de viés pensante em todo momento.

Aquilo que fugir a interpretação de normas, necessidade de discussão teórica e bom e correto posicionamento (através de petição nos autos), poderá ao nosso ver ser bastante atingido pelo cunho tecnológico, devendo o advogado com visão de futuro se utilizar disso de modo proveitoso, para ofertar ao cliente melhorias na gestão do contencioso, diminuindo custos e trazendo segurança diversa a toda a cadeia produtiva que uma grande gama de processos judicias requer.
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1. BEVILAQUA, Clóvis - História da Faculdade de Direito do Recife. 2.ed. Brasília: INL; Conselho Federal de Cultura, 1977.
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*Douglas Belanda é advogado Corporativo em São Paulo/SP. Secretário da Comissão de Departamento Jurídico da OAB/SP, Seccional de Pinheiros/SP. Foi Membro da Comissão de Instituições Financeiras e Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP.

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