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Pensão alimentícia destinada aos filhos – descortinando a figura do administrador da verba alimentar – obrigações e sanções

Ocorre que doutrina e jurisprudência continuam analisando as consequências decorrentes de tal encargo alimentar apenas levando em consideração as figuras dos alimentantes dando pouco importância ao administrador da verba alimentar.

3/3/2017

O direito de família, nestes últimos anos, passou por grandes transformações de natureza social, legal, doutrinária e jurisprudencial, especialmente no que toca aos deveres e obrigações derivados do vínculo jurídico de filiação. Entre os fatores condutores de tais mudanças podemos citar, verbi gratia, a inserção da mulher no mercado de trabalho, a existência de uma geração de pais mais participativos e conscientes de seu papel na vida dos filhos, o reconhecimento pelo Judiciário da união civil homoafetiva, da multiparentalidade e, no campo legal, a guarda compartilhada passando de exceção à regra em nosso ordenamento.

Tais avanços e transformações nas relações decorrentes do vínculo jurídico de filiação, seja esta biológica ou socioafetiva, também geraram reflexos na obrigação alimentar entre ascendentes e descentes. Ocorre que, inexplicavelmente, doutrina e jurisprudência continuam analisando as consequências e reflexos decorrentes de tal encargo alimentar apenas levando em consideração as figuras dos alimentantes, quem presta, e do alimentando, a quem se destinam, dando pouco ou nenhuma importância ao terceiro sujeito integrante de tal relação jurídica, quem seja, o administrador da verba alimentar.

Antes de adentrar na questão do papel desempenhado, das obrigações e atribuições do administrador na relação obrigacional alimentar, direcionada ao sustento dos filhos menores, necessário se faz uma detida análise das outras figuras participantes de tal relação.

A primeira figura é o alimentando, o filho menor, criança ou adolescente, cabendo a ele o papel principal na relação obrigacional alimentar, isto é, o de ser o destinatário dos alimentos, devendo seus interesses e direitos, com absoluta prioridade1 2, prevalecerem sobre quaisquer outros. A obrigação alimentar é direito personalíssimo e irrenunciável, sendo os alimentos intransmissíveis e insuscetíveis de cessão3, destinando-se a suprir, unicamente, as necessidades vitais do filho menor4, sendo certo a morte do alimentando implica na extinção da obrigação alimentar, tal qual de eventuais créditos devidos a este e ainda não satisfeitos5.

Sendo o alimentando o destinatário exclusivo dos alimentos, o detentor do direito que deve prevalecer com absoluta prioridade, a verba alimentar tem que, obrigatoriamente, ser direcionada à assistência, criação, sustento e educação deste, bem como o arbitramento de tal verba deve ser efetuado através da utilização do "quadrinômio: necessidade do alimentando, proporcionalidade, razoabilidade e possibilidade dos alimentantes, sempre tendo em mente que o montante mensal nunca poderá ser superior às reais necessidades dos filhos, sob pena de servir de fomento ao ócio, desestimular os estudos e a formação profissional e gerar o enriquecimento sem causa dos alimentandos"6.

A verba alimenta deverá ser suficiente para prover, da forma mais completa possível, tão somente as necessidades dos filhos, assegurando a estes os recursos e meios que propiciem sua subsistência, saúde, educação, segurança, vestuário e lazer, da forma mais compatível possível com a condição social experimentada por suas famílias, permitindo seu sadio e pleno desenvolvimento físico, psíquico e mental.

Apesar de ser fato público e notório que os alimentos são destinados a fazer frente, unicamente, às necessidades do alimentando, é sempre oportuno salientar que se a verba alimentar não pode fomentar o ócio, desestimular o trabalho e gerar o enriquecimento ilícito do filho menor, muito menos poderá gerar tais resultados em relação a terceiros, principalmente nos ascendentes da criança ou adolescente, pois a estes cabe o dever de sustento dos filhos e não o direito de serem sustentados pelos menores.

Por outro lado, cabe deixar consignado que, além de não poder servir de fomento ao ócio, desestimular os estudos, a formação profissional e gerar o enriquecimento sem causa do alimentando e de qualquer outra pessoa, envolvida ou não na relação obrigacional alimentar, os alimentos arbitrados também não podem servir de forma alguma, por qualquer ângulo de análise, como verdadeiro instrumento discriminatório que revele preferência pela hegemonia da origem, posição social, costumes ou cultura de algum dos genitores envolvidos. Os meios sociais em que vivem e estão inseridos todos os genitores, suas culturas, origens, situações financeiras, costumes, religiões, etc., têm que ser valorizados e respeitados de forma igualitária, não podendo ser dada preferência ao bairro nobre em detrimento da comunidade, de ser prestigiada a família abastada à custa do desmerecimento da família humilde, etc.

Assim, ao aferir o quantum que se mostre suficiente para o atender as necessidades dos menores, de forma compatível com a condição social experimentada pelos seus genitores, os juízes têm que ter sempre em mente que a condição social, cultural e financeira de ambos os pais tem que ser sopesada, não podendo prevalecer tão somente a do ascendente que se revele, no caso concreto, o mais abastado, sob pena de afronta direta ao dispositivo constitucional que veda o preconceito por origem, raça e qualquer outra forma de discriminação, incluídas aí a condição social, cultural e financeira7. A mensagem que o Poder Judiciário tem que passar ao alimentando, através da verba alimentar fixada, é que o que tem valor não tem, necessariamente, um preço! Que devem ser valorizadas e respeitadas as origens, os costumes, as crenças e culturas8 de todos os ascendentes. Passar a noção que a grandeza das pessoas não se mede pelo patrimônio, bens e riquezas, mas sim pelo caráter, honestidade, dignidade, trabalho, convivência, afeto, presença e convivência familiar, etc.

O padrão de vida que o magistrado deve ter como alvo no momentos do arbitramento da verba alimentar não é aquele que possibilite ao alimentando, muito menos a qualquer outra pessoa, o desfrute de badalações, ostentações, futilidades, frivolidades, sofisticações e consumismo exacerbado, mas sim o que propicie, de forma prioritária, sempre dando ênfase à importância do trabalho, do estudo e da educação financeira, as melhores condições de aprendizagem, de forma a garantir o pleno desenvolvimento das aptidões mentais do menor, proporcionando a este moradia digna, alimentação nutritiva, boas condições de vestuário, saúde e higiene, a realização de atividades sociais, intelectuais, esportivas e de lazer, todas estas compatíveis com sua faixa etária e desenvolvimento mental.

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1 CF. Art. 227, caput.

2 Lei 8.069/90. Art. 4º.

3 CC. Art. 1.707.

4 "O direito aos alimentos é personalíssimo, pois tem como objetivo suprir as necessidades vitais de quem não consegue prove-las com seus próprios meios." (TJ/MG. Apelação Cível 1.0069.000234-5/001)

5 "Os alimentos constituem direito personalíssimo e destinam-se à subsistência do beneficiário, estando diretamente ligados às características pessoais do credor e do devedor, sem cunho patrimonial. Assim, a morte do alimentado implica a extinção da obrigação alimentar e de eventuais créditos ainda não satisfeitos." (TJ/SC. Apelação Cível 2014.092772-3)

6 SILVA, Fernando Salzer. Guarda compartilhada – A divisão dos direitos e deveres decorrentes da obrigação alimentar destinada aos filhos. Migalhas. Disponível em clique aqui.

7 CF. Art. 3º, IV.

8 Lei 8.069/90. Art. 22, Parágrafo único.

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*Fernando Salzer e Silva é advogado e procurador do Estado de Minas Gerais.

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