O NCPC, lei Federal 13.105/15, em vigor desde de 18 de março de 2016, inovando em relação ao Código anterior, trouxe um capítulo específico para tratar das ações de família, criando um rito especial para os processos contenciosos, procedimento este mais adequado para a compreensão e solução das controvérsias e conflitos familiares.
As normas do referido capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação1, aplicando-se também, no que couber, às ações de alimentos e nas que versarem sobre interesse de criança e adolescente, devendo estas, em primeiro lugar, observar os procedimentos e princípios previstos em legislação específica2.
O presente estudo se limitará a tratar dos processos que envolvam direitos e interesses de crianças e adolescentes, quais sejam, os que têm como objeto, ainda que parcial, as questões relativas a guarda, visitação/convivência e alimentos, abordando o rito processual a ser seguido, bem como os princípios que devem nortear a atuação do Judiciário e MP em tais ações.
Para melhor entendimento do assunto, antes de abordar a questão do rito e dos ventilados princípios norteadores, necessário se faz uma breve análise dos deveres legais a serem estritamente observados pelos Juízes e membros do MP em sua atuação jurisdicional.
O primordial e mais importante dever carreado a um magistrado é o de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais3, sendo consectário de tal encargo, a fim de permitir que a função seja cumprida com excelência, que o juiz constantemente atualize seus conhecimentos jurídicos, absorvendo todas as alterações e inovações inseridas no ordenamento pátrio. O magistrado tem que ser imparcial em sua atuação4, assegurando às partes o contraditório, ampla defesa5 e tratamento igualitário6, sem preconceito de origem, raça, sexo, opção sexual, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação7, velando para que o processo tenha duração razoável, prevenindo e reprimindo qualquer ato contrário à dignidade da justiça, indeferindo postulações meramente protelatórias, determinando todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento das ordens judiciais, promovendo, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores, mediadores judiciais e, quando necessário, de equipe multidisciplinar.
Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz deverá atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência8. Não poderá o magistrado proferir decisão contra uma das partes sem que esta seja ouvida previamente9, bem como não pode tomar suas decisões com base em fundamentos a respeito dos quais não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício10, sendo também vedado ao magistrado proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado11.
Todos os julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário deverão ser públicos, e fundamentadas validamente12 todas as decisões, sob pena de nulidade13 14 .
O dever dos juízes de cumprir e fazer cumprir a lei foi magistralmente definido pelo Dr. Demócrito Reinaldo, à época, ministro do STJ, que assim se pronunciou:
"No sistema jurídico-constitucional brasileiro, o juiz é essencial e substancialmente julgador, função jurisdicional estritamente vinculada à lei, encastoando-se do poder de 'jus dicere', descabendo-lhe recusar cumprimento à legislação em vigor (salvante se lhe couber declarar-lhe a inconstitucionalidade), sob pena de exautorar princípios fundamentais do direito público nacional. (...). É, pois, antijurídico, na espécie, omitir-se, o julgador, em aplicar a lei (...). Se a lei – para o caso específico – (...), deve o legislador ter sido despertado para que este fosse mais consentâneo com a realidade nacional e com o interesse público. Transmudar-lhe é defeso ao judiciário, ao qual é vedado investir-se na condição de legislador positivo."15
Noutro giro, no que diz respeito ao MP, entre os principais deveres legais que seus membros devem observar, rigorosamente, em sua atuação, podemos destacar os seguintes: desempenhar, com zelo e presteza, as suas funções16, participando de todos os atos judiciais, quando for obrigatória ou se mostrar conveniente a sua presença17, fundamentar juridicamente todos os seus pronunciamentos processuais18 e adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face de toda e qualquer irregularidade de que tenha conhecimento19.
Nas ações envolvendo interesses de incapaz, a intervenção do MP é obrigatória20 e sua atuação parcial, zelando sempre pelo efetivo respeito, primazia e defesa aos direitos, interesses e garantias legais asseguradas às crianças e adolescentes21, devendo ordinariamente ser ouvido previamente à homologação de qualquer acordo judicial22. Ponto relevante que merece destaque é que, quando atua na defesa de interesse de menores, é dever e obrigação do promotor adotar, de ofício, nos limites de sua atribuição, todas as providências cabíveis em face de irregularidade, ilegalidade ou abuso que tenha conhecimento23, ainda que os autores de tais atos, ilícitos cíveis ou criminais, sejam ascendentes das vítimas, sob pena de não o fazendo poder até mesmo ser acusado e denunciado pelo crime de prevaricação 24.
Vistos quais são os deveres e obrigações legais dos juízes e membros do MP em sua atuação jurisdicional, cabe agora apontar quais são os encargos atribuídos a estes no rito especial a ser observado nas ações de família envolvendo direitos e interesses de crianças e adolescentes.
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1. NCPC. Art. 693.
2. NCPC. Art. 693, Parágrafo único.
3. LC 34/79. Art. 35, I.
4. NCPC. Art. 139, incisos I a V.
5. CF. Art. 5º, LV.
6. NCPC. Art. 7º.
7. CF. Art. 3º, IV.
8. NCPC. Art. 8º
9. NCPC. Art. 9º.
10. NCPC. Art. 10.
11. NCPC. Art. 492.
12. NCPC. Art. 489, § 1o, incisos I a VI.
13. NCPC. Art. 11.
14. CF. Art. 93, IX.
15. STJ. REsp 152573/SC. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator: Ministro Demócrito Reinaldo. Data da publicação/Fonte: DJ 05/04/1999, p. 81.
16. Lei 8.625/93. Art. 43, VI.
17. Lei 8.625/93. Art. 43, V.
18. Lei 8.625/93. Art. 43, III.
19. Lei 8.625/93. Art. 43, VIII.
20. NCPC. 178, II.
21. Lei 8.069/90. Art. 201, VIII.
22. NCPC. Art. 698.
23. Lei 8.625/93. Art. 43, VIII
24. CP. Art. 319.
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* Fernando Salzer e Silva é advogado e procurador do Estado de Minas Gerais.