A crise ética que o país vivencia é um reflexo da desconexão do homem com valores. O ceticismo na prestação de serviços públicos e a contaminação das esferas de poder pela ganância acabam por justificar desvios de conduta que se materializam em gigantescas perdas financeiras e reputacionais para as empresas que cometeram atos lesivos.
O que fazer para reverter este cenário?
Estudos conduzidos pelo IFC1 elencam as mudanças implementadas na estrutura de Governança Corporativa das empresas analisadas e o seu impacto na criação de valor. São basicamente três pilares, essenciais para impulsionar uma cultura de transparência e prestação de contas capaz de engajar stakeholders, mantendo o alto valor reputacional da instituição:
• funcionamento dos Conselhos de Administração: a introdução de conselheiros independentes, por exemplo, promove o incremento de aptidões e o oferecimento de novos olhares sobre o negócio;
• ambiente de controles, em especial sobre áreas financeiras;
• obrigatoriedade de relatórios: a comunicação das estruturas de Governança e práticas de gestão indica transparência dos riscos e da performance.
Um aspecto crítico, no entanto, é demonstrar honestamente a vontade de se transformar, o que gera alinhamento com as expectativas dos stakeholders.
Algumas empresas avaliadas reportaram uma valorização de 50% da companhia em cinco anos, preponderantemente devido às mudanças realizadas.
A correlação entre um negócio ético e confiança foi examinada por Dietz e Gillespie2 nas empresas Siemens, Mattel, Toyota, BAE Systems, BBC e Severn Trent. Nos casos Siemens, BAE Systems e BBC a credibilidade foi quebrada em decorrência de desvios de conduta. Na Toyota e Severn Trent em razão de falta de integridade e competência nas respostas em situações de crise. A Mattel, por sua vez, com o recall de brinquedos em 2007, conseguiu evitar danos à credibilidade porque iniciou um projeto robusto e transparente de prestação de contas.
O ponto em comum identificado pelos autores nos mostra que confiança e reputação demoram para serem recuperadas e demandam custos, mas o que importa é reinserir valores éticos no dia a dia da operação, de forma que transgressões futuras não se repitam.
Os casos Siemens, Toyota, BAE Systems e Severn Trent demonstram que rupturas da confiabilidade são catalizadoras de um processo de fortalecimento da reputação para um nível muito superior ao que existia antes da crise.
"A crise motiva a organização a se reinventar, a se superar, deflagrando um ímpeto de mudança radical, proporcionando recursos e novas formas de pensar que não ocorreriam em situações normais. E esta é a beleza que reside nos eventos de quebra de credibilidade", segundo Dietz e Gillespie.
Outros acontecimentos emblemáticos foram os da Johnson & Johnson em 1982 com a contaminação do Tylenol que afetou o relacionamento com clientes; Nike, na década de 1990, e as condições de trabalho nas fábricas na Ásia que acenderam o ativismo de grupos de direitos humanos e provocaram o boicote aos produtos em muitas partes do mundo; Sony, em 2006, e o recall das baterias de laptops; British Petroleum e a cadeia de desastres ecológicos em 2005 e 2006.
Todos provocaram perda de valor reputacional e econômico que obrigou as empresas a conceberem estratégias de reengajamento de stakeholders e reconquista da confiança.
Concluindo, a mensagem final consiste em compreender que confiança pode ser reparada apesar do grande desapontamento público que contrasta com uma história precedente de sucesso e orgulho.
Basta que a empresa assuma o protagonismo de ressignificar a sua ética.
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1. Corporate Governance Success Stories: The experience of 19 MENA companies that have embraced corporate governance – what they changed and the impacts they have reported e Corporate Governance Success Stories in Europe and Central Asia – IFC – 2015
2. The Recovery of Trust: Case studies of organisational failures and trust repair – Graham Dietz and Nicole Gillespie - 2012 Published by the Institute of Business Ethics
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*Ana Paula P. Candeloro é advogada, especialista em Governança Corporativa pelo IBGC, com Curso de Formação de Conselheiros. Membro do Colegiado de Apoio ao Conselho do IBGC – Conduta. Docente de "Governança Corporativa e Compliance" no Insper.