No ano de 2016, foram iniciadas investigações para apurar irregularidades em projetos culturais incentivados por meio dos mecanismos definidos na lei 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet. Um dos objetivos de tais investigações é verificar se projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura ("MinC") estabelecem contrapartidas às empresas patrocinadoras condizentes com o que dispõe a legislação aplicável.
Por esse motivo, há uma justa preocupação do meio empresarial em entender com clareza quais são os benefícios (ou contrapartidas) ao patrocinador permitidos pela Lei Rouanet. O que poderia ser uma tarefa fácil, decorrente da simples análise do texto legal, acaba se tornando algo mais complexo, pois a Lei Rouanet não prima pela precisão ou detalhamento das condutas permitidas ou vedadas, dando margem a diferentes interpretações e entendimentos. Aliás, a posição da AGU em relação a princípios da lei só se torna conhecida mediante a análise de pareceres emitidos pela sua Consultoria Jurídica no MinC.
Os princípios que regem a Lei Rouanet, em síntese, são a facilitação e a democratização do acesso a fontes de cultura, o exercício de direitos culturais, a promoção, o apoio e a difusão das manifestações culturais.
A fim de implementar medidas de acesso à cultura, a lei instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura ("Pronac"), que tem por finalidade a captação e canalização de recursos para o setor cultural. Os incentivos aos projetos culturais podem ocorrer de duas formas: doação ou patrocínio. A diferença entre tais modalidades de incentivos é que o patrocínio tem finalidade promocional do patrocinador, que pode associar a sua marca ao projeto cultural, o que não acontece no caso da doação.
O procedimento para a concessão de incentivos fiscais segue as etapas abaixo:
a. O proponente apresenta sua proposta de projeto cultural ao MinC;
b. O MinC analisa cada projeto conforme apresentado;
c. Caso o MinC aprove o projeto, fica autorizada a captação de incentivos por meio de patrocínios ou doações, mediante a concessão de benefício fiscal ao incentivador;
d. Os recursos são captados por um dos mecanismos de incentivo fiscal definidos na Lei Rouanet;
e. O projeto deve ser executado conforme aprovado pelo MinC; e
f. Por fim, o proponente deve prestar contas ao MinC, o qual poderá aprová-las ou rejeitá-las.
Há duas categorias de projetos que podem receber incentivos pela Lei Rouanet. Uma categoria é mais genérica e engloba a grande maioria dos segmentos culturais. Para esta categoria, o percentual de dedutibilidade de IR do valor incentivado é menor.
Outra categoria são os intitulados "projetos especiais", que englobam segmentos mais específicos, como livros de valor artístico, literário ou humanístico, música erudita ou instrumental, entre outros.
Para tais "projetos especiais", o legislador previu a dedutibilidade integral dos valores investidos.
Frisa-se que, para a categoria mais genérica, os percentuais de dedutibilidade de doação e de patrocínio são distintos, enquanto nos projetos especiais a dedutibilidade é integral nos dois tipos de incentivo. Em todos os casos, o limite máximo de dedução pela pessoa jurídica tributada com base no lucro real é de 4% do IR devido no respectivo ano fiscal. Se o incentivo ultrapassar este percentual, o excedente não poderá ser deduzido.
À luz do princípio de democratização do acesso que permeia a Lei Rouanet, todos os projetos incentiváveis devem ser abertos, sem distinção, a qualquer pessoa ou, se for cobrado ingresso, a qualquer pagante. O projeto não pode consistir, por exemplo, em apresentação fechada, restrita a determinado público, ainda que tal restrição não seja expressa. Ressalta-se que pode haver cobrança de ingresso, mas tal cobrança, em princípio, não pode ser diferenciada a funcionários ou clientes do incentivador, que também não podem ter acesso a canais exclusivos de venda, pré-venda ou a preços promocionais exclusivos.
O incentivador, além de ter direito ao benefício fiscal de dedução do IR (e da associação de sua marca ao projeto, no caso do patrocínio), pode fazer jus a outras contrapartidas. Contudo, a Lei Rouanet veda de forma genérica a obtenção pelo incentivador de quaisquer vantagens financeiras ou materiais, sem detalhar o que seriam tais vantagens. Por isso, há uma vasta zona cinzenta na qual não estão claras as contrapartidas de que os patrocinadores podem se beneficiar. A solução é recorrer a normas que regulamentaram a Lei Rouanet e, como já dito, aos entendimentos de pareceres da AGU, mais precisamente da sua Consultoria Jurídica no MinC.
O decreto 5.761/06, que regulamenta a Lei Rouanet, esclarece que não é vantagem financeira ou material a destinação de até 10% dos ingressos de evento para o incentivador para fins de distribuição promocional, desde que assim autorizado pelo MinC. Ocorre que, caso o projeto se trate de uma série de concertos, há questionamentos se é lícito destinar aos incentivadores todos os ingressos de determinada data, mesmo que esta corresponda a menos de 10% do total de ingressos do projeto.
Outra contrapartida sobre a qual nada é dito na legislação é a possibilidade de se garantir ao patrocinador naming rights, ou seja, de se incluir a marca/nome do patrocinador no nome do projeto incentivado (seja um evento, um show ou uma sala de cinema ou teatro).
O grande problema da ausência de clareza da Lei Rouanet é que há a possibilidade de se aplicar sanções tanto ao proponente do projeto cultural como ao incentivador. Tais penalidades vão desde a obrigatoriedade do recolhimento do IR deduzido e o pagamento de multa correspondente a duas vezes o valor de vantagem recebida indevidamente até a possibilidade de reclusão de dois a seis meses mais multa de 20% do valor do projeto.
Portanto, ao se valer dos benefícios da Lei Rouanet, é indispensável estar alerta para o cumprimento das normas previstas na legislação e para a adequação aos entendimentos do MinC e da Advocacia-Geral da União (Consultoria Jurídica no MinC). A clara compreensão dos limites estabelecidos pela Lei Rouanet permitirá ao meio empresarial que continue se utilizando desse instrumento para contribuir com a democratização do acesso à cultura no País.
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*José Mauro Decoussau Machado é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Lisa Worcman é consultora do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Gustavo Gonçalves Ferrer é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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