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Arbitragem e o Direito do Trabalho: uma reflexão

Há uma necessidade de aprimoramento cultural e profissional, tantos dos empregadores quanto dos advogados que atuam na área e da própria Justiça do Trabalho, para que esse método se torne um método adequado também para solução de conflitos da relação de trabalho.

31/1/2017

Muito tem-se visto recentemente discussões sobre Arbitragem e o Direito do Trabalho. Provavelmente impulsionadas pelo abarrotamento da Justiça do Trabalho e a busca incessante por alternativas mais adequadas para solucionar as controvérsias decorrente da relação de emprego.

Nada obstante, a maior parte dessas discussões têm levado em consideração apenas a possibilidade de a convenção arbitral ser firmada no momento da celebração do contrato de trabalho, olvidando-se da possibilidade dela ser firmada pós-conflito, por mais utópico que isso possa parecer. Nesse sentido, propõe-se aqui uma nova reflexão em relação à arbitragem como método de solução de conflitos relativos à relação de emprego.

A Arbitragem é um método de solução de controvérsias, escolhido pela vontade das partes, e que tem como efeito afastar a jurisdição estatal sobre a relação jurídica e transferir aos árbitros essa jurisdição. Para tanto, há dois requisitos essenciais para que uma arbitragem tenha sua instituição e processamento válidos: (i) as partes capazes em uma dada relação jurídica devem declarar de forma clara e sem qualquer vício a sua vontade de arbitrar; e (ii) eventual objeto da arbitragem deve ser patrimonial e disponível.

Nesse sentido, a Arbitragem não serve para todo e qualquer conflito. Nem mesmo para todo e qualquer conflito que envolva direito patrimonial e disponível. A Arbitragem nada mais é do que um método adequado para solução de determinadas controvérsias, o que também pode ser pensado em relação ao Direito do Trabalho.

Já se sabe que a arbitragem é um método admitido para solução de conflitos coletivos de trabalho, conforme autorização constitucional estabelecida no art. 114, § 1º da CF1. No entanto, em relação aos conflitos individuais, há ainda uma forte resistência.

Isso porque há pelo menos dois pontos que dificultam a aceitação quando se trata desse tema: o primeiro, diz respeito a uma alegada vulnerabilidade do trabalhador no momento da negociação do contrato de trabalho, em que se estabelece a convenção arbitral (nesse caso, a cláusula compromissória); o segundo, diz respeito à arbitrabilidade objetiva, i.e., se o objeto que será submetido à arbitragem é patrimonial e disponível, na medida em que os direitos trabalhistas seriam supostamente indisponíveis. Pois bem.

Em relação ao primeiro ponto, a preocupação faz sentido quando se trata de cláusula compromissória. Nesse caso, o fato de a convenção arbitral vir em um momento em que as partes estão negociando o contrato de trabalho pode, sim, fazer com que a autonomia da vontade do empregado esteja viciada em relação à escolha da arbitragem. Isso porque, em grande parte das situações, o empregado precisa do emprego e, portanto, encontra-se em situação de vulnerabilidade negocial em relação ao empregador, o que possivelmente comprometeria a manifestação da vontade em arbitrar e, consequentemente, em afastar a jurisdição da Justiça do Trabalho (efeito negativo da convenção arbitral). E sem manifestação clara de vontade, não há como ratificar a convenção arbitral.

Nada obstante, quando pensamos em compromisso arbitral, não nos parece que a presunção acima possa ser aplicada. Isso porque o compromisso arbitral já surge em um momento de conflito, em que o empregado já não possui mais seu emprego e que pleiteia todos os seus direitos. Nesse caso, se devidamente assessorado por advogado, não dá para considerar que o empregado se encontraria em situação de vulnerabilidade de modo a comprometer uma manifestação de vontade em arbitrar. Portanto, a autonomia da vontade, nesse caso, deveria prevalecer e sua declaração estaria completamente válida.

Em relação ao segundo ponto, alegam-se que os direitos trabalhistas seriam indisponíveis e, portanto, não poderiam ser objeto de arbitragem. Nada obstante, os valores relativos a esses direitos trabalhistas não são. Caso contrário, os empregados não poderiam transacionar nem perante o Estado-Juiz, fazendo acordos que muitas vezes reduzem significativamente os valores devidos pelos seus empregadores a título de determinadas verbas trabalhistas.

Nesse sentido, é certo que o empregado não pode simplesmente abrir mão do direito a férias, 13º salário, adicionais aplicáveis, inter alia, o que os tornariam indisponíveis. No entanto, o quantum a ser pago a esses títulos pode ser transacionado, o que, no nosso modesto entendimento, torna a apuração desses valores arbitrável.

Não se pode olvidar também que o TST já se posicionou a respeito da possibilidade de arbitragem em contratos de trabalho de altos executivos, uma vez que esses não podem ser considerados em estado de vulnerabilidade ao empregador2. Nesse caso, não houve grande preocupação em relação à alegada indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Afinal, se a indisponibilidade de direito é um óbice para o trabalhador comum, deveria ser também para o alto executivo.

Posto isso, não se vislumbra motivos para questionar a celebração de um compromisso arbitral visando à definição dos valores devidos a título de verbas trabalhistas não pagas. Trata-se um procedimento absolutamente válido, uma vez que os argumentos levantados para obstar a arbitragem nessa relação ficam aparentemente superados.

Imaginem um empregado dispensado sem justa causa, que procura seu advogado para receber valores não pagos como horas extras, adicional de insalubridade, férias, 13º salário, inter alia. O advogado notifica o empregador da pretensão do ex-empregado, convidando-o para firmar um compromisso arbitral, nomeando um árbitro único de comum acordo, com os honorários e custas pagos pelo empregador, para definição do quantum devido.

Pode parecer um tanto utópico, mas não é. A bem da verdade, é cultural. Atualmente, os empregados ingressam na Justiça do Trabalho pleiteando quantias irreais. Quando alcançam um acordo em primeira audiência, um processo trabalhista leva aproximadamente 6 meses. Quando não se chega a um acordo, mais de 12 meses para a instrução e sentença. Considerando os recursos possíveis, uma reclamação trabalhista tem levado em média 5 anos para transitar em julgado.

Por outro lado, quando ajuizada reclamação trabalhista, o empregado tem deferida a assistência judiciária e não paga custas. O empregador é responsável por pagar os honorários para perícia de insalubridade e/ou de periculosidade, quando cabível. Portanto, muitas vezes, trata-se de um custo que o empregador já vai assumir no processo judicial.

Como se sabe, as verbas trabalhistas têm natureza alimentar. Para a maioria dos trabalhadores, litigar por 5 ou mais anos para receber esses direitos é devastador. Por outro lado, na maioria dos casos, os advogados trabalhistas que representam o empregado contratam honorários dependendo exclusivamente do sucesso no caso. Assim, trabalhar todo esse tempo sem ser remunerado é igualmente sacrificante para o profissional. Para ambos se exige uma busca por uma solução mais eficiente.

Nesse tocante, o tempo para o empregador é tão importante quanto para o empregado. O empregador, especialmente o empresário, tem um custo pelo tempo do processo, tanto com advogado, quanto com administração interna. Ao final desse longo período de processo, sabendo que a lei trabalhista atual é praticamente impossível de ser cumprida integralmente, o empregador acaba tendo um custo de transação elevadíssimo com o processo judicial.

Além disso, é desumano exigir de um magistrado que conduz em média 6.442 processos por ano3 (casos novos somados ao acervo), que tenha a atenção necessária com todos esses processos. Não é questão de o árbitro ser mais especializado que o juiz do Trabalho, como ocorre muitas vezes em demandas empresariais complexas, mas sim a possibilidade de um árbitro tão especialista quanto dedicar mais tempo para dar um julgamento mais adequado acerca do quantum devido.

Por fim, cumpre afastar também a ideia de que a arbitragem é necessariamente um método caro. Atualmente é verdade, mas não precisa ser. No exemplo dado acima, há tranquilamente a possibilidade de as partes estabelecerem uma arbitragem ad hoc, nomeando um árbitro único que ambas as partes concordem, e cujos honorários não se afastem do valor dos custos judiciais que o empregador incorreria. Afinal, o árbitro deve ser da confiança das partes. Apenas isso. Se as questões a serem apuradas são simples, não há porque o procedimento arbitral ser complexo e, consequentemente, caro.

Se tantos os empregadores como os advogados especialistas em Direito do Trabalho passarem a ver a arbitragem como um fator de eficiência, que reduz custos de transação, é possível que se crie uma cultura em torno da arbitragem para solução das discussões sobre o quantum de verbas trabalhistas restam devidas, em um momento pós-conflito.

Para isso se verificar, no entanto, será necessário também que se dê garantia às sentenças proferidas e aos acordos homologados pelos árbitros, nos termos da lei 9.307/96, para que haja segurança jurídica. E como se sabe, a Justiça do Trabalho tem sido bem seletiva em relação à parcela do ordenamento jurídico brasileiro que é por ela aplicada.

Pelo exposto, é nosso entendimento de que é possível a utilização da arbitragem nas relações de trabalho, em determinadas situações, a depender do estado dos contratantes e do objeto em disputa. Para que seja efetivamente mais e melhor utilizado nesse tocante, há uma necessidade de aprimoramento cultural e profissional, tantos dos empregadores quanto dos advogados que atuam na área e da própria Justiça do Trabalho, para que esse método se torne um método adequado também para solução de conflitos da relação de trabalho.

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1. Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
(...)
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

2. TRT-15ª R. – RO 01048-2004-032-15-00-0 – (09503/2006) – Rel. Juiz Flavio Nunes Campos – DOESP 03.03.2006. TST – RR 144300-80.2005.5.02.0040 – Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen – DJe 04.02.2011 – p. 1640.

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*Wilson L. Vollet Filho é sócio do escritório Vollet Filho, Alves Santos & Iegoroff Advogados.

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