"Onde quer que alguém esteja sendo flagelado há uma imagem de Cristo".
Tolstoi.
Iniciamos 2017 com a repetição dos noticiários de massacres e rebeliões em nossas penitenciárias. A gritante exacerbação da barbárie e os superlativos números de mortos, que deram lugar, inclusive, à criação de um antes impensável ranking da violência entre as penitenciárias do país, ofuscaram as reportagens sobre as crueldades cometidas em guerras de verdade no lado oriental do nosso mundo, inclusive as abomináveis ações de fanáticos islamitas.
Entretanto, a voracidade da mídia por fatos novos e a banalização do mal - na adequada expressão de Hannah Arendt -, estimulam o palrear das autoridades responsáveis pela política penitenciária. Cada uma deles persiste na irrefletida repetição, ainda que com outras palavras, de velhas e inócuas fómulas prescritas ainda na primeira metade do século passado: mais presidios e mais armamentos.
As opiniões sobre a justiça penal no Brasil e gravíssima questão da criminalidade, da qual a crise carcerária é uma das faces mais aparente, também partem para o confronto a exemplo das facções aprisionadas. A professora Ana Maria Shiavinato, doutora em sociologia, já externou parecer sobre a insegurança, a ineficácia e outros aspectos negativos do sistema prisional brasileiro, comparativamente ao sistema punitivo norte-americano, na condição de adepta incondicional da concepção carcerária daquele país; e destacou a criação das "Supermaxes" - prisões de segurança máxima - como o mais adequado modelo de estabelecimento a ser adotado para a execução penal em regime prisional.
No lado oposto ao modelo de encarceramento preconizado pelo país do norte, as autoridades brasileiras passaram a ver na flexibilização das penas uma prática positiva. Entre outros cientistas, alinha-se o penalista Sérgio Salomão Shecaira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, defensor do abrandamento das sentenças e aplicação das penas alternativas à prisão, argumentando, apenas como exemplo de transgressão a merecer tratamento diferencial: "não há como comparar a mulher que leva a droga para o marido na prisão, por exemplo, com um grande traficante".
No entanto, mesmo na aplicação de penas alternativas, tais como as de prestação de serviços à comunidade, de distribuição de cestas básicas, de uso de tornozeleiras eletrônicas, entre outras, não existe consenso. Outra corrente de estudiosos prevê a ineficácia do Estado brasileiro na fiscalização do efetivo cumprimento de tanta variedade de tais penas. Esta última constatação ganha configuração de fato diante do indiscutível testemunho dos números, que apontam para mais de 500.000 no país cumprindo penas alternativas, quantitativo mui próximo ao dos 650.000 que se acham encarcerados nos presídios.
Tal disparidade de concepções decorre da acentuada diversidade cultural entre nosso país e os Estados Unidos. Lá, a sociedade, muito mais justa na oferta de serviços e oportunidades sociais aos cidadãos, detém legitimidade suficiente para impor repressão severa às transgressões à lei e às violações à ordem social. A sociedade brasileira, ao contrário, perversamente desigual, injusta tanto quanto excludente, consciente da sua responsabilidade na geração dos fatores de marginalização social do indivíduo, adota atitude de benevolência legal como espécie de redentor mea-culpa.
Ligeira, quase superficial mesmo, esta análise tem fundamentos na inteligente e profunda dissertação sobre "culturas envergonhadas" e "culturas culpadas", da socióloga norte-americana Ruth Benedict, convicta da possibilidade de as massas humanas possuírem "sentimentos" de caráter individual.
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*Luis Augusto Guterres é conselheiro Federal da OAB/MA.