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Planejamento estratégico para escritórios de advocacia em 10 passos

Uma coisa interessante que temos notado ao longo de muitos anos de experiência é que todos os escritórios de advocacia têm praticamente a mesma missão. Qual é essa missão?

19/1/2017

Uma coisa interessante que temos notado ao longo de muitos anos de experiência é que todos os escritórios de advocacia têm praticamente a mesma missão (independentemente do seu tamanho ou da quantidade de profissionais). Qual é essa missão?

Prestar serviços com excelência, permitindo o crescimento profissional da equipe, de forma sustentável.

E aí, chegamos perto? Acredito que sim, uma vez que todos os escritórios de advocacia precisam atender esses 3 objetivos: 1) satisfação do cliente; 2) satisfação da equipe; e 3) sustentabilidade.

Se você é gestor de um escritório de advocacia, deve sentir na pele as dificuldades de atender esses objetivos, não é mesmo?

Mas não se preocupe. Nosso objetivo aqui é justamente lhe dar maiores elementos para conduzir essa jornada com maestria. Vamos lá?

COMO ESSES 3 OBJETIVOS INFLUENCIAM NA CONFIGURAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA?

Existe uma relação muito grande entre esses 3 objetivos: satisfação do cliente; satisfação da equipe; e sustentabilidade.

Por exemplo, para se ter sustentabilidade no negócio, é necessário que os clientes e a equipe estejam satisfeitos. Para que os clientes estejam satisfeitos, a equipe precisa fazer um bom trabalho. Para que a equipe faça um bom trabalho, o escritório precisa dar condições de crescimento profissional e remunerar adequadamente a equipe. Nada disso é possível se o escritório não conseguir cobrar honorários adequados, o que, por sua vez, só é possível se o cliente estiver satisfeito… Enfim, você entendeu onde queremos chegar.

É importante lembrar, no entanto, que existem diversos tipos de clientes (com expectativas e necessidades distintas), ao mesmo tempo que existem diversos tipos de profissionais no mercado. Por isso também é de se esperar que existam diversas formatações possíveis para um escritório de advocacia. A classificação mais usual é a seguinte: 1) escritórios butique; 2) escritórios estruturados; e 3) escritórios de massa.

Note que essa classificação não tem nada a ver com o tamanho do escritório ou com a área de atuação, mas sim com o nível dos profissionais envolvidos em cada caso assumido pelo escritório.

Podemos classificar o nível dos profissionais entre: 1) "sênior"; 2) "middle"; e 3) "júnior". O nome que damos a esta distribuição dos níveis profissionais dentro de um escritório de advocacia é "alavancagem". Você já tinha ouvido falar nisso?

Por exemplo, um escritório butique terá um alto nível de envolvimento de profissionais "sênior" em cada trabalho assumido, ao passo que na advocacia de massa é ao contrário, os profissionais "júnior" farão a maior parte do trabalho, com pouca (ou nenhuma) supervisão de profissionais "sênior". Já o tipo de escritório estruturado possui um equilíbrio na distribuição técnica da equipe, alocando os profissionais adequados de acordo com as necessidades de cada trabalho.

Enfim… O que é melhor? Ser um escritório butique, estruturado ou de massa?

Bom… Isso depende dos seus objetivos. O nosso propósito aqui é justamente tentar ajudá-lo a entender como funciona essa dinâmica do ponto de vista estratégico para que você possa gerenciar a alavancagem a seu favor.

POR QUE O INDICADOR DE ALAVANCAGEM É TÃO IMPORTANTE?

Apenas retomando o conceito, a alavancagem é um indicador do número de profissionais "júnior" para cada profissional "middle" e, por sua vez, para cada profissional "sênior" dentro do escritório.

Esse indicador é extremamente importante porque é ele que ditará o nível de qualidade da sua entrega; a motivação e o desenvolvimento da equipe; a percepção do cliente sobre a sua empresa; o valor dos honorários; e a rentabilidade do seu negócio. Ou seja, tudo!

COMO ISSO AFETA A MOTIVAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA EQUIPE?

Quando um advogado entra em um escritório, ele não busca apenas um emprego, mas sim uma carreira. Dessa forma, ainda que ele não tenha expressado isso verbalmente, ele terá grandes expectativas em relação à evolução profissional dele na empresa e é sua responsabilidade gerenciar essa expectativa.

Quando o escritório assume uma grande carga de trabalho "procedimental" e a equipe é "overqualified" para o serviço, a equipe tende a ficar desmotivada por falta de oportunidade de desenvolvimento intelectual. Por outro lado, se o trabalho for demasiadamente complexo para o nível técnico da equipe, eles se sentirão perdidos e sem um suporte adequado, o que pode comprometer a qualidade do serviço entregue ao cliente.

Ou seja, é necessário que a alta gestão do escritório esteja atenta à distribuição dos trabalhos dentro do escritório, assegurando que cada membro da equipe esteja fazendo exatamente o trabalho que deveria estar fazendo.

Um problema crônico em praticamente todas as organizações é o que chamamos de "systemic underdelegation". Isso ocorre quando os membros da equipe assumem sistematicamente tarefas que deveriam ser realizadas por uma pessoa mais júnior, de tal forma que isso afeta todos os níveis hierárquicos do escritório.

Quer fazer um teste se a sua empresa sofre de "systemic underdelegation"? Envie um formulário anônimo para 100% dos membros da equipe com apenas 1 pergunta: "Qual o percentual do seu tempo que é aplicado em atividades que poderiam ser realizadas por uma pessoa mais júnior com treinamento adequado?"

Tenho certeza que se você fizer esta pesquisa no seu escritório a média das respostas indicará um percentual maior do que 20%. E note que não estamos falando ainda nem das atividades que são passíveis de automação.

COMO A ALAVANCAGEM AFETA A RENTABILIDADE DO ESCRITÓRIO?

Vamos supor que determinado cliente contrate um trabalho do seu escritório por um honorário fixo. Certamente ele iria preferir que o trabalho fosse realizado pela equipe mais sênior possível. Em contrapartida, para garantir a máxima rentabilidade, o escritório deveria realizar o trabalho com a equipe mais júnior possível (logicamente dentro dos padrões esperados de qualidade).

Como resolvemos esse impasse?

Resposta: Gerenciando a alavancagem!

Lembra que logo no início falávamos que a estrutura do escritório depende dos seus objetivos? Então, quando um escritório é muito novo e ainda não tem um fluxo de trabalho constante, fica um pouco difícil prever ou estruturar uma equipe com o indicador de alavancagem adequado, mas quando o escritório vai consolidando o seu posicionamento estratégico, a previsibilidade dos trabalhos facilita a formatação da equipe dentro do indicador de alavancagem adequado.

E QUAL O INDICADOR DE ALAVANCAGEM ADEQUADO?

Primeiro, deve-se levar em consideração o volume e a complexidade dos trabalhos assumidos pelo escritório. Neste contexto, a equipe deve ser montada de forma a aproveitar ao máximo a alavancagem do escritório. Assim você também estará maximizando a rentabilidade do escritório.

Por exemplo, vamos supor que o seu escritório atue de forma abrangente na área de direito empresarial para pequenas e médias empresas. Neste caso, se a equipe for demasiadamente sênior, os honorários poderão ficar muito caros para o público alvo. Digamos então que faça sentido ter 2 profissionais júnior para cada profissional middle e 3 profissionais middle para cada profissional sênior. Neste caso, a alavancagem seria de 2:3:1.

Note que com esta estrutura o seu escritório estaria otimizado para atuar dentro do posicionamento estratégico pretendido

Agora, para complicar um pouco, digamos que o seu escritório assuma pontualmente uma demanda grande de trabalhos "procedimentais", cuja alavancagem poderia ser de 4:2:1, ou seja, 4 profissionais júnior para cada middle e 2 profissionais middle para cada sênior. Neste cenário, a equipe júnior provavelmente não daria conta sozinha do trabalho, sendo necessário o envolvimento de profissionais middle e sênior, comprometendo a rentabilidade desse trabalho. Ou seja, esse escritório não será competitivo em termos de honorários/rentabilidade em relação a outro escritório que esteja formatado com alavancagem de 4:2:1.

Terminada esta demanda pontual, digamos que surjam novos trabalhos com um alto grau de complexidade, cuja alavancagem ideal seria de 0:1:1. Neste cenário, os profissionais sêniores ficarão sobrecarregados, comprometendo outros trabalhos do escritório e criando gargalos nos processos.

Acho que já deu para ilustrar o ponto, correto?

Por isso, não existe certo ou errado quando falamos do indicador de alavancagem, mas sim aqueles escritórios que gerenciam (ou que não gerenciam) esse indicador de forma ativa.

QUANDO DEVO PROMOVER UM MEMBRO DA EQUIPE?

O plano de carreira dentro do escritório de advocacia deve ser transparente o suficiente para que cada membro da equipe saiba o que ele precisa fazer para progredir na carreira. O escritório também deve dar feedbacks constantes para que o colaborador tenha a oportunidade de trabalhar nos pontos a serem desenvolvidos e maximizar o seu potencial.

Acredite, nem todos sabem o que precisam fazer para crescer profissionalmente. Se soubessem, provavelmente já o teriam feito e seriam o seu chefe neste exato momento. Brincadeiras à parte, a gestão de pessoas dentro de qualquer escritório de advocacia deve ser a prioridade número 1 dos gestores.

O tema "promoção" dentro do ambiente de um escritório de advocacia é complexo e não pretendemos definir os critérios para a sua concessão, mas sim delinear a dinâmica das promoções em uma empresa que gerencia o indicador de alavancagem.

Vamos retomar o exemplo do escritório que possui alavancagem de 2:3:1. É nítido que qualquer promoção dentro dessa estrutura iria mexer nesse indicador, correto? Por exemplo, se você promover um profissional middle para sênior, a base da pirâmide deveria crescer exponencialmente para se manter o mesmo indicador de alavancagem.

Para demonstrar um caso prático, digamos que um determinado escritório tenha 2 sócios (sênior), 6 advogados (middle) e 12 assistentes/estagiários (júnior), ou seja, é um escritório com 20 profissionais no total.

Se este escritório promover um dos advogados a sócio, para se manter o mesmo indicador de alavancagem, o escritório ficaria com 3 sócios, 9 advogados e 18 assistentes/estagiários, ou seja, 30 colaboradores. Note que a promoção de apenas 1 pessoa ensejaria um aumento de 50% da equipe como um todo!

MAS E AGORA? TEM SOLUÇÃO PARA ISSO?

Sim.

Uma das alternativas é crescer. É isso mesmo. Para se implantar uma política de meritocracia (promoção com base na performance do profissional), é necessário ter uma política agressiva de crescimento. Essa é a filosofia adotada, por exemplo, pelo Jorge Paulo Lemann desde a época do Banco Garantia (atualmente perpetuada no 3G Capital). Neste modelo de negócios, o pensamento é o seguinte: se o crescimento orgânico da empresa é muito lento para acomodar a política da meritocracia, é necessário comprar mais empresas. Afrouxar a política de meritocracia não é uma opção.

Mas é possível implantar a política de meritocracia sem um crescimento tão agressivo?

Sim, e é isso que as empresas de auditoria e consultoria fazem. O truque está no turnonver. Se a empresa não cresce a passos tão rápidos, para implantar uma política de meritocracia é necessário usar a estratégia chamada "up or out", ou seja, "suba ou saia". Nesta estratégia, quem tiver uma boa performance progride na carreira e se a pessoa que está acima não se "mexer", este deve sair da empresa para abrir espaço para quem vem de baixo

Essa estratégia pode criar um clima interno agressivo, mas garante que a empresa continue em movimento constante, eliminando as pessoas mais "fracas" e favorecendo as pessoas mais "fortes". É a seleção natural atuando no ambiente corporativo.

Existe uma terceira opção que é a estagnação, ou seja, não promover ninguém (ou promover somente quando for estritamente necessário). Essa é uma alternativa utilizada pelos pequenos escritórios onde não há espaço para crescimento. O grande problema dessa alternativa é óbvia – o escritório não conseguirá atrair e reter os melhores profissionais do mercado, o que provavelmente culminará na estagnação do escritório.

E AGORA, QUAIS SÃO OS PRÓXIMOS PASSOS?

Montamos um passo-a-passo para ajudar no planejamento estratégico do seu escritório.

Veja como flutuou o indicador de alavancagem trimestral do seu escritório nos últimos 3 anos e verifique se essa flutuação faz sentido em relação ao posicionamento estratégico do seu escritório;

Verifique se é necessário alterar o indicador de alavancagem do seu escritório e comece a trabalhar nisso imediatamente. A mudança do indicador de alavancagem é um processo que demora um certo tempo para produzir resultados;

Faça uma pesquisa de satisfação com os clientes, procurando atingir no mínimo 75% de retorno das respostas;

Monitore as atividades desempenhadas pelos membros da equipe e aproveite para documentar o que chamamos de "Descrição Funcional" (lista de atividades que cada Função deveria estar desempenhando dentro do escritório). Isso facilitará na integração de novos colaboradores e na avaliação de desempenho da equipe;

Monitore as atividades de todos os sócios, certificando-se de que todos estão engajados em atividades cruciais do negócio, incluindo: assuntos administrativos e financeiros; assuntos técnicos; prospecção e vendas; relacionamento com o cliente e gestão de pessoas;

Verifique se a sua empresa não está sofrendo de "systemic underdelegation' e, se estiver, corrija;

Monitore o custo "homem/hora" por cliente e por caso. Somente assim será possível analisar e melhorar a rentabilidade do escritório;

Automatize todos os processos que forem passíveis de automatização, garantindo maior rapidez e precisão dessas atividades. Isso também gerará maior disponibilidade da equipe, permitindo o seu escritório crescer;

Implante um Sistema de Gestão da Qualidade no seu escritório (por exemplo, ISO 9001). Isso permitirá controlar de perto os processos críticos do escritório, identificando gargalos, pessoas ociosas, erros nos processos, oportunidades de melhoria, etc.;

Realize um benchmark das suas práticas de gestão com outros colegas.

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*Milton Ozai é sócio da Ozai Contábil.

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