1. INTRODUÇÃO
O objetivo desse breve artigo é o de analisar a eficácia das decisões do árbitro, perante o registro de imóveis, sem que seja necessária a intervenção do Poder Judiciário. Faremos isso com base na lei 6.015/73 (LRP) e na lei 9.307/96 (LA).
Antes de iniciarmos, porém, cumpre-nos advertir o leitor de que é preciso ler o "velho" com os olhares do "novo", sob pena de se retirar toda a eficiência que esse ou aquele instituto poderiam ter.
2. O INÍCIO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL
A convenção de arbitragem é gênero, do qual são espécies, a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. Enquanto a cláusula compromissória é inserida em um contrato para o caso de um conflito vir a surgir no futuro, o compromisso arbitral é pactuado após o aparecimento do problema. Em ambas as espécies, é certo que as partes contratantes ficam obrigadas a resolverem a contenda por meio de arbitragem, salvo, claro, se ocorrer o distrato. A convenção de arbitragem, em princípio, deverá ser escrita, podendo estar em documento apartado do contrato, desde que fique clara a intenção de as partes desejarem submeter o litígio (futuro ou já existente) à arbitragem. Uma troca de e-mails, entre os representantes legais das partes, v.g., poderá servir de prova no que tange à existência de convenção de arbitragem.
Para que a pessoa que não está acostumada com o dia a dia da arbitragem possa entender melhor o passo a passo inicial, explicaremos abaixo. O procedimento, por certo, variará, pois cada câmara de arbitragem tem o seu regulamento próprio, contudo, não há grandes variações no tocante a essas regras mais elementares.
Primeiramente, surgindo um desentendimento entre duas partes contratantes, e existindo convenção de arbitragem, deve o interessado se dirigir à instituição de arbitragem responsável por administrar o feito, cujo nome já deve, provavelmente, constar da convenção arbitral, e requerer a instauração de um procedimento arbitral. A parte contrária será cientificada disso. O próximo passo é a nomeação de árbitro único ou de tribunal arbitral. Após a nomeação do árbitro, bem como do pagamento das despesas procedimentais, será marcada audiência para a assinatura de dois documentos, quais sejam, o termo de início de procedimento e o termo de arbitragem (também denominado de termo de referência ou de ata de missão). Nesse documento constarão os nomes e qualificação das partes e do árbitro, o objeto da arbitragem, particularidades do procedimento aplicável, o idioma utilizado, a lei aplicável, os valores das despesas já efetuados, dentre outros. Já no termo de início de procedimento constará o nome das partes e de seus advogados, lembrando que a presença do advogado na arbitragem é facultativa. Incluir-se-á, ainda, o nome do árbitro e um breve resumo do que ocorreu até a data da audiência. Ambos os documentos, repita-se, deverão ser assinados pelas partes e seus advogados (se existirem), pelo árbitro e pelo secretário de procedimento do órgão arbitral.
Uma informação que pode ser de interesse é a de que a competência para decidir, em primeiro lugar (mas, não, exclusivamente), sobre a existência, a validade, a eficácia e os limites da convenção de arbitragem, é do árbitro, e, não, do Poder Judiciário, salvo nas hipóteses de nulidade prima facie, conforme entendimento quase unânime da doutrina e da jurisprudência. Sendo assim, se o procedimento arbitral iniciou-se é porque o árbitro foi nomeado e a convenção arbitral, pelo menos até aquele momento, é válida.
3. DA NATUREZA DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO ÁRBITRO
No dia 25/11/2016, enquanto proferíamos palestra no II Encontro Estadual do CORI-MG, fomos perguntados sobre a natureza das decisões proferidas pelo árbitro, isto é, se seriam documentos públicos ou particulares. A justificativa do questionamento, segundo o participante do evento, foi porque ele somente poderia registrar e averbar, junto ao registro do imóvel, documentos públicos. A nosso ver, apesar de inexistir qualquer resposta pronta para isso na lei, na doutrina e na jurisprudência, temos que se trata de documento público. Por quê?
Primeiro porque o árbitro, conforme o art. 18 da LA, é equiparado a juiz de fato e de direito: "O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário".
Segundo porque a sentença arbitral é equiparada à sentença judicial, sendo ambas títulos executivos judiciais. É o que se extrai do art. 31 da LA: "A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo". Na verdade, mesmo que não seja de natureza condenatória, constitui título executivo. A uma porque é o que está escrito no art. 515, VII, do novo Código de Processo Civil (CPC). E, a duas, porque mesmo a sentença judicial não precisa ser de natureza condenatória para que seja considerada título executivo judicial, ex vi do disposto no art. 515, I, do novo CPC. Isso, aliás, sequer é novidade, uma vez que essa alteração se deu, pela primeira vez, no ano de 2005, quando a lei 11.232 revogou o art. 584, I, do CPC/73 e lhe deu nova roupagem, igual à de agora, só que no art. 475-N, I.
Terceiro porque o art. 17 da LA dispõe que "os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal". É claro que, por causa da restrição contida na parte final do dispositivo em questão, alguém poderia arguir que o árbitro somente seria equiparado a funcionário público para os fins da legislação penal, ou seja, quanto ao restante, seria um ente privado e, por conseguinte, suas decisões teriam apenas natureza de documentos particulares. Evidentemente que essa premissa parece bastante lógica, todavia, diante do contexto da LA, parece-nos que o que o legislador quis foi estabelecer mais uma equiparação do árbitro, ente particular por excelência, ao funcionário público. Em outras palavras, já que está tão claro que o árbitro é equiparado ao funcionário público enquanto prestador de serviço de natureza jurisdicional, tanto é que foi equiparado a juiz de fato e de direito (art. 18 da LA) e a sua sentença é título executivo judicial (art. 31 da LA), quis o legislador deixar claro, até porque o direito penal assim o exige, que ele, particular que é, poderá responder pelos crimes típicos de quem é funcionário público, desde que seja praticado enquanto no exercício da atividade de árbitro.
Quarto porque, como bem pontificou o jurista Moacyr Amaral Santos, o documento será público "quando o seu autor os forma no exercício de uma atividade pública" (Prova judiciária no cível e no comercial. v. IV. 4ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1972, n. 30, p. 61). In casu, não obstante a arbitragem ser considerada uma jurisdição privada, tem-se que o árbitro exerce uma atividade pública.Prova maior disso é o disposto nos arts. 17, 18 e 31 da LA.
Desse modo, nos parece bastante certo que as decisões proferidas pelo árbitro, sejam elas sentenças, sentenças parciais ou ordens processuais, possuem natureza de documentos públicos para os fins da legislação civil.
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*Leonardo de Faria Beraldo é advogado e especialista em Processo Civil. Mestre em Direito Privado pela PUC Minas e Membro do Conselho Deliberativo da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil - CAMARB.