"Acidente fatal – quando provoca a morte do trabalhador”
NR 18-39
Se o Ministério do Trabalho e Emprego está empenhado seguir adiante com a reforma trabalhista, proponho que inclua, entre os itens da pauta, as NR - Normas Regulamentadoras que tratam de Segurança e Medicina do Trabalho.
Não se contesta o direito do empregado prestar serviços em ambiente salubre e protegido contra acidentes. A Constituição cuida do assunto no art. 7º, XXII e XXIII, e a CLT no Título II, Capítulo V: “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”.
Diz o art. 200 da CLT que compete ao Ministério do Trabalho “estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre...”. Seguem-se 8 incisos, o primeiro dos quais dispõe sobre “medidas de prevenção de acidentes e equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição e reparos”, o último sobre “emprego das cores nos locais de trabalho, inclusive as sinalizações de perigo”. A edição de Norma Regulamentadora se faz mediante portaria elaborada em ambiente fechado, sem a participação de empresas e trabalhadores.
O PCMOSO - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, objeto da NR 7, exige exame médico na admissão, demissão, periódico, de retorno, e de mudança de função do empregado. Trata-se de imposição meramente formal, eis que o documento pode ser adquirido em consultórios particulares, após rápido contato visual com o médico. Com fundamento nas NR 7 e 9, esta última referente ao PPRA - Programa de Riscos Ambientais, terceirizam-se serviços de inspeção, mediante abusiva cobrança de atestado e de laudo pericial.
Exemplo de Norma Regulamentadora prolixa é a de número 12, que dispõe sobre Máquinas e Equipamentos. São 88 folhas, das quais 13 trazem o glossário, palavra que, segundo os dicionários significa livro ou vocabulário em que se dá a explicação de palavras obscuras ou desusadas ou dicionário de termos técnicos de uma arte ou ciência. Recolhi aleatoriamente estas definições: “Colhedora de café: equipamento agrícola automotriz que efetua a ‘derriça’ e colheita de café’; “Lanterna traseira de posição: dispositivo designado para emitir um sinal de luz para indicar a presença de uma máquina”; “Máquina ou equipamento manual; máquina ou equipamento portátil guiado à mão”.
Digna de destaque é a NR 17 – Ergonomia, cujo item 17.5.2 refere-se aos locais de trabalho que imponham atenção constante, como escritórios, laboratórios, salas de controle. O Ministério do Trabalho e Emprego prescreve, como condições de conforto: 1) níveis de ruído de acordo com o estabelecido na NBR 10152, norma brasileira registrada no INMETRO; 2) índice de temperatura efetiva entre 20ºC e 23ºC; 3) velocidade do ar não superior a 0,75m/s; 4) umidade relativa do ar não inferior a 40 por cento.
Exemplo, ainda, de superabundância é a NR 18 – Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção. O glossário define acidente fatal “quando provoca a morte” e ferramenta como “utensílio empregado pelo trabalhador para realização de tarefas”.
A NR 28 – Fiscalização e Penalidades fixa regras de procedimento para Agentes da Inspeção do Trabalho na lavratura de auto de infração e valor das multas, fundamentada em decretos, na Lei nº 7.855/89, e na própria Norma Regulamentadora. Cuidadosa análise das NRs revela que tudo tem sido feito à revelia do princípio da legalidade, inscrito no art. 5º, II, da Constituição, mercê do qual “ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Os artigos 200 e 201 da Consolidação conservam a redação que lhes foi dada pela Lei nº 6.514, de 22/12/1977, aprovada sob a Constituição de 1967 (Emenda nº 1/69). A Carta de 67 vedava aos Poderes da União, independentes e harmônicos, delegar atribuições. Dizia o art. 6º: “Quem for investido na função de um deles, não poderá exercer a do outro”. Não obstante, o art. 200 da CLT delega competência ao Ministério do Trabalho para legislar mediante portarias.
Assim surgiram as Normas Regulamentadoras, minuciosas, prolixas e rígidas, cuja inobservância acarretará pesadas sanções pecuniárias. Se a distância entre o local de trabalho e a instalação sanitária for de 160 metros, e não de 150 como ordena a NR 18.4.2.3, f, o empregador pagará multa a critério do Auditor Fiscal do Trabalho. Poderá ser autuado quem fornecer transporte coletivo a empregados, se os assentos dos veículos não forem confeccionados com “espuma revestida de 0,45m de largura, por 0,35 de profundidade, e 0,45 m de altura, com encosto e cinto de segurança de três pontos”, e não houver “barra de apoio para mãos a 0,10m da cobertura e para os braços e mãos entre os assentos” (NR 18.25.5). Veja-se, agora, o item 24.1.24.1 da NR 24: “Serão previstos 60 litros diários de água por trabalhador para consumo nas instalações sanitárias”. Pouco importa se o ano é seco, chuvoso, ou se a empresa está localizada no agreste nordestino; a exigência da NR deve ser respeitada.
Somos todos favoráveis à proteção dos trabalhadores contra doenças e acidentes, à preservação da salubridade, à utilização de ferramentas e máquinas dotadas de equipamentos que evitem infortúnios. Ninguém, entretanto, pode ser compelido por portaria ministerial a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sob pena de quebra do princípio da legalidade. As Normas Regulamentadoras encerram, ao lado de determinações saudáveis, outras de execução impossível, ou que abrem ampla brecha para interpretações subjetivas, de acordo com o perfil ideológico do Auditor Fiscal.
Nesta fase de reformas, cabe ao Ministério do Trabalho a tarefa de separar o joio do trigo.
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