Migalhas de Peso

Os antigos costumavam chamar o dia 1º de Janeiro de Primeiro de Ano. Ao ver pelo dia 1º, sabemos a que 2017 veio: violência

Todos esperavam 2017 com euforia. Não à toa, 2016 foi um ano que o mundo viu exaltação de torturadores, proliferação de discursos de ódio e toda sorte de maldades.

13/1/2017

Todos esperavam 2017 com euforia. Não à toa, 2016 foi um ano que o mundo viu exaltação de torturadores, proliferação de discursos de ódio e toda sorte de maldades amplificadas pelas mídias sociais. Mesmo com mensagens de paz, saúde, amor, harmonia e esperança, as primeiras horas do ano trouxeram a personificação de tudo que havia sido dito da maneira mais cruel possível: uma chacina com 12 mortos de uma mesma família, inclusive uma criança de oito anos.

A imprensa americana recusa-se a proferir o nome do assassino de John Lennon já que a motivação do crime foi tornar o assassino famoso. Seguirei o exemplo e não falarei também o nome do responsável por esta tragédia anunciada que teve Campinas/SP como palco.

Cabe à imprensa informar. O que é notícia é o que é novo, relevante. Nas faculdades de jornalismo, aprendemos o fait-divers, o fato diverso em tradução literal do francês. "Se um cachorro morder um homem não é notícia. Mas se um homem morder um cachorro, isso é notícia!", é ensinado logo no primeiro ano.

E a lição deste Primeiro de Ano é que não aprendemos nada no ano passado. Fomos reprovados em matéria de tolerância, e, sobretudo, justiça. Em 2016, a lei Maria da Penha completou uma década. Ao publicar as cartas do assassino suicida, a imprensa chancela a falta de eficácia do dispositivo 8º, do ensino, da formação e capacitação sobre gênero.

Não há a menor necessidade de se publicar esta carta. Não traz qualquer relevância à cobertura do caso, que deveria ter outras perguntas respondidas no momento, inclusive pelos operadores do Direito que acompanhavam a família. A cada compartilhamento, a carta ganha mais visibilidade e, já ensinou Joseph Goebbels, uma mentira dita mil vezes torna-se verdade.

As mentiras ali não são novidades para ninguém. Mostram que realmente há uma grande parcela da população que acredita que o crime compensa, que o auxílio-reclusão é para todos os encarcerados, que o feminismo e a lei Maria da Penha protegem mulheres que não merecem ser protegidas.

Se é que pode-se aprender alguma coisa neste Primeiro de Ano é que a educação em direitos humanos é urgente. Os direitos básicos, a CF devem ser ensinados, compartilhados, comunicados em massa para combater estas inverdades que se alastram como ervas daninhas na sociedade brasileira.

Os operadores de Direito, para minha surpresa, compartilham este conteúdo. Mesmo postando seu repúdio, compactuam com a mentira de que a justiça é injusta. Não é. Mais do que nunca, é o momento para aqueles que possuem o mínimo de conhecimento de Direito dividam o que sabem para estancar esta grande desgraça que é a desinformação. Na carta que não merece ser reproduzida nem em trechos, há os argumentos que qualquer um que estudou Direito Tributário sabe ser uma grande loucura, como o equivalente a cinco meses de salário ser o que pagamos de impostos.

Sim, estamos vendo e vivendo o que Hannah Arendt classificou de "banalidade do mal". Não apenas no crime em si e sim na repercussão que ele tem. Em ver as palavras do assassino suicida serem usadas em títulos caça-cliques, em grupos de Whatsapp. A mídia é sim culpada, mas cada um de nós que assiste em silêncio esta barbaridade na sua linha do tempo, no supermercado e nas festas de família também é. Não estamos em Jerusalém, mas deixamos Eichmanns sem julgamento livres, leves e soltos por aí quando corroboramos com a falta de informação. Quando aceitamos a publicação destas insanidades sobre a justiça, a política e os políticos.

Se fosse para haver um julgamento, certamente que a mídia estaria no banco dos réus e não seria absolvida. Nem as pessoas públicas propagadoras de ódio. E nem mesmos nós, que não dizemos nada.

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*Ivy Farias, 35 anos, é jornalista e estudante de Direito do Campus UMC Villa-Lobos/Lapa.

 

 

 

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