Um assunto que vem gerando discussão entre os profissionais do direito que atuam na arbitragem diz respeito à necessidade, ou não, de o árbitro observar o precedente judicial ao proferir a sentença arbitral, e as consequências daí advindas.
A polêmica instalou-se em razão do disposto no art. 489, §1º, VI, do NCPC (em vigor desde março de 2016), segundo o qual não se considera fundamentada a decisão judicial que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento".
Diante desse novo dispositivo, instalou-se o debate: considerando que a lei de arbitragem, em seu art. 32, III, prevê que é nula a sentença arbitral se não contiver os requisitos do art. 26 (dentre os quais a fundamentação), estariam os árbitros, assim como o juiz estatal, obrigados a observar o precedente judicial invocado pela parte, sob pena de nulidade da sentença arbitral?
Alguns defendem que sim por entenderem que, escolhido o direito brasileiro para reger a arbitragem, o árbitro, assim como o juiz estatal, não poderia deixar de observar a norma jurídica geral extraída do precedente, devendo observá-la no julgamento do caso concreto, ou afastar expressamente a sua incidência, com fundamentação específica, valendo-se, por exemplo, das técnicas de confronto e superação de precedentes (como distinguishing, overruling e overriding), muito utilizada nos países que adotam o sistema do commom law.
Para os que sustentam essa tese, não faria sentido admitir que apenas o juiz estatal devesse observar o precedente, enquanto o árbitro estaria livre para afastar a sua aplicação, sob pena de violação ao princípio da isonomia. Em decorrência, a sentença arbitral que não observasse o precedente, ou não contivesse a justificativa de que a súmula ou o julgado paradigma invocado pela parte estaria superado ou não se aplicaria à hipótese concreta, estaria viciada por falta de fundamentação e, portanto, passível de controle pelo Poder Judiciário, por meio da ação anulatória.
No entanto, muitos discordam dessa conclusão, embora reconheçam a importância da fundamentação suficiente e adequada das decisões arbitrais. Os defensores desse entendimento ponderam que o art. 489, §1º, VI, do novo CPC, apenas consagra o dever de motivação das decisões judiciais, visto que os julgados com base no CPC/73 mostraram, não raras as vezes, decisões completamente desprovidas de fundamentação alinhada ao caso concreto. Ainda que as partes ajustem expressamente que as regras do CPC se aplicam subsidiariamente ao procedimento arbitral, a extensão da interpretação do art. 489 do novo CPC deveria ser restrita ao que se buscou com a norma, não podendo, portanto, ser ampliada para abarcar a possibilidade de se anular a sentença arbitral com base em fundamentação insuficiente.
Esse é o ponto central da divergência e de suma relevância, pois um dos objetivos primordiais da lei de arbitragem foi exatamente o de evitar a revisão judicial do mérito da decisão arbitral. Houve uma preocupação de se conferir efetividade e segurança jurídica às decisões arbitrais, requisitos que se mostraram essenciais para o desenvolvimento e estímulo à adoção desse mecanismo privado de solução de controvérsias.
Nesse contexto, não há, na lei de arbitragem, previsão de ação anulatória para os casos em que o árbitro profere decisão com violação a dispositivo literal de lei, como ocorre com a decisão judicial transitada em julgado, que admite a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, abrindo oportunidade para rediscussão sobre o mérito da decisão.
E se a lei de arbitragem não prevê a possibilidade de revisão/anulação das decisões proferidas com violação de dispositivo literal da lei, com muito mais razão não poderia se admitir que sentenças arbitrais proferidas sem observar o precedente estariam sujeitas à anulação judicial. Embora o precedente judicial tenha assumido singular importância no novo CPC, como fonte do direito não está acima da lei, de modo que não seria lógico nem razoável tutelar a inobservância de um precedente judicial de modo mais drástico, com toda essa amplitude. Além disso, há que se ter em mente que não existe a possibilidade de se questionar, em juízo, o error in iudicando do árbitro, pois essa hipótese escapa aos estreitos limites previstos no art. 32 da lei de arbitragem, que ensejam a ação anulatória.
O tema ainda é polêmico e demanda reflexão, pois os efeitos decorrentes da conclusão de que a sentença do árbitro deve observar o precedente ou justificar o seu afastamento no caso concreto, sob pena de nulidade, acabaria por abrir caminho a uma vasta possibilidade de questionamentos às sentenças arbitrais, gerando grande insegurança jurídica, o que acabaria por desestimular o uso do instituto da arbitragem como meio de solução de conflitos.
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