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Possibilidades de remoção de conteúdo na internet, sem a necessidade de intervenção do Judiciário

Nesse cenário exigir ordem judicial para remoção de um conteúdo ilícito da internet, pode acarretar a excessiva propagação na rede mundial de computadores, causando danos irreparáveis à sociedade.

2/1/2017

O avanço da internet propiciou um ambiente em que os usuários deixaram de ser apenas receptores de informação, para também se tornarem protagonistas e compartilhar conteúdo em plataformas como blogs, vlogs, mídias sociais, dentre outros.

Se por um lado, estas características próprias da sociedade da informação podem acarretar avanços extraordinários ao exercício pleno do direito à liberdade de expressão, por outro, podem causar prejuízos imensuráveis à vida dos usuários envolvidos.

Isto porque, a internet é um ambiente dinâmico, que dificulta a seleção prévia de seu conteúdo, ficando a cargo de seus usuários a reflexão sobre os possíveis efeitos positivos e negativos do material publicado, compartilhado ou simplesmente "curtido" no ambiente virtual.

Nesse cenário, é possível atribuir responsabilidade aos provedores de aplicação/hospedagem1, por conteúdo ilícito publicado por terceiros em sua plataforma? Ainda, há dever de removê-lo da rede, para impedir a propagação do conteúdo na internet?

Embora a resposta pareça simples, referido debate ganhou ampla proporção, principalmente com o advento do Marco Civil da Internet (lei 12.965/14), norma que regulamenta o uso da internet no Brasil e as respectivas relações estabelecidas entre os usuários e provedores de serviços (aplicação e conexão), vigente deste 23 de junho de 2014.

Antes da promulgação do Marco Civil da Internet, o posicionamento consolidado pelo STJ, considerava dever do provedor de aplicação a remoção do ar do ilícito hospedado em sua plataforma, no prazo de vinte e quatro horas, mediante notificação extrajudicial.2

Significa dizer, bastava o usuário encaminhar uma denúncia extrajudicial ao provedor de aplicação, para que este tivesse o dever de remover o conteúdo ilícito do ar, sem a obrigatoriedade do usuário recorrer ao Poder Judiciário, sob pena do provedor ser responsabilizado pelos danos gerados por seus usuários.

Com a promulgação do Marco Civil da Internet, restou estabelecido em seu artigo 193, que o provedor de aplicação somente será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Entretanto, se de um lado temos um sistema processual engessado em um formalismo exacerbado, que o torna lento e custoso, por outro a internet consiste no oposto, por ser ágil e de fácil acesso.

Nesse cenário exigir ordem judicial para remoção de um conteúdo ilícito da internet, pode acarretar a excessiva propagação na rede mundial de computadores, causando danos irreparáveis à sociedade.

O Marco Civil da Internet, tratou em específico a obrigação de remoção mediante notificação extrajudicial do conteúdo ilícito na internet, nos casos de violação de intimidade por divulgação de cenas de nudez e atos sexuais, conhecidos como "vingança pornô". Nesse caso, se o provedor não remover o conteúdo ilícito da internet, responderá por eventuais danos, de forma subsidiária.4

Sustenta que a necessidade de ordem judicial para obrigar o provedor de aplicação a remover conteúdo ilícito da internet para resguardar o direito à liberdade de expressão, pode pôr em cheque os princípios direitos à honra, privacidade, dentre outros, igualmente garantidos em nossa CF.

De fato, referido entendimento contraria os princípios consumeristas, em especial a responsabilização objetiva dos fornecedores prevista no artigo 14 do CDC5 e o correlato dever de indenizar previsto no artigo 186 do CC6 c/c artigo 6º, inciso VII do CDC7 .

Ainda, referida interpretação também pode contrariar o sistema de responsabilização do CC, expresso no artigo 942, que prevê a responsabilidade solidária em caso de ilícitos extracontratuais.

Fato é que o artigo 19 do Marco Civil da Internet, desestimula os provedores de aplicação a gerenciarem o conteúdo publicado por terceiros, vez que somente serão responsabilizados no descumprimento de ordem judicial, sobrecarregando o Poder Judiciário, por acarretar o aumento do número de ações judiciais.

Em nosso entendimento não há óbice legal para regra o provedor de aplicação, na qualidade de fornecedor, remover do ar extrajudicial conteúdo ilícito, principalmente os casos em que há infração das regras consignadas em seus termos de uso.

O ideal é a disponibilização de canal pelos provedores de aplicação, em sua própria plataforma, para que os usuários realizem denúncias extrajudiciais de eventual conteúdo ilícito publicado por terceiro que esteja sob sua responsabilidade, facilitando a comunicação das vítimas.

Desta forma, conclui-se que os provedores de aplicação estão legalmente obrigados a remover da internet extrajudicialmente conteúdo atrelado a cenas de nudez, mediante o envio de simples notificação extrajudicial. Porém, sem prejuízo, nada obsta que referidos provedores procedam aos demais conteúdos ilícitos, de forma extrajudicial, desde que colida com os termos de uso ou com o ordenamento jurídico.

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1. SOUZA. Carlos Affonso Pereira de. A Responsabilidade Civil dos Provedores pelos Atos de seus Usuários na Internet in Manual de Direito Eletrônico e Internet. Coordenadores: BLUM, Renato M. S. Opice, BRUNO, Marcos Gomes da Silva e ABRUSIO, Juliana Canha, Ed. Lex, São Paulo, 2006, p. 650. “Os provedores de hospedagem, por seu turno, proporcionam ao internauta os meios técnicos para a veiculação de página eletrônica na Internet, oferecendo espaço para o armazenamento dos arquivos que a compõe. O referido provedor pode, até mesmo, disponibilizar para o usuário os instrumentos para a produção de sua página pessoal”.

2.BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.323.754/RJ. Relatora Ministra Nancy Andrighi.-19 de junho de 2012. Disponível em clique aqui. Acesso em 10 de setembro de 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.396.417/ MG. Relatora Ministra. Nancy Andrighi. 07 de novembro de 2013. Disponível em clique aqui. Acesso em 10 de setembro de 2016.

3. BRASIL. Marco Civil da Internet. lei 12.965, de 23 de abril de 2014. “Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”. Disponível em clique aqui. Acesso em 10 de setembro de 2016.

4. BRASIL. Marco Civil da Internet. lei 12.965, de 23 de abril de 2014. “art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo. Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido”. Disponível em clique aqui. Acesso em 10 de setembro d e 2016.

5. BRASIL. Marco Civil da Internet. lei 12.965, de 23 de abril de 2014.“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Disponível em clique aqui. Acesso em 10 de setembro de 2016.

6. BRASIL. Código Civiç. lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Disponível em clique aqui. Acesso em 10 de setembro de 2016.

7. BRASIL. Código do Consumidor. lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados”. Disponível em clique aqui. Acesso em 10 de setembro de 2016.

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*Fernando Paulo da C. M. Ramalho é advogado com atuação em Direito Digital do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.





*Helena C. F. Coelho de Mendonça é advogada com atuação em Direito Digital do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.

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