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Do lançamento tributário contra o sócio e das correlatas roupagens jurídicas

Há discussão sobre o lançamento do crédito tributário contra o sócio da empresa que seria a autora do fato ensejador da correspondente obrigação de pagamento.

9/12/2016

É pacífica a distinção das personalidades jurídicas da empresa e de seus sócios e não se nega que as obrigações da sociedade não se confundem com as das pessoas que a integram ou atuam em seu nome.

Porém, há exceções.

No âmbito do direito tributário chegou a ser editada pelo STJ a súmula 435, que diz: "presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente".

A súmula consolida que, não tendo sido encontrada a empresa em funcionamento no endereço cadastrado na Junta Comercial, sobrevém a presunção relativa de que o ente foi dissolvido irregularmente, autorizando-se o redirecionamento da execução fiscal em face do condutor das suas atividades, identificado pela figura do gerente, diretor ou representante da pessoa jurídica. Isto é, admite-se, até prova em contrário, que se deu a violação das normas que determinam o procedimento a ser respeitado quando da dissolução.

Adotada essa presunção, caberá à pessoa contra a qual tenha sido redirecionada a execução comprovar que não agiu com dolo ou culpa.

O redirecionamento é considerado um meio de aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. É tido como ferramenta pela qual se ignora, com o fim de satisfação do crédito tributário, a autonomia da personalidade da empresa, para se permitir a constrição de bens da pessoa que, mesmo não tendo constado como devedora na certidão de dívida ativa e como executada no momento em que ajuizada a execução fiscal, incorreu em conduta capaz de provocar a sua posterior responsabilidade pelo pagamento do cobrado pelo Fisco.

Por sua vez, há discussão sobre o lançamento do crédito tributário contra o sócio da empresa que, só em princípio, seria a autora do fato ensejador da correspondente obrigação de pagamento.

É que, valendo a assertiva de que o crédito fiscal, muitas vezes, tem de ser lançado tanto contra o contribuinte como contra o responsável que com este não se entrelaça e, apesar disso, está nas hipóteses legais obrigado a adimplir o exigido pelo Fisco, surge a ideia de que o tributo, em algumas situações, pode ser cobrado diretamente do sócio da empresa.

Contudo, esta medida não tem cego aval jurídico.

Não prevendo a lei a responsabilidade de outrem pelo pagamento de certo tributo decorrente de fato praticado exclusivamente pela empresa, olvidar esse cenário acarreta a indevida desconsideração da personalidade jurídica da sociedade mercantil, se em desfavor do sócio for efetuado o lançamento tributário.

A indiscriminada desconsideração da personalidade jurídica nestes moldes precisa ser combatida, não obstante haja posicionamento fazendário pregando que em específicas ocasiões não se presencia a teoria conhecida como disregard of legal entity, mas o lançamento contra quem realizou o fato imponível.

Atentemo-nos ao acórdão 106-17.147, proferido pelo CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em julgamento de recurso voluntário do ex-tenista Gustavo Kuerten, que teve sua condição enquadrada na de contribuinte do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física sob o fundamento de que uma empresa de que ele é sócio teria como objeto basicamente a exploração dos direitos de imagem da pessoa natural, o que, sustentou o órgão, serviria somente à redução da carga tributária gerada em virtude de trabalho personalíssimo desempenhado não pela pessoa jurídica, mas pelo ex-atleta, com o objetivo de auferir rendimentos a partir da sua fama.

Aguarda-se decisão da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais) em recurso especial.

Afinal, não esqueçamos o art. 129 da lei 11.196/15, o qual estabelece que, "para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da lei 10.406/02 – CC".

O CARF registrou que essa norma, por instituir um novo regime de tributação, não teria força interpretativa e não poderia retroagir para beneficiar o recorrente de acordo com o art. 106, inciso I, do CTN.

Logo, a CSRF terá de solucionar mais essa questão, dada a existência de fortes argumentos em sentido oposto.

Enfim, tenhamos em mente a possibilidade de o sócio ter de pagar tributos que imaginava serem de incumbência da empresa e sujeitos a regras referentes a esta. A justificativa para tanto poderá, conforme o caso, estar fundada na desconsideração da personalidade jurídica ou na alegação de que o fato tributário foi desenvolvido pelo sócio.
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*Carlos Augusto Cezar Filho é advogado nas áreas cível e aduaneira/fiscal do escritório Bella Martinez Advogados. Bacharel em Direito pela UEM. Pós-graduado em Direito tributário - IBET.

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