A Constituição da República em vigor (?), também conhecida como Constituição Cidadã, foi promulgada em 5 de outubro de 1988, contando, portanto, com 27 anos de existência. Número cabalístico que batiza o "Clube dos 27", integrado por astros da música (Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Amy Winehouse, Janis Joplin, Jim Morrison, e tantos outros) que, no auge de suas carreiras, morreram precocemente, todos aos 27 anos – qualquer semelhança é mera coincidência.
O duro golpe à Carta Magna veio numa despretensiosa quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016, quando o STF, guardião da Lei Maior, deu uma reviravolta na jurisprudência até então consolidada. O Pleno entendeu, por maioria, que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o sagrado princípio da presunção de inocência, nada obstante a cláusula pétrea afirmar de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, CF/88).
Ora, tratando-se de prisão por força de acórdão condenatório recorrível, o caminho bifurca-se em hipóteses taxativas: prisão cautelar ou antecipação do cumprimento da pena. A primeira, preenchidos os requisitos autorizadores existentes no caso concreto, reveste-se de validade; já a segunda, lamentavelmente, equivale a confissão irretratável de negativa de préstimo à Constituição.
A válvula de escape não poderia ser diferente: esse precedente tornou-se responsável pelas expedições de mandados de prisão em escala industrial. E em sintonia com essa onda está o TJ/PE, composto por notáveis magistrados, os quais, atrevo-me dizer, no mais puro instinto de praticar justiça, vêm dando guarida a um entendimento, data vênia, contrário ao texto constitucional.
Em leito de morte, a Constituição respira com a ajuda de aparelhos, leia-se magistrados, que ainda se mantêm fiéis aos preceitos fundamentais. Ao que me consta, o desembargador Antônio Carlos Alves da Silva é o único membro das Câmaras Criminais do TJ/PE que se conserva preso à legalidade, blindado da compreensível opinião pública que, nutrida diuturnamente por uma mídia datenizada, vê na prisão a chave para diminuir a sensação de impunidade.
Não custa lembrar que o princípio da legalidade, construído a custo de muito sangue, é instrumento de garantia do cidadão contra o braço punitivista do Estado. Com o desenvolvimento da ciência do Direito, sobretudo da dogmática penal, a legalidade tornou-se o princípio mater dos demais cânones que regem o Estado Democrático de Direito.
Todavia, encandeados por uma reluzente retórica, os filhos deste solo hoje sofrem na areia movediça da insegurança jurídica, manifestada pela acrobacia hermenêutica emprestada pelo STF quando da relativização que se fez do princípio da presunção da inocência no famigerado julgamento do HC 126.292.
Com todas as vênias, abrir mão da legalidade em prol da suposta redução da impunidade é tal qual abrir a Caixa de Pandora. Nas estórias de terror, faz-se pacto diabólico, trocando-se a alma por uma vantagem mundana. No mundo atual real, a fatura desse escambo, em nome da alma da justiça, chegará à galope.
Que no voto vencido do desembargador Antônio Carlos, que atualmente figura em honrosa solidão no âmbito estadual, resida a semente fecundante do terreno das garantias e essa, hoje ilha, forme arquipélagos e, oxalá, torne-se a pangeia da legalidade.
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