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Seriam as Parcerias Público-Privadas uma forma de privatização?

A licitação do primeiro projeto de Parceria Público-Privada (“PPP”) no Brasil, referente à operação da linha 4 – amarela do Metrô de São Paulo, foi suspensa pelo Tribunal de Contas do Estado. O argumento utilizado para o pedido foi técnico, qual seja, o descumprimento do intervalo mínimo de 30 (trinta) dias entre a última publicação do edital e o recebimento das propostas. Contudo, existe um movimento de mobilização do sindicato dos metroviários e de alguns políticos que objetiva impedir a realização dessa licitação, alegando que estaria havendo uma “privatização” do Metrô de São Paulo.

15/5/2006


Seriam as Parcerias Público-Privadas uma forma de privatização?

Cláudia Silva de Santana*

A licitação do primeiro projeto de Parceria Público-Privada (“PPP”) no Brasil, referente à operação da linha 4 – amarela do Metrô de São Paulo, foi suspensa pelo Tribunal de Contas do Estado. O argumento utilizado para o pedido foi técnico, qual seja, o descumprimento do intervalo mínimo de 30 (trinta) dias entre a última publicação do edital e o recebimento das propostas. Contudo, existe um movimento de mobilização do sindicato dos metroviários e de alguns políticos que objetiva impedir a realização dessa licitação, alegando que estaria havendo uma “privatização” do Metrô de São Paulo.

Tendo em vista que qualquer participação da iniciativa privada em serviços públicos é sempre vista como privatização, pretendemos, nesse artigo, discutir as diferenças entre os conceitos jurídicos de privatização e de PPP, e verificar se é correto afirmar que existe um processo de privatização na implantação de uma PPP.


No Brasil, durante a década de 90, ocorreu a chamada "Reforma do Estado", que significou uma mudança de perspectiva do papel do Estado na economia do país, em grande parte influenciada pelo cenário internacional e pelas discussões sobre a liberalização do comércio de serviços no âmbito na Organização Mundial do Comércio.


O Brasil chegou ao final do século XX tendo empresas estatais em praticamente todas as atividades econômicas, fruto de uma visão profundamente intervencionista do papel do Estado na economia, sendo que grande parte dessas empresas não tinham condições, por falta de investimentos e de uma administração comprometida com interesses políticos, de suprir a demanda da sociedade por esses serviços/produtos e de competir num mercado globalizado.


A Constituição de 1988, em seu artigo 173, já sinalizava para a alteração que estava por ser realizada no tipo de intervenção do Estado na economia ao estabelecer que "(...) a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (...)", e ao ressaltar, em seu artigo <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="174, a">174, a função do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica.


A parte talvez mais visível dessa mudança da perspectiva do papel do Estado foi o processo de desestatização, ocorrido em meados da década de 90. Esse processo representou muito mais do que a simples transferência ao setor privado de empresas estatais ou de atividades antes afeitas ao setor público. Foi a aplicação do princípio da subsidiariedade do Estado, i.e., a abstenção do Estado do exercício de atividades que o particular tem condições de exercer por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos, devendo, por outro lado, o Estado fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada e estimular a parceria entre público e privado.


Nesse contexto de diminuição da atuação estatal na economia, o vocábulo privatização1 pode ter uma acepção ampla ou restrita. Em sentido amplo, privatização significa qualquer processo que objetive reduzir o tamanho do Estado e ampliar a atuação da iniciativa privada na gestão dos serviços públicos. Em sentido restrito, que é o adotado pela legislação brasileira (Lei nº 9.471, de 9 de setembro de 1997), abrange apenas a alienação de ativos ou ações de empresas estatais para o setor privado.


Grande parte das empresas vendidas durante o processo de desestatização eram prestadores de serviços públicos, tais como energia elétrica e telecomunicações. Como esses serviços continuam sendo constitucionalmente considerados serviços públicos, foi necessária a outorga de concessões às empresas alienadas para a continuidade da prestação dos serviços. A concessão foi, em alguns casos, decorrência da venda da empresa estatal, mas não se confunde, de forma nenhuma, com a privatização em sentido estrito.


No tocante às PPP, a adoção desse instituto reflete uma nova face do processo de diminuição da atuação direta do Estado e, consequentemente, de uma maior participação dos particulares na prestação de serviços públicos por meio de mecanismos de cooperação público-privada. Como enfatiza Maria Sylvia Zanella di Pietro,

A parceria pode servir a variados objetivos e formalizar-se por diferentes instrumentos jurídicos.

Ela pode ser utilizada como:

a. forma de delegação da execução de serviços públicos a particulares, pelos instrumentos de concessão e permissão de serviço público;

b. meio de fomento á iniciativa privada de interesse público, efetivando-se por meio de convênio ou contrato de gestão;

c. forma de cooperação do particular na execução de atividades próprias da administração pública, pelo instrumento da terceirização (contrato de obras e serviços, por meio de empreitada;

d. instrumento de desburocratização e de instauração da chamada Administração Pública gerencial, por meio dos chamados contratos de gestão.” (Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 4ª. Edição, São Paulo, Atlas, 2002, p. 34)

Nesse contexto, a PPP é uma nova forma de delegação de serviços públicos, sendo considerada uma espécie de concessão, nos termos da definição fornecida pelo artigo 2º da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (“Lei nº 11.079/04”). A inovação em relação à concessão comum é ser a PPP um instrumento de atração de investimentos privados para a criação e/ou ampliação da prestação de serviços públicos, conforme veremos a seguir.


A PPP tem duas modalidades, a saber, a concessão patrocinada e a concessão administrativa.


A concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas que envolve, além do pagamento da tarifa pelo usuário, a contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Essa modalidade seria utilizada para os serviços que são custeados parcialmente por seus usuários.


Por seu turno, a concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços no qual a Administração Pública é a usuária direta ou indireta desses serviços, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. Nesse caso, a remuneração é paga integralmente pelo Poder Público, haja vista que são serviços prestados à Administração Pública.


Podemos destacar como principais peculiaridades das PPP, que as diferenciam das concessões de serviços públicos disciplinadas pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995: (i) a forma de remuneração, que prevê a existência de contrapartida pecuniária do Poder Público, (ii) obrigatoriedade de constituição de sociedade de propósito específico (SPE) para a execução do contrato; (iii) repartição dos riscos e de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado; e (iv) a possibilidade de prestação de garantias pelo Poder Público ao parceiro privado e ao financiador do projeto.


A repartição dos riscos do empreendimento e a prestação de garantias pelo Poder Público ao parceiro privado são as maiores inovações da PPP em relação ao conceito tradicional de concessão, e o mais forte argumento para atrair investimentos privados.


As PPP estão sendo utilizadas com sucesso na Europa há cerca de quinze anos, e a Comissão Européia2 identificou quatro funções principais para o setor privado em esquemas de PPP, a saber: (i) obter de capital adicional para investimento na ampliação e melhoria na prestação de serviços públicos; (ii) utilizar a expertise privada na administração e implementação de serviços públicos; (iii) trazer valor agregado aos consumidores e ao público em geral; e (iv) fornecer melhor identificação de necessidades e de uso otimizado dos recursos.


É relevante notar que as PPP devem ser utilizadas para incentivar investimentos em setores não auto-sustentáveis, i.e., que não seriam atraentes para a iniciativa privada por não permitir remuneração do capital investido sem inviabilizar ou, no mínimo, criar externalidades sociais negativas3. O investimento público concomitante ao investimento privado é essencial na caracterização de uma PPP. Conforme o parágrafo 3º, do artigo 2º da Lei nº 11.079/04, “não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços ou obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.”.


A concessão do serviço público ao parceiro privado na concessão patrocinada é utilizada na PPP como forma de amortização dos investimentos feitos pelo particular nas obras e na aquisição dos equipamentos necessários para a prestação dos serviços, demandando menos investimento de dinheiro público para a execução da obra.


Ademais, toda a infra-estrutura montada para a prestação dos serviços é revertida ao Poder Público ao final do contrato. Ou seja, os bens não são do particular, como nas empresas privadas concessionárias de serviço público, mas sim da Administração.


Dessa forma, a PPP somente poderia ser considerada uma forma de privatização em sentido amplo, significando a ampliação da participação de empresas privadas na prestação de serviços públicos, mas não em sentido estrito, como transferência de ativos estatais para a iniciativa privada.

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1 O tema foi discutido por Maria Sylvia Zanella di Pietro em seu livro Parcerias na Administração Pública concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 4ª. Edição, São Paulo, Atlas, 2002, pp. 17-34.

2 Conforme “Diretrizes Para Parcerias Público-Privadas Bem-Sucedidas”, documento traduzido e revisado pela KPMG Structured Finance S.A., site < https://www.ppp.mg.gov.br/downloads.htm>, acessado em 25/4/06.

3 Extenalidades negativas são conseqüências indiretas da produção de determinados bens ou da exploração de determinado serviço que podem gerar custos sociais indesejáveis.

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*Advogado do escritório Rayes, Sevilha e Buranello Advogados









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