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Conjuntos de direitos são desprezados em conduções coercitivas

Devem-se examinar as questões de índole constitucional, para se ter claro entendimento jurídico sobre esse novo quadro.

30/9/2016

Novidadeiros criaram uma maneira de impedir o exercício da ampla defesa no processo penal: determinar judicialmente o interrogatório do suspeito ou investigado, que deve ser conduzido coercitivamente à sede do Departamento de Policia Federal, para ser questionado sobre fatos, objeto de inquérito policial desconhecido do interrogado e de sua defesa.

Ouvem-se duas justificativas a essa prática ilegal de investigação criminal:(i) evita-se, com esse interrogatório forçado, a prisão temporária (artigo 1º, da lei 7.960/89); e (ii) trata-se de um novo modelo de persecução penal, que já permitiu a rápida oitiva de centenas de pessoas no âmbito da operação "lava jato".

Há diversos aspectos a serem abordados quanto a esse método ad terrorem de inquirir na primeira fase da persecução penal. De início, devem-se examinar as questões de índole constitucional, para se ter claro entendimento jurídico sobre esse novo quadro.

O indivíduo tem direito de conhecer os fatos que lhe são imputados no inquérito policial. Ler os autos da investigação criminal, compulsar termos e documentos (artigo 5º, LIV e LV, da CR e súmula vinculante 14 do STF). O exercício de defesa depende de se ter ciência prévia do conteúdo de investigação criminal. Trata-se do direito ao conhecimento dos fatos que o Estado tem contra si, em qualquer procedimento de natureza sancionatória, para depois se defender e requerer provas (artigo 5º, LV, da CR, combinado com artigo 8º, 2, letra b, do decreto 678/92).

Existe o direito de consultar advogado sobre o que responder e como fazê-lo (artigo 5º, LV, e artigo 133, ambos da CR). Em regime democrático, ninguém pode ser conduzido a ato policial, ou judicial, sem direito à entrevista previa com o advogado que for da sua confiança (artigo 5º, LV, e artigo 133 da CR combinado com artigo 8º, 2, letra d, do decreto 678/92). Pode se negar a responder qualquer pergunta até constituir defensor que esteja a seu lado, podendo lhe orientar a como agir perante as autoridades, inclusive para não permitir a produção de provas contra si mesmo (artigo 5º, LV, da CR combinado com artigo 8º, 2, letra d e e, do decreto 678/92).

E cabe observar que o interrogatório não pode se iniciar sem que cliente e advogado tenham tido tempo razoável de conversar sobre o conteúdo da investigação e qual estratégia adotar (artigo 5º, LV e LXIII, CR combinado com artigo 8º, 2, letras c, e d, do decreto 678/92).

Note-se que o defensor pode negar a própria validade do procedimento e de provas ali produzidas, o que impediria, de forma apriorística, a oitiva do indivíduo cujos atos estejam sob a perquirição ilegítima sob o ponto vista da licitude da prova (artigo 5º, LVI, da CR).

Tem-se aí, também, a faculdade de o indivíduo exercer o direito de ficar em silêncio, sem que tal direito lhe traga consequências negativas no procedimento criminal (artigo 5º, LV e LXIII, da CR combinado com artigo 8º, 2, letras g, do decreto 678/92). Calar-se nada significa a não ser o exercício de direito constitucional, compatível com a ampla defesa. O investigado não tem de ser colaborativo com as investigações criminais, nem se vincula à descoberta da verdade, salvo se optar por se defender por meio de delação premiada (artigo 4º, da lei 12.850/13).

Com muita razão, há quem defenda ser direito do investigado falar por último no inquérito policial, diante da reforma do CPP, que determinou o interrogatório judicial como último ato da instrução criminal (artigo 400, do CPP). O conhecido direito de só falar depois de delimitada a imputação inicial — materialidade e indícios de autoria — teria sentido desde a fase investigativa, pois mais consentâneo com o sistema acusatório.

Outro aspecto de índole constitucional importante refere-se à impossibilidade de se produzirem provas criminais mediante atos investigativos não previstos em lei, em especial, quando tais atos forem invasivos à privacidade (artigo 5º, X, da CR). Ora, se a privacidade se apresenta a regra constitucional, as exceções a essa regra dependem de regulação legal, com previsões precisas para o processo penal. Logo, não se pode praticar ato em persecução penal em face de um indivíduo com o fim de alcançar prova, sem previsão expressa na lei, pois o eventual descumprimento à lei significa a proibição de aceitar a própria prova, ilícita por consequência (artigo 5º, LVI, da CR).

Esse conjunto de direitos desprezados com a condução coercitiva antecipada por decisão judicial — por tais motivos, decisão judicial de cunho ilegal — merece atenção dos tribunais, os quais devem anular tais oitivas, desconsiderá-las na valoração das provas e impedir que esse erro se perpetue por indevida reiteração.

Juízes e tribunais hão de ser os primeiros a fazer cumprir a Constituição, mesmo aqueles que proclamam suas boas intenções em servir ao país, em promover a Justiça Criminal. Robespierre jamais cessou de proclamar suas boas intenções em defesa da França e todos sabem o destino dele e da revolução.

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*Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo é advogado, do escritório Moraes Pitombo Advogados, mestre e doutor em Direito Penal (USP) e pós-doutor no Ius Gentium Coninbrigae (Univ. de Coimbra).

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