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50 anos do Código Tributário Nacional e a inconstitucionalidade da exigência do IRRF sobre os juros de mora

Não há que se falar em declaração de inconstitucionalidade, sendo o caso tão-somente de utilização da técnica de interpretação conforme a Constituição.

23/9/2016

Em que pese o Código Tributário Nacional tenha sido brilhantemente projetado pelo Prof. RUBENS GOMES DE SOUSA, os festejos do seu cinquentenário estão ameaçados pela primeira declaração de inconstitucionalidade que se tem conhecimento, a saber: a declaração de inconstitucionalidade, sem redução do texto, do art. 43, inciso II e seu §1º, reconhecida quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 5020732-11.2013.404.0000, pelo TRF4, para afastar a incidência de IRRF sobre os juros de mora decorrentes de verbas trabalhistas pagas em atraso.

Ao meu ver, não há que se falar em declaração de inconstitucionalidade, sendo o caso tão-somente de utilização da técnica de interpretação conforme a Constituição.

Diante disso, e tendo em vista que a matéria tem sido constantemente revisitada pelo STJ e STF, é o presente artigo para analisar toda a sua evolução legislativa e jurisprudencial, conforme será demonstrado a seguir.

Neste sentido, reza o art. 153, inciso III, da CF/88, verbis:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[...]
III - renda e proventos de qualquer natureza;”

Em que pese a Carta Magna não tenha definido renda ou proventos de qualquer natureza, é certo que há um conteúdo mínimo atribuível no nível constitucional a fim de assegurar que a distribuição rígida das competências tributárias não fique à disposição do legislador ordinário.

Assim, pode-se dizer que renda tributável, englobando aqui a renda (stricto sensu) e proventos de qualquer natureza, consiste em “acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte ao longo de um determinado período de tempo1.

Em vista da competência que lhe foi conferida pelo art. 146, inciso III, alínea “a”, da CF/88, o legislador complementar definiu o fato gerador do imposto sobre a renda nos seguintes termos:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.”

Como bem assinala ALCIDES JORGE COSTA2, embora ambas as hipóteses tenham por essência o acréscimo patrimonial, o legislador complementar adotou uma noção combinada de renda-produto (inciso I) com renda-acréscimo (inciso II) para definir o que vem a ser renda tributável.

Enquanto a renda é o acréscimo patrimonial produto do capital ou do trabalho, proventos de qualquer natureza decorre de uma atividade que já cessou, mas que ainda produz rendimentos (v.g., benefícios previdenciários, pensões e aposentadorias).

É certo que, há muito restou sedimentado na doutrina e jurisprudência pátrias que as indenizações não estão sujeitas à incidência do imposto sobre a renda, posto que, tendo por finalidade a reparação de uma perda, elas não implicam num acréscimo patrimonial, mas na sua recomposição3.

Portanto, uma vez violado o direito subjetivo – in casu, pagamento extemporâneo das verbas trabalhistas, surge neste instante uma pretensão de direito material em favor do seu titular, cabendo ao responsável restituir a situação ao “status quo ante” mediante o pagamento de uma indenização.

Ainda que as indenizações possam ser classificadas4, quanto à sua finalidade, em: a) indenização-reposição do patrimônio; b) indenização-reposição dos lucros; e c) indenização-compensação; a presente discussão perpassa sob a análise do enquadramento dos juros de mora como danos emergentes (indenização-reposição do patrimônio) ou lucros cessantes (indenização-reposição de lucros).

Neste sentido, o art. 402 do Código Civil de 2002 dispõe que “as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

Ou seja, enquanto os danos emergentes traduzem os valores efetivamente perdidos pelo ofendido (dano atual), os lucros cessantes – ou frustrados – correspondem à expectativa de lucro que deixou de agregar-se ao seu patrimônio em razão da lesão (dano futuro).

Embora incluídos na classe dos frutos civis, os juros possuem natureza própria de verba indenizatória, ora constituindo remuneração devida pelo uso temporário e consentido do capital de outrem (juros compensatórios), ora decorrendo dos prejuízos causados ao credor em função do pagamento extemporâneo do seu crédito (juros moratórios).

É o que reconhece o art. 404 do Código Civil de 2002, verbis:

“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.”

Possuindo a verba trabalhista natureza alimentar, seu pagamento a destempo possui como menor dos efeitos a privação do credor aos bens essenciais da vida, donde muitas vezes acaba por ocasionar seu próprio endividamento em razão da necessidade de honrar compromissos porventura existentes.

Em outros termos, tendo por finalidade a compensação das perdas sofridas em virtude da mora do devedor, os juros moratórios só podem se qualificar como danos emergentes, cuja natureza era atestada desde o Código Civil de 1916. É ver:

“Art. 1.061. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros da mora e custas, sem prejuízo da pena convencional.”

A posição acima é referendada por PONTES DE MIRANDA5:

“Entende-se por juros o que o credor pode exigir pelo fato de ter prestado [juros compensatórios] ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar [juros moratórios]. [...] Os juros moratórios são usurae punitorieae. [...] Juros moratórios não se infligem por lucro dos demandantes, mas por mora dos solventes.” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIV. Campinas: Bookseller. pág. 46 a 50)

Entender que os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes é subverter a lógica do direito, uma vez que este, além de se referir à danos futuros, não permite a reparação de um dano patrimonial meramente hipotético6,7.

Se adotada solução diversa, como justificar a incidência dos juros de mora (lucros cessantes) sobre juros compensatórios (lucros cessantes) enquanto o mutuante permanecer sobejado do seu capital?

Como visto, os juros de mora não possuem qualquer conotação de riqueza nova (acréscimo patrimonial) a autorizar sua tributação pelo imposto sobre a renda, seja porque desprovidos de capacidade contributiva, seja porque não constituem renda ou proventos de qualquer natureza.

É o que leciona SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO8:

“Todas as verbas salariais são rendas tributáveis, assim como outros rendimentos do trabalho, do capital ou da combinação de ambos. Contudo, os juros pela mora indenizam a não-percepção de renda pelo contribuinte e, portanto, são indenizatórios, restabelecendo ‘jure et de jure’ o ‘status quo ante’ ao inadimplemento da obrigação do ‘solvens’. [...] Sendo os juros moratórios decorrentes de um ilícito civil, assim considerado o não-pagamento a tempo e hora, jamais poderão ser alçados à condição de fato jurígeno de qualquer tributo, mormente do imposto de renda, porque não é renda, mas reparação pelo seu não-recebimento a tempo e hora.”

E nem se alegue que o art. 16, parágrafo único, da Lei 4.506/64 equiparou os juros de mora aos rendimentos do trabalho:

“Art. 16. serão classificados como rendimentos do trabalho assalariado todas as espécies de remuneração por trabalho ou serviços prestados no exercício dos empregos, cargos ou funções referidos no artigo 5º do Decreto-lei número 5.844, de 27 de setembro de 1943, e no art. 16 da Lei número 4.357, de 16 de julho de 1964, tais como:
[...]
Parágrafo único. Serão também classificados como rendimentos de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo.”

A um, porque o referido artigo, que data de 1964, foi revogado pelo art. 43 do CTN (1966), que somente admite a incidência do imposto de renda e proventos de qualquer natureza sobre riqueza nova.

A dois, porque, ainda que assim não fosse, o art. 16, p.u., da Lei 4.506/64 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 em razão da sua incompatibilidade com o art. 153, acima transcrito.

Ocorre que, num primeiro momento, a controvérsia acima parecia ter sido definitivamente resolvida pelo E. STJ quando do julgamento do REsp nº 1.227.133/RS, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC/73, tendo sido firmado posicionamento pela não incidência IRRF sobre os juros de mora decorrentes de verbas trabalhistas pagas em atraso. É ver:

“RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JU-ROS DE MORA LEGAIS. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA.
Não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais em decorrên-cia de sua natureza e função indenizatória ampla.
Recurso especial, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, improvido.”
(STJ, REsp nº 1.227.133/RS, Primeira Seção, Min. Rel. CESAR ASFOR ROCHA, DJe 19.10.2011)

Entretanto, sob a alegação de estar tão-somente fixando interpretação para o leading case, a mesma Seção alterou seu posicionamento quando do julgamento do REsp nº 1.089.720/RS para estabelecer que, em regra, incide IRRF sobre os juros de mora, ainda que pagos em reclamatória trabalhista.

Para o Min. Rel. MAURO CAMPBELL MARQUES, o IRRF somente não incide quando: a) o trabalhador perde o emprego; ou b) quando a verba principal é isenta ou está fora do campo de incidência do imposto sobre a renda (accessorium sequitur principale).

É conferir sua ementa:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA N. 284/STF. IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA - IRPF. REGRA GERAL DE INCIDÊNCIA SOBRE JUROS DE MORA. PRESERVAÇÃO DA TESE JULGADA NO RECURSO REPRESENTA-TIVO DA CONTROVÉRSIA RESP. N. 1.227.133 - RS NO SENTIDO DA ISEN-ÇÃO DO IR SOBRE OS JUROS DE MORA PAGOS NO CONTEXTO DE PER-DA DO EMPREGO. ADOÇÃO DE FORMA CUMULATIVA DA TESE DO AC-CESSORIUM SEQUITUR SUUM PRINCIPALE PARA ISENTAR DO IR OS JU-ROS DE MORA INCIDENTES SOBRE VERBA ISENTA OU FORA DO CAMPO DE INCIDÊNCIA DO IR.
1. Não merece conhecimento o recurso especial que aponta violação ao art. 535, do CPC, sem, na própria peça, individualizar o erro, a obscuridade, a con-tradição ou a omissão ocorridas no acórdão proferido pela Corte de Origem, bem como sua relevância para a solução da controvérsia apresentada nos autos. In-cidência da Súmula n. 284/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da con-trovérsia".
2. Regra geral: incide o IRPF sobre os juros de mora, a teor do art. 16, ca-put e parágrafo único, da Lei n. 4.506/64, inclusive quando reconhecidos em re-clamatórias trabalhistas, apesar de sua natureza indenizatória reconhecida pelo mesmo dispositivo legal (matéria ainda não pacificada em recurso representativo da controvérsia).
3. Primeira exceção: são isentos de IRPF os juros de mora quando pagos no contexto de despedida ou rescisão do contrato de trabalho, em reclamatórias trabalhistas ou não. Isto é, quando o trabalhador perde o emprego, os juros de mora incidentes sobre as verbas remuneratórias ou indenizatórias que lhe são pagas são isentos de imposto de renda. A isenção é circunstancial para proteger o trabalhador em uma situação sócio-econômica desfavorável (perda do empre-go), daí a incidência do art. 6º, V, da Lei n. 7.713/88. Nesse sentido, quando re-conhecidos em reclamatória trabalhista, não basta haver a ação trabalhista, é preciso que a reclamatória se refira também às verbas decorrentes da perda do emprego, sejam indenizatórias, sejam remuneratórias (matéria já pacificada no recurso representativo da controvérsia REsp. n.º 1.227.133 - RS, Primeira Se-ção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Rel .p/acórdão Min. Cesar Ásfor Rocha, julgado em 28.9.2011).
3.1. Nem todas as reclamatórias trabalhistas discutem verbas de despedida ou rescisão de contrato de trabalho, ali podem ser discutidas outras verbas ou haver o contexto de continuidade do vínculo empregatício. A discussão exclusi-va de verbas dissociadas do fim do vínculo empregatício exclui a incidência do art. 6º, inciso V, da Lei n. 7.713/88.
3.2. . O fator determinante para ocorrer a isenção do art. 6º, inciso V, da Lei n. 7.713/88 é haver a perda do emprego e a fixação das verbas respectivas, em juízo ou fora dele. Ocorrendo isso, a isenção abarca tanto os juros incidentes sobre as verbas indenizatórias e remuneratórias quanto os juros incidentes sobre as verbas não isentas.
4. Segunda exceção: são isentos do imposto de renda os juros de mora in-cidentes sobre verba principal isenta ou fora do campo de incidência do IR, mesmo quando pagos fora do contexto de despedida ou rescisão do contrato de trabalho (circunstância em que não há perda do emprego), consoante a regra do "accessorium sequitur suum principale".
5. Em que pese haver nos autos verbas reconhecidas em reclamatória tra-balhista, não restou demonstrado que o foram no contexto de despedida ou res-cisão do contrato de trabalho (circunstância de perda do emprego). Sendo assim, é inaplicável a isenção apontada no item "3", subsistindo a isenção decorrente do item "4" exclusivamente quanto às verbas do FGTS e respectiva correção monetária FADT que, consoante o art. 28 e parágrafo único, da Lei n. 8.036/90, são isentas.
6. Quadro para o caso concreto onde não houve rescisão do contrato de trabalho:
Principal: Horas-extras (verba remuneratória não isenta) = Incide imposto de renda;
Acessório: Juros de mora sobre horas-extras (lucros cessantes não isen-tos) = Incide imposto de renda;
Principal: Décimo-terceiro salário (verba remuneratória não isenta) = Incide imposto de renda;
Acessório: Juros de mora sobre décimo-terceiro salário (lucros cessantes não isentos) = Incide imposto de renda;
Principal: FGTS (verba remuneratória isenta) = Isento do imposto de renda (art. 28, parágrafo único, da Lei n. 8.036/90);
Acessório: Juros de mora sobre o FGTS (lucros cessantes) = Isento do im-posto de renda (acessório segue o principal).
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido.”
(STJ, REsp nº 1.089.720/RS, Primeira Seção, Min. Rel. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 28.11.2012)

Inexplicavelmente, após o julgamento acima, a própria Seção, sob a condução do mesmo Min. Relator, proferiu a seguinte decisão, também sujeita à sistemática dos recursos repetitivos:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRI-BUIÇÃO DO PLANO DE SEGURIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO (PSS). RE-TENÇÃO. VALORES PAGOS EM CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL (DIFERENÇAS SALARIAIS). INEXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE A PARCELA REFERENTE AOS JUROS DE MORA.
1. O ordenamento jurídico atribui aos juros de mora a natureza indenizatória. Destinam-se, portanto, a reparar o prejuízo suportado pelo credor em razão da mora do devedor, o qual não efetuou o pagamento nas condições estabelecidas pela lei ou pelo contrato. Os juros de mora, portanto, não constituem verba destinada a remunerar o trabalho prestado ou capital investido.
2. A não incidência de contribuição para o PSS sobre juros de mora encon-tra amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que autoriza a inci-dência de tal contribuição apenas em relação às parcelas incorporáveis ao ven-cimento do servidor público. Nesse sentido: REsp 1.241.569/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 13.9.2011.
3. A incidência de contribuição para o PSS sobre os valores pagos em cumprimento de decisão judicial, por si só, não justifica a incidência da contri-buição sobre os juros de mora. Ainda que se admita a integração da legislação tributária pelo princípio do direito privado segundo o qual, salvo disposição em contrário, o bem acessório segue o principal (expresso no art. 59 do CC/1916 e implícito no CC/2002), tal integração não pode implicar na exigência de tributo não previsto em lei (como ocorre com a analogia), nem na dispensa do pagamen-to de tributo devido (como ocorre com a equidade).
4. Ainda que seja possível a incidência de contribuição social sobre quais-quer vantagens pagas ao servidor público federal (art. 4º, § 1º, da Lei 10.887/2004), não é possível a sua incidência sobre as parcelas pagas a título de indenização (como é o caso dos juros de mora), pois, conforme expressa pre-visão legal (art. 49, I e § 1º, da Lei 8.112/90), não se incorporam ao vencimento ou provento. Por tal razão, não merece acolhida a alegação no sentido de que apenas as verbas expressamente mencionadas pelos incisos do § 1º do art. 4º da Lei 10.887/2004 não sofrem a incidência de contribuição social.
5. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 - Presidência/STJ.”
(STJ, REsp nº 1.239.203/PR, Primeira Seção, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 01.02.2013)

Confira-se o seguinte trecho do voto condutor:

“Por outro lado, a despeito da natureza jurídica da verba principal, os juros de mora constituem parcela que têm como função reparar o dano decorren-te da inobservância das condições impostas (pela lei ou pelo contrato) para se efetuar o pagamento.
[...]
É oportuno registrar que o devedor em mora responde pelos encargos de-correntes da mora, ainda que caracterizada a impossibilidade da prestação (per-petuatio obligationis), conforme estabelece o art. 399 do Código Civil.
A relação existente entre o objeto da obrigação (em relação à qual o deve-dor deu causa ao retardamento ou inexecução) e os encargos decorrentes da mora não é resolvida pelo princípio segundo o qual, salvo disposição especial em contrário, o bem acessório segue o principal (expresso no art. 59 do CC/1916). Ressalte-se que ‘a indenização moratória não é substitutiva da presta-ção devida, vale dizer que pode ser reclamada juntamente com ela, se ainda for proveitosa ao credor’ (Pereira, Cáio Mário da Silva, Instituições de direito civil, v. 2 - Teoria geral das obrigações, 22ª ed., Rio de Janeiro: forense, 2009, pág. 296).”

Em que pese o julgado se restrinja aos aspectos da contribuição social, verifica-se a existência de injustificável discriminação, posto que, para o servidor público os juros de mora caracterizariam reparação de dano, enquanto que para os trabalhadores em geral seria uma indenização por lucro que se deixou de auferir.

Não menos importante é o posicionamento adotado pelo E. STF, no âmbito de sua primeira sessão administrativa (21.02.2008), no sentido de declarar a não incidência do imposto de renda sobre os juros de mora pagos aos seus servidores, verbis:

“1) Processo nº 323.526 - referendar, por unanimidade, o entendimento adotado pela Secretaria do Tribunal quanto à natureza indenizatória do pa-gamentos aos servidores do STF de juros de mora sobre a diferença da URV (11,98). O tema foi relatado pela Ministra Carmem Lúcia, que fundamentou seu voto na decisão da Corte no MS 25.641-9, julgado pelo Plenário do Tribunal em 22/11/2007. (Presentes os Ministros Ellen Gracie, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Me-nezes Direito. Ausentes, justificadamente, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Eros Grau)”

Interessante notar que, a Primeira Turma do E. STJ, ao novamente se debruçar sobre a discussão acerca da natureza dos juros de mora, reviu seu entendimento jurisprudencial (overruling realizado difusamente) para decidir pela não incidência do IRRF em razão de seu caráter de “indenização-reposição do patrimônio” (dano emergente), nos seguintes termos:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECI-AL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA - IRPF. PAR-CELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL EM AÇÃO TRABA-LHISTA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE JUROS DE MORA.
I - Os juros moratórios, a teor do art. 404 do Código Civil, constituem inde-nização por danos emergentes, os quais, por força do art. 110 do Código Tributá-rio Nacional, assim devem ser considerados no âmbito tributário.
II - Os juros de mora não se sujeitam à incidência do Imposto de Ren-da, diante da materialidade deste, insculpida na Constituição (art. 153, III) e explicitada no Código Tributário Nacional (art. 43), pois: a) não traduzem renda, porquanto não resultam do capital, do trabalho, nem da combinação de ambos; e b) também não constituem proventos de qualquer natureza , os quais correspondem às remunerações advindas da inatividade (aposen-tadoria e pensão).
III - Em consequência, os juros moratórios refogem ao alcance do Im-posto sobre a Renda, configurando hipótese de não incidência , indepen-dentemente da natureza, tributável ou não, do crédito principal. O art. 16, parágrafo único, da Lei n. 4.506/64, bem como dispositivos legais afins, não têm o condão de sujeitar os juros moratórios ao Imposto sobre a Renda, uma vez não autorizada sua incidência pela Constituição da República (art. 153, III) e pelo Có-digo Tributário Nacional (art. 43). Igualmente, irrelevantes as equivocadamente denominadas “isenções” de juros moratórios contempladas em lei, porquanto tra-ta-se de autênticas hipóteses de não incidência tributária.
IV – Agravo regimental provido. Recurso Especial improvido.”
(STJ, AgRg no REsp nº 1.451.876/RS, Primeira Turma. Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 06.05.2015)

Por outro lado, em que pese inicialmente reconhecida a ausência de repercussão geral da matéria (RE nº 611.512-RG/SC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe 23.11.2010), o E. STF alterou seu posicionamento quando da análise do RE nº 855.091-RG/RS, nos termos da ementa abaixo:

“TRIBUTÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. JUROS DE MORA. ART. 3º, § 1º, DA LEI Nº 7.713/1988 E ART. 43, INCISO II, § 1º, DO CTN. AN-TERIOR NEGATIVA DE REPERCUSSÃO. MODIFICAÇÃO DA POSIÇÃO EM FACE DA SUPERVENIENTE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI FEDERAL POR TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.”
(STF, RE nº 855.091-RG/RS, Plenário Virtual, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 30.06.2015)

Por tais razões, o excelente trabalho formulado pelo Prof. RUBENS GOMES DE SOUSA há de permanecer incólume, merecendo pronunciamento em definitivo pelos Tribunais Superiores de modo a afastar qualquer interpretação tendente a reconhecer a incidência de IRRF sobre os juros de mora decorrentes de verbas trabalhistas pagas em atraso.

_______________

1 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto de Renda: perfil constitucional e temas específicos. 1ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. Pág. 36.

2 COSTA, Alcides Jorge. Conceito de renda tributável. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Imposto de renda – conceitos, princípios e comentários (em memória de Henry Tilbery). 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1996. Pág. 30.

3 Por todos, confira: SANTIAGO, Igor Mauler. Intributabilidade dos juros de mora pelo imposto de renda (pessoa física e jurídica) e pela contribuição social sobre o lucro. RDDT 160/60. Jan/2009.

4 PHILIPPSEN, Eduardo Gomes. A incidência do imposto de renda sobre indenizações. In Revista da AJUFERGS nº 2. Porto Alegre: 2006. Pág. 137.

5 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, tomo 24. Campinas: Bookseller. Pág. 46-50.

6 Código Civil de 2002: “Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.”

7O termo ‘razoavelmente’ (art. 402 do CC/02) não concerne ao montante que a vítima deixou de auferir, mas a um lucro que ‘provavelmente’ ingressaria no seu patrimônio. Ao credor ou à vítima incumbe a prova em juízo acerca da existência de um prejuízo futuro e provável.” (ROSENVALD, Nelson e Cristiano Chaves de Farias. Direito das obrigações. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. Pág. 441)

8 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. A não-incidência do imposto de renda sobre os juros de mora nas reclamatórias trabalhistas. RDDT 161. Fev/2009. Pág. 93.

_______________

*Felipe Contreras Novaes é advogado do escritório Azevedo Sette Advogados. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP.

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