Migalhas de Peso

O custo da regulação das telecomunicações

As incertezas que travam o desenvolvimento do setor estão mais relacionadas às dificuldades especificas de planejar o investimento nesse mercado.

19/9/2016

Em meio à grande crise política e econômica enfrentada pelo pais, o setor de telecomunicações, um dos mais importantes propulsores do desenvolvimento econômico recente do Brasil, assiste seu pior momento desde sua configuração como segmento aberto ao investimento privado, sob regulação estatal, na esteira das inovações institucionais trazidas pela lei Federal 9.295, de 19 de julho de 1996 (a Lei Mínima de Telecomunicações que permitiu os investimentos privados em redes corporativas, satélites e na Banda B dos serviços móveis) e pela lei Federal 9.472, de 16 de julho de 1997 (a Lei Geral de Telecomunicações – LGT, que criou a Anatel, regulou a privatização do Sistema Telebrás e estabeleceu o sistema geral de regulação do desenvolvimento do setor).

Embora o cenário setorial reflita as condições de desequilíbrio geral da economia brasileira, as incertezas que travam o desenvolvimento do setor estão mais relacionadas às dificuldades especificas de planejar o investimento nesse mercado, onde a inovação tecnológica exige dos agentes a reconfiguração de seus planos de negócios para enfrentar uma competição que reinventa, em velocidade crescente, as próprias utilidades da telecomunicação.

Nesse ambiente desafiador, os atores do mercado brasileiro de telecomunicação deparam-se com grandes obstáculos institucionais causados pela incapacidade que a regulação setorial vem demonstrando de exercer seu papel de confrontador de obstáculos e planejador dos rumos para o desenvolvimento futuro do setor no Brasil.

Essa é a razão pela qual, embora exista relativo consenso em torno da aprovação do PL 3.453/15 e da transposição da maior parte das atividades vinculadas ao regime de concessão do serviço telefônico fixo comutado ao regime de autorização, essa mudança, por si só, não será suficiente para que voltemos a ver o setor estimulado pelo vibrante potencial econômico do mais inovador segmento da economia moderna.

Na verdade, a simples constatação de que os serviços de voz já não tem futuro e que, portanto, todo o empenho em sua “universalização”, ainda em curso, deveria ser repensado, não é suficiente para responder por que falhamos tão clamorosamente em reorientar o setor, anos atrás, quando as atividades estavam em alta e este cenário já estava claramente desenhado.

O diagnóstico dessa demora em se liberar o potencial econômico de parte tão importante do setor poderia se limitar ao reconhecimento do “apego” que cultivamos pelo “regime público” ou aos altíssimos custos de transação institucionais envolvidos em se superar a dicção legal expressa da concessão do STFC. Entretanto, não se pode perder de vista que, na administração do contrato de concessão, a regulação setorial optou pelo dirigismo econômico da concessão, impondo ônus de universalização sempre vultosos até o limite da capacidade econômica das empresas, substituindo a competição e a redução dos preços do serviços pela definição governamental sobre a conveniência e utilidade dos investimentos em universalização. Isso ao mesmo tempo em que nos conformamos com a transformação do FUST, o Fundo de Universalização das Telecomunicações, em um significativo encargo setorial desviado de sua finalidade.

Esse dirigismo veio se aprofundando nos anos recentes com o incremento dos mecanismos de controle econômico-financeiro sobre as concessionárias ao ponto de se propor a adoção de um critério de definição dos “bens reversíveis” que não estivesse limitado a sua essencialidade para a prestação dos serviços, mas permitisse o “congelamento” de bens de alto valor, a fim de que, ao final da concessão, pudessem ser “resgatados” pelo Estado.

Ao lado dessa clara escolha regulatória – na administração do contrato de concessão – incrementou-se uma política que substitui os efeitos que a competição promove com as escolhas dos usuários entre serviços melhores e mais caros ou piores e mais baratos, por uma regulamentação de metas inatingíveis, o que levou à penalização dos concessionários (e demais operadores) com valores despropositadamente elevados, ao ponto em que o estoque de multas aplicadas passou a ser uma ameaça à própria operação dos serviços.

A revisão da regulação setorial, portanto, não pode deixar de resgatar a liberalização das oportunidades de investimento e o mercado competitivo como instrumentos centrais do dinamismo econômico setorial.

A recuperação judicial da OI, em negociação nesse momento, serve de eloquente demonstração da falta de sentido finalístico em se penalizar desproporcionalmente as falhas no desempenho dos serviços, mal disfarçando a prevalência do interesse “na receita”, por sobre a finalidade da fiscalização de metas, quaisquer que tenham sido as origens para um volume tão despropositado de multas.

O debate sobre a revisão do modelo de regulação para o setor começa pela reafirmação das finalidades dessa regulação: a ampliação e universalização do acesso aos serviços, o que implica o estímulo à competição para a crescente redução relativa dos preços. Ampliar o acesso aos serviços exige também um esforço do Estado, que não pode seguir fazendo do setor um mero veículo de arrecadação tributária, através da prioridade ao incremento dos preços públicos, valores de outorga, alíquotas tributárias, apropriação dos fundos setoriais, etc. Todas as demais finalidades públicas, fixadas em lei para a regulação setorial, são instrumentais dessa finalidade básica, tais como o estímulo à expansão do uso das redes, o fortalecimento do papel regulador do Estado, o estímulo à competição, ao investimento, ao desenvolvimento tecnológico e industrial, em harmonia com o desenvolvimento social do Brasil.

A cultura da regulação econômica, orientada às finalidades públicas da atividade setorial, centrada no estímulo à competição, ao investimento e à ampliação do acesso aos serviços por parte dos usuários, precisa ser resgatada dessa tendência ao dirigismo e ao fiscalismo, que encaram a atividade econômica como um “mal necessário”, a ser contido e limitado, sendo só tolerável na medida em que indispensável à arrecadação do Estado.

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*Eduardo Augusto de Oliveira Ramires sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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