A questão fundiária na Legislação brasileira
Antônio Ribeiro Romanelli*
A constituição Política do Império do Brasil, “jurada” em 25 de março de 1924, tratou da questão da propriedade da seguinte forma, em seu artigo 179: “É garantido o Direito de Propriedade em toda sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e empreso da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos em que terá lugar essa única exceção, e dará as regras para determinar a indenização”.
Com a suspensão das concessões das sesmarias e o advento das entradas e bandeiras, passou a viger um sistema extralegal, em que predominava a simples ocupação, a posse sem título dominial.
A precariedade da situação foi sentida intensamente, sendo promulgada a Lei nº 601/1850 (clique aqui), regulamentando a titulação das terras. Isso introduziu algumas novidades. Uma delas foi a devolução, pelo comisso, de terras à Coroa, introduzindo, ainda a proibição de “aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra”. Também foi criada a Ação Discriminatória, determinando “extremar o domínio público do particular”.
Pode-se afirmar que foi com esta Lei e de seu regulamento, Decreto nº 1.318/1854, que se tratou, pela primeira vez, da regularização da titulação da propriedade rural no Brasil, podo cobro ao caótico sistema de simples ocupação. Além de extremar - ou tentar fazê-lo - as terras públicas das particulares –, definia o que se deveria entender por terras devolutas.
Instituiu a faculdade para fins de legitimação da propriedade, de se registrarem as “terras possuídas”, dando origem a uma instituição que, a rigor, pode-se dizer que foi o germe do primeiro Registro Público Imobiliário no Brasil e que ficou conhecido como o Registro do Vigário (Dec. 1318/1854), dando foros de legalidade aos registros paroquiais já antes instituídos pelas autoridades eclesiásticas, mas, até então sem reconhecimento legal.
Esse instrumento serviu para uma reiterada fraude, pois, aproveitando-se da falta de instrução dos pequenos agricultores, arquitetavam-se “plantas” de terras possuídas para apropriar-se de terrenos que estavam em mão de pequenos lavradores há muito tempo.
A Constituição de 1934 introduz a primeira “brecha” ao conceito da Propriedade Privada Absoluta, materializada na limitação de seu exercício, com a introdução do conceito de interesse social e coletivo e na Usucapião Pro Labore. A Constituição de 1946 trouxe inovação quanto ao uso da propriedade (em forma mais clara que as anteriores). Surge, pela primeira vez na legislação brasileira, a preocupação com a fixação do homem no campo, numa premonição quanto ao fenômeno sócio-econômico da “favelização” e da exclusão.
A Emenda Constitucional nº 10/1964, introduziu inovação importante no sistema legal de indenização por expropriação da propriedade rural, nos termos previstos na legislação, antecipando a promulgação da Lei 4.504/1964 (clique aqui), chamado Estatuto da Terra.
A maior parte das disposições constitucionais, por não serem auto-aplicáveis (dependem de lei própria), permanecera por bastante tempo sem se poder - ou querer - aplicar a desapropriações, já que, nesse aspecto, se entenderam revogadas as disposições contidas na Lei 4.504/1964 (clique aqui).
A Lei 8.629/1993 (clique aqui) veio regulamentar os dispositivos constitucionais relativos à Reforma Agrária, preenchendo lacuna que impedia a implantação de uma Reforma Agrária que pudesse, em realidade, atender às inadiáveis necessidades do País em rever seu sistema fundiário.
Em julho de 1993, é que, finalmente, foi publicada a Lei Complementar nº 76, a qual “Dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária”.
Temos, hoje, instrumentos legais. Falta, como de há longos anos, vontade política.
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*Diretor do Departamento de Direito Civil do
IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais
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