Homenagem in memorian
ao Prof.Tobias Barreto (Da Escola do Recife e Membro da Academia Brasileira de Letras), quando disse:"Deixemos de cerimônias e digamos toda a verdade"; e
"...são capazes de fabricar processos para julgar e condenar os seus inimigos".
Resumo
Incumbe exclusivamente ao Ministério Público a análise sobre crime. Princípios da tipicidade penal e da legalidade. Crime comum ou de qualquer espécie somente se julga no âmbito do Poder Judiciário, nos termos do Código Penal e de Processo Penal. Encontra-se vedado aos magistrados o exercício de qualquer função alheia a do Poder Judiciário. O contido na CF prevalece sobre a lei 1.079/50, em respeito aos princípios lex superiori posteriori revogat lex anterior inferiori . Hierarquia vertical e validade normativa da Carta da República.
Vejamos.
A palavra crime vincula-se direta e objetivamente a ato criminoso, nos termos dos artigos 14 e 18 do CP (lei 7.209/84), na forma consumada ou tentada e dolosa, como corrupção, lavagem de dinheiro, estelionato (de qualquer tipo, inclusive estelionato político), desvio ou malversação de verbas públicas, dentre outros crimes ou delitos.
Crime difere de ilícito administrativo, civil, trabalhista, tributário, de ato político de responsabilidade ou de improbidade.
A lei 1.079/50 do impeachment foi aprovada pelo Presidente dos Estados Unidos do Brasil, Marechal Eurico Gaspar Dutra (governo que vigorou no período de 31.1.1946 à 31.1.1951); nesta época tinha-se o CP de 1940 (dec-lei 2.848/40), e a Constituição de 1946, nela não constava a exclusividade do Ministério Público para promover ação penal.
Portanto, a lei 1.079/50 é norma especial ordinária anterior e inferior a CF de 1988.
O disposto no artigo 85 da Carta Magna atual prescreve crime de responsabilidade, que advém desde a Constituição de 1891-art. 53, demonstrando cópias legislativas sucessivas, passando pelas Constituições de 1934-art.57, 1937-art.85, 1946-art.88, 1967/1969-art.82).
Na Constituição de 1934 o Presidente da República era eleito por escrutínio secreto e maioria de votos da Assembleia Nacional.
Na Carta de 1937, o Presidente da República era escolhido por um Colégio Eleitoral composto por no máximo 25 eleitores designados pelas Câmaras Municipais; 50 designados pelo Conselho da Economia; 25 eleitores designados pela Câmara dos Deputados, e 25 pelo Conselho Federal, dentre cidadãos de notória reputação.
Já a EC 4 (de 2 de setembro de 1961) institui o sistema parlamentar de governo brasileiro e o Presidente da República era eleito pelo Congresso Nacional.
No sistema parlamentarista o Congresso Nacional dissolve o 1º ministro e sua equipe, jamais o Chefe de Estado, este só através de ação penal por denúncia do MP, recebida pelo Supremo Tribunal Federal, assim rege o sistema acusatório democrático (sobre a imputação de crime), após Constituição de 1988, o Presidente da República é o mandatário da Nação via sufrágio universal em eleição direta e popular.
Hoje, o artigo 129, I da Constituição de 1988, é regra geral e prevalente.
Cabe ao legislativo, discutir e aprovar nova lei de impeachment, enquanto isto não acontecer, resta aos bons intérpretes do Direito consertar o equívoco.
Corretamente, a Constituição de 1988 (lei 1.079/50), deveria ter consignado a expressão ato funcional administrativo-político de responsabilidade do Presidente da República, e não a crime, propriamente dito.
A competência para julgar crime/delito e aplicar a respectiva pena é indelegável e intransferível. Ninguém será processado e nem julgado senão pela autoridade competente (art. 5º, inc. liii CF).
Somente se processa e se julga crime através de ação penal pública “ex vi” do artigo 100 e segts. do CP c.c. artigo 24 e segts do CPP, e nesta hipótese não se aplica subsidiariamente a lei 1.079/50.
Se há crime, o processo é penal, e não político.
Processar o Presidente da República por crime perante o Senado Federal e não via Poder Judiciário, poder-se-ia até pensar em mandado de segurança para proteger direito líquido e certo (lei 12.016/09 e art. 5º lxix CF/88), ao configurar incompetência de juízo e simulacro de tribunal, bem como violações aos princípios da legalidade, da obrigatoriedade e "non bis in idem".
Uma vez iniciado o processamento com o afastamento provisório do Chefe de Estado pelo Legislativo, dificilmente reassumirá seu cargo, posto que a decisão de processar e de condenar será política e não jurídica; assim “sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”, caberá mandado de segurança.
E na hipótese de ser proposto mandado segurança por violação ou ameaça de direito, perante o Pretório Excelso, surge outra questão, ou seja, o presidente do STF passará a atuar em dois processos, isto é, no de impeachement e no mandado de segurança (quando levado à deliberação em plenário), ocasionando verdadeiro “aberratio iuris”, posto que por foro íntimo, cabe a declinação de participação.
A lei 1.079/50, não foi acolhida e muito menos recepcionada pela CF de 1988, se trata de norma inferior e anterior que não se coaduna aos postulados de uma verdadeira República Democrática.
O efetivo e devido processo-crime só pode ter origem com a denúncia, exordial ou peça vestibular acusatória apresentada privativamente pelo MP, de acordo com o princípio da obrigatoriedade, por sua qualidade de “dominus litis”, titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, I CF) e do "opinio delict".
Não existe crime sem pena criminal devidamente cominada, em respeito aos princípios da taxatividade e da anterioridade da lei, assegurados no art. 1º do Código Penal onde prescreve: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Se há delito, este corresponderá a uma sanção do tipo privativa de liberdade, restritivas de direito e/ou multa (art. 32 CP cc. art. 5º xlvi CF/88), por meio de processo-crime com tramite ante o Poder Judiciário, por seu juiz natural, e mais ninguém.
É defeso aos senadores o exercício da função de juízes criminais, como estipula o art. 68 (Lei nº 1.079/1950): “O julgamento será feito, em votação nominal pelos senadores desimpedidos que responderão "sim" ou "não" à seguinte pergunta enunciada pelo Presidente: "Cometeu o acusado... o crime que lhe é imputado (grifei)...?”
A função de magistrado é privativa, reserva-se somente àqueles que foram aprovados em concurso público para o cargo de juiz substituto (art. 93, I CF) ou de ministros escolhidos pelo presidente da República (Parágrafo único, art. 101 CF), sendo função indelegável conforme expressa a CF; portanto, nenhuma lei especial e ordinária poderá prever que senador ou quem quer que seja, assuma a magistratura, como se “juiz fosse”, ou justiceiros no exercício arbitrário das próprias razões, para satisfazer pretensões políticas.
No sistema presidencialista, adotado pela Constituição de 1988, só ao Procurador-Geral da República e ao STF compete analisar o mérito de ato criminoso (comum ou não), para processar e julgar o Chefe do Executivo; e, sendo recebida a denúncia pelo STF, aí sim ficará suspenso de suas funções por 180 dias (art. 86 § 1º, I CF), por ordem emanada do Judiciário, e não por votação plenária do Legislativo.
Mais uma vez, repetimos, se o ministro presidente do STF atua no julgamento do Legislativo (art.27 da lei 1.079/50) e também no Judiciário (art.102, I “b” CF), o mesmo magistrado atuará duas vezes em instâncias distintas, ferindo flagrantemente o princípio da imparcialidade, sem olvidar das incompatibilidades e dos impedimentos (art.112 CPP) e a possibilidade de arguição de suspeição (art. 95, I CPP).
A perda do cargo do Chefe do Poder Executivo só ocorre após o exercício da ampla defesa e do contraditório, com condenação transitada em julgado (art. 5º, LVII CF), proferida por juiz ou tribunal competente, e ninguém pode ser privado de seus bens, direitos e liberdades fundamentais sem o devido processo legal.
A CF assegura direito individual fundamental ao Chefe do Executivo, de não ser preso nem mesmo em flagrante delito (art.§ 3, art. 86 CF); por outro lado, não possui a garantia do duplo grau de jurisdição, como é assegurado a qualquer cidadão da república (arts. 86 e 102, I “b” CF); vez que é processado e julgado diretamente pela Corte Suprema.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU/1966-BR/1992) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA/1969-BR/1992), expõe esta e outras garantias judiciais, nos artigos 14, e 8º, respectivamente.
Todo dispositivo contido no Texto Maior prevalece sobre a lei ordinária do impeachment.
O STF julgou parcialmente procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 378), ao discutir a validade da lei 1.079/50, isto significa jurisprudência, fonte secundária do direito e não fonte primaz (a Constituição).
E o parágrafo único do artigo 95 da Carta Magna veda aos magistrados (leia-se ministros de Tribunais Superiores, desembargadores, juízes Federais e juízes de Direito) exercerem qualquer cargo ou função pública alheia ao Poder Judiciário; onde se conclui que o Ministro presidente do STF não lhe compete exercício no Legislativo, ainda que expresso na lei 1.097/50, porque a Constituição de 1988 estabelece de modo diverso.
Os poderes de República são independentes e harmônicos entre si, ao presidente do STF e também do CNJ, incumbe preservar o sistema jurídico acusatório democrático, se desvinculando do Legislativo.
Ademais, considerando que os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por qualquer de suas opiniões, palavras e votos (art. 53 CF), só poderão ser presos, em flagrante delito, por crime inafiançável; e mais, possuem prerrogativa de foro, submetidos a indiciamento, processamento ante o STF.
E o poder de polícia do Presidente do STF com funções no Senado é limitadíssimo, para não dizer inócuo, pois se resume em suspender a sessão e proibir manifestações; determinar que algum senador se retire do Plenário na ocorrência de incidente, é impossível, pois estando na esquisita função de “juiz”, é o mesmo que cassar ou impedir que participe do julgamento, decida ou sentencie.
A lei 1.079/50, aplicada hoje, após a vigência da CF, torna-se no mínimo uma prática cômica ou “caso de polícia”.
Não cabe ao Poder Legislativo, isto é, ao Senado da República se transformar em instância julgadora, em tribunal de justiça, investido extraordinariamente em tribunal político-jurídico, porque configura juízo ou júri de exceção, terminantemente proibido pela Carta Magna (art. 5º XXXVII CF), e pelos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, aderidos pela República Federativa do Brasil.
Nem todo ato ilícito ou prática político-administrativa que atente contra à Constituição significa necessariamente crime. Como ato de improbidade (não é crime propriamente dito) ainda que cause enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário e que atente contra princípios da administração pública (art. 37 CF), por ação ou omissão violadora dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições (Poderes do Estado, Tribunal de Contas, Ministério Público, Polícia Federal...) praticado por qualquer agente público (lei 8.429/92), inclusive o Presidente da República, este, deverá ser processado e julgado pelo Pretório Excelso, face a prerrogativa de função durante a vigência do mandato.
Na situação de ato de responsabilidade ou de improbidade que envolva o presidente da República, a Câmara dos Deputados e/ou o Senado Federal, poderão instituir CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito (art.50 CF), para investigar e convocar ministros de Estado, autoridade ou cidadão, a fim de prestarem esclarecimentos sobre fatos determinados. E ao se concluírem os trabalhos (relatório) com indício de crime (de qualquer tipo ou espécie), os documentos e provas deverão, obrigatoriamente, ser remetido ao MP, instituição única e exclusiva para imputar crime, a quem quer que seja.
Estamos nos referindo a ação civil pública (lei 7.347/85) pela prática de ato de improbidade (lei 8.429/92), e não a crime, mas a ato de responsabilidade por dano ao patrimônio público, cujas penas são a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos.
O CP também prevê a pena restritiva de direitos (art 43 CP), autônoma, na espécie de interdição temporária de direitos, como substitutiva da sanção privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos.
Reiteramos. Se existe crime, cabe ao MP propor ação penal pública perante o STF para processar e julgar. E a falta de propositura de ação penal pública configura crime de prevaricação (art. 319 CP).
Os crimes tipificados no artigo 359-A e D do CP, de contratação de operações de crédito feita por autoridades do governo, as chamadas "pedaladas fiscais"; e de ordenação de despesas não autorizada; cominam pena de até 4 anos de reclusão.
Há previsão destes crimes no CP, assim, incumbe com obrigatoriedade e exclusividade ao Ministério Público propor ação penal, e não ao Parlamento Nacional; do contrário estaremos diante de flagrante "bis in idem", princípio de Direitos Humanos que impede duplo processamento pelo mesmo fato, um com trâmite no Poder Judiciário e outro no âmbito do Poder Legislativo, cada qual com sua nomenclatura.
Se o Tribunal de Contas da União mudou sua orientação ao entender que houve irregularidades nos decretos de suplementação de crédito, editados da presidente afastada, este entendimento foi posterior ao ato, analogicamente, impera o princípio da irretroatividade, nos termos da CF (art. 5º, xxxix) e do CP (art.1º); a norma só retroage para beneficiar e não prejudicar, “não há crime sem lei anterior” ou jurisprudência (leia-se, lei para o caso concreto).
O que se tem na prática jurídica brasileira, nada mais é do que um misto de presidencialismo com parlamentarismo (“impeachment tupiniquim”), ou um sistema presidencialista “flex” interpretado pelo “jeitinho e mentalidade brasileira”.
O MPF em Brasília (MPF/DF) enviou à JF um pedido de arquivamento à possível prática do crime previsto no artigo 359-A do CP, quanto ao crime de contratação de operações de crédito feita por autoridades do governo da presidente Dilma Rousseff, nas chamadas "pedaladas fiscais". Com relação ao crime do artigo 359-D do CP, referente a ordenação de despesas não autorizada, será instaurado novo Procedimento Investigatório Criminal (Procedimento Investigatório Criminal Nº 1.16.000.001686/2015-25. Brasília/DF, 14.7.16).
Conclui-se que não houve crime de contratação de operações de crédito; porém, resta o crime de ordenação de despesas não autorizadas. É difícil ver tantas ambiguidades e antinomias jurídicas, a repressão se acomoda de acordo com as próprias necessidades, para fazer valer o continuado e recorrente tráfico de poder. Salve-se quem puder ou quem tiver poder! "Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia", diria Carlos Drummond de Andrade.
O Poder Legislativo condena o presidente da República com a perda do cargo, e o Poder Judiciário entende que a acusação ministerial é absurda por faltar base para a imputação e carência de precisão probatória.
Assim, o crime que não é crime, vale no Legislativo e não vale no Judiciário.
Razão pela qual cito Rui Barbosa: "Há, na política brasileira, um vício secreto e inveterado, que corrói todos os regímens, inutiliza todas as reformas, confunde na mesma esterilidade para o bem todos os partidos. É esse defeito ordinário e incurável dos homens públicos: a insinceridade profissional." (ed. Migalhas vol I).
É preciso efetivar a autotutela de controle universal da teoria e doutrina dos Direitos Humanos, não a opinião subjetiva e (des)compromissadas de certos juristas, embora muitos honestos, alguns avaliam suas teses segundo interesses plantonistas.
A questão principal ou de fundo (sobre o que é crime; quem detêm a exclusividade para denunciar; quem compete julgar crime; o que é juiz natural ou júri de exceção; sobre a proibição constitucional de magistrado exercer função alheia a do Poder Judiciário; e qual a validade da Constituição frente norma inferior) não foi bem tratada pelos preclaros jurisconsultos brasileiros, o que mereceria mandado de segurança.
A lei 1.079/50, desde aquela época pretendeu dar uma roupagem ao processo de impeachment de “tribunal jurídico” que tramita no Senado, foi uma tentativa de passar a ideia de estrita legalidade, transparência e imparcialidade, através da participação do Ministro Presidente da Excelsa Corte.
O que não se justifica, muitos dos senhores senadores sequer possuem conhecimento jurídico, são totalmente parciais, publicam e declaram seus votos antecipadamente, julgam de acordo a interesses políticos, a favor ou contra o impeachment, isto é, já estão decididos a condenar ou absolver, independentemente das provas, das declarações e oitivas de testemunhas, pouco importa a apresentação das alegações da defesa ou da acusação, onde o livre convencimento nunca será isento, e sim partidário.
Os senadores investidos na sui generis função de juízes, não permanecem presentes ao trabalho completo da audiência de instrução, entram e saem do Plenário a qualquer instante, razão que poder-se-ia levantar também, a questão de falta de quórum de julgadores.
As atividades do Poder Legislativo não se misturam com as atribuições e competências do Poder Judiciário.
Pasmem. Só para relembrar.
Com a instalação do regime militar (1964), através dos Atos Institucionais e Complementares que revogaram as disposições constitucionais ou legais em contrário. O chefe do Executivo com amplos poderes decretou recesso ao Congresso Nacional e proibiu o Poder Judiciário de apreciar atos ou de se manifestar contra os propósitos do sistema jurídico-político ditatorial implementado, que se legitimava; restando defeso ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário imputar ou decidir a respeito de crime de responsabilidade do Presidente da República; assim sendo, a Constituição de 1946 e a lei 1.079/50, por se encontrarem em desacordo com os ideais revolucionários, foram revogadas.
A CF de 1988, não expressa que o processo de impeachment será presido pelo ministro presidente do STF; como também não consta nas Constituições de 1967/69, e na Carta Magna de 1946, anterior a lei 1.079/50.
Quando entrou em vigor o novo sistema jurídico democrático adotado pela Constituição de 1988, caberia ao Poder Legislativo (Câmara Federal e Senado da República) discutir, votar e aprovar nova lei do impeachment.
Certo que as Constituições de 1967/69 e a de 5.10.1988, todas se referem a crimes de responsabilidade do Presidente da República, mas até o presente momento não foi editada ou sancionada lei especial para regulamentar o devido processo legal do impeachment; neste sentido, existe um vácuo legislativo, e este vazio legal não pode ser emendado por regras inferiores como Regimento Interno da Câmara dos Deputados e dos Senadores.
Utilizar norma revogada (lei 1.079/50) torna o ato jurídico ou o processo ilícito e inválido. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, trata-se do princípio da lei vigente no tempo.
Os mesmo vícios e erros (aberratio iuris) se repetem no impeachment de 2016, agora resta o Ministério Público solicitar arquivamento ou apresentar denuncia ao STF, e este arquivar ou considerar inepta a acusação.
Se o Chefe de Estado é cassado não disfruta do foro por prerrogativa de função; mesmo tendo renunciado ao cargo, ocorreu julgamento em 1994 pelo STF, e Collor de Mello passou a integrar o quadro de ex-presidentes da república, com direito a salário, servidores públicos à sua inteira e exclusiva disposição, dentre assessores, seguranças e motoristas, todos com funções gratificadas, e dois veículos novos de luxo sem limite de gastos com combustível (ver leis 7.474/86; 8.889/94/ 10.609/02 e decreto 6.381/08).
Novo e esperado desfecho poderá suceder, mas a população brasileira composta por não letrados, leigos, rábulas e jurisconsultos, pouco se surpreenderá.
No provérbio popular “a Justiça tarda mas não falha”; significa que a Verdade deste aberratio iuris virá a tona, mais cedo ou mais tarde, pois a verdade não se esconde de muitos por muito tempo, é como Cristo, ressuscita.
Certa oportunidade, o francês Jacques-Yves Cousteau, foi indagado: Por que filmava nas profundezas dos oceanos? Respondeu o saudoso oceanógrafo: “só se protege o que se conhece”; analogicamente, as questões penais de fundo envolvidas na escuridão deste imenso mar revolto e traiçoeiro do impeachment, demonstra falta de saber interpretativo constitucional-penal, não se dividem e não se subdividem conceitos indivisíveis.
Acusações e provas de grandes desvios e lavagens de dinheiro público são divulgadas constantemente, são práticas ilícitas muito mais graves do que as denominadas “pedaladas fiscais”, numa espécie rede organizada de corrupção institucionalizada entre autoridades do Estado em concursus delictorum com altos empresários (criminosos do colarinho branco), na forma continuada, mesmo assim não foram imputadas diretamente no processo de impeachment (ex. Mensalão, Petrolão, Usina de Angra dos Reis, Furnas/Itaipu, BNDS com financiamentos internacionais secretos, os superfaturamento dos cursos das obras da Copa da Fifa-2014 e da Olimpíadas Rio-2016, etc.).
Datíssima vênia, não se trata de ser contra o impeachment de 2016, e sim a favor do devido processo legal, das garantias fundamentais e da segurança jurídica no Estado Democrático, para resgatar e salvar a importância da Justiça.
A legislação deve ser interpretada e aplicada corretamente à luz dos Direitos Humanos, esta tarefa incumbe aos fiscais da lei, onde “O Ministério Público não recebe ordem do Governo, não presta obediência aos Juízes, pois atua com autonomia em nome da sociedade, da lei e da Justiça” PRUDENTE DE MORAES 1º Presidente civil do Brasil (1894-1898).
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*Cândido Furtado Maia Neto é procurador de Justiça do MP/PR. Pós-Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Professor Pesquisador e de Pós-Graduação. Docente para Cursos Avançados de Direitos Humanos e Prática de Justiça Criminal no Estado Democrático. Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Membro da Associação Nacional de Direitos Humanos (Andhep), do CONSINTER - Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em pós-graduação e da Sociedade Europeia de Criminologia.