Considerações sobre a impossibilidade de exigência de recolhimento ao FGTS sobre parcela de remuneração paga no exterior a trabalhador estrangeiro residente no Brasil
Daniela Moreira Sampaio Ribeiro *
A referida Nota Técnica nº 2 foi apreciada e aprovada pela Consultoria Jurídica do MTE, por meio da NOTA/CONJUR/MTE nº 472/2005 de 30.9.2005, e vem causando dúvidas por parte das empresas quanto à legalidade de tal incidência. Analisando-se o texto da Nota Técnica verifica-se que os seus fundamentos são amplamente discutíveis, pelo que se vislumbram algumas vulnerabilidades passíveis de discussão.1
Sabe-se que o direito ao fundo de garantia está elencado entre os Direitos Sociais previstos na Constituição Federal (artigo 7º, inciso III) e possui clara natureza de direito individual do trabalhador, sendo por isso irrenunciável e sujeito a fiscalização dos órgãos de proteção e inspeção do trabalho. Trata-se de direito de natureza obrigacional na relação empregado/empregador, cujo objetivo é a proteção do trabalhador em hipóteses de extinção do contrato de trabalho e outras situações, legalmente tipificadas, que o deixem em situação de necessidade inesperada.
Por sua vez, o FGTS encontra disciplina na Lei nº 8.036/90, cujo artigo 15 estabelece que todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia sete de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a oito por cento da remuneração paga ou devida no mês anterior a cada trabalhador, considerando, além do salário, todos os pagamentos indiretos, tais como a gorjeta, as comissões e os pagamentos in natura.
Partindo dessas premissas, tem-se que o primeiro ponto discutível da referida Nota Técnica nº 2 reside na própria razão de existir do FGTS.
Assim, demonstrando-se que no país de origem do trabalhador também lhe é assegurado outro direito equivalente ao FGTS, este já estaria garantido pela empresa estrangeira, de modo que seria desnecessário e impertinente que a empresa brasileira arque com ônus já imposto à outra empresa, ainda que do mesmo grupo. Em outras palavras, uma vez satisfeita a obrigação instituída pelo artigo 7º, inciso III, da Constitução da República, porque o seu objeto estaria satisfeito, ainda que por terceiro e no exterior, não há que se falar em obrigação por parte da empresa brasileira ou de qualquer outra, no Brasil.
Vale lembrar que essa garantia, semelhante à do FGTS, ocorre em vários países que seguem as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho no que diz respeito à cobertura do risco do desemprego involuntário, ressalvando-se a importância do exame de cada caso concreto, para que se verifique a legislação do país de origem do empregado.
Um outro ponto questionável do entendimento da SIT/MTE, possível de ser ventilado, repousa no fato de que o conceito de empregador, para fins de FGTS, por se encontrar em Lei especial, não coincide com o conceito da Consolidação das Leis do Trabalho. Conforme dispõe o § 2º do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, as empresas que integram um mesmo grupo econômico são solidariamente responsáveis pelas obrigações para com os empregados uma da outra. Porém, afastando-se essa regra e considerando-se apenas a definição de “empregador” constante do artigo 15 da Lei nº 8.036/90, torna-se no mínimo discutível a atribuição de responsabilidade da empresa no Brasil em face do não recolhimento do FGTS sobre a parcela paga no exterior por pessoa jurídica distinta, apesar de integrante do mesmo grupo econômico.
Por fim, outro ponto que vulnera o entendimento constante da Nota Técnica nº 2 são as dificuldades práticas com relação ao recolhimento do FGTS sobre essa parcela paga no exterior por um terceiro, ainda que integrante do mesmo grupo econômico, uma vez que o Ministério do Trabalho não regulamentou a forma desse recolhimento de modo a possibilitar que as empresas brasileiras o procedam. Não há, na prática, como ser recolhido o FGTS sobre esta parcela paga no exterior. Inclusive, nem mesmo as instruções da Caixa Econômica Federal para preenchimento da GFIP prevêem tal receita.
Caso a empresa brasileira venha a lançar na guia de recolhimento do FGTS um somatório da remuneração paga no Brasil e a paga no exterior, além de refletir uma falsa realidade econômica que poderia ter efeitos danosos para a contabilidade da empresa, certamente gerará uma incompatibilidade entre este lançamento e as informação constantes da RAIS, CAGED, etc. Seria, assim, um dever de difícil execução.
Portanto, seja porque o objeto da obrigação estará em princípio devidamente cumprido se o empregado dispuser de benefício similar ao nosso FGTS no país de origem, seja porque é questionável a identidade entre o conceito de empregador, para fins de recolhimento ao FGTS, e o conceito de empregador constante da Consolidação das Leis do Trabalho, ou ainda porque inexistem meios mecânicos para operacionalizar esse recolhimento, tem-se que é discutível a obrigatoriedade do recolhimento deste pela empresa brasileira, nos termos da Nota Técnica nº 2 do MTE.
As empresas devem ficar atentas, pois, em caso de autuação pelas autoridades fiscalizadoras, a exigibilidade desse recolhimento pode ser questionada via mandado de segurança, por violação a direito líquido e certo da empresa impetrante a não ser submetida a exação sem fundamento legal válido (art. 5º, II da CF), violação de direito à propriedade (art. 5º da CF, caput), sem prejuízo de outros argumentos decorrentes do exame de cada caso concreto.
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1A Nota Informativa de 1º.9.05, processo nº 46016.002339/2005-95, da SIT/MTE, analisa a Nota Técnica nº 02, de 12.8.05, da CGIg/MTE. A NOTA/CONJUR/MTE nº 472/2005, de 30.9.2005, analisa as duas notas antes referidas.
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*Advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados
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