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10 anos de lei Maria da Penha

Estado deve estar atento a essa situação procurando efetivar as políticas publicas na prevenção. Poder Judiciário deve garantir a aplicação das leis que protegem a mulher.

17/8/2016

Há exatos 10 anos foi publicada a lei 11.340, visando à criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar e eliminar todas as formas de discriminação contra as mulheres.

Conforme a definição constante no artigo 6º da referida lei, a violência contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos e ocorre das mais variadas maneiras.

À época da publicação da lei, estava em maior evidência a violência física sofrida pelas mulheres, provocada por seus próprios parceiros, principalmente em razão do caso 12.051/OEA, de Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de violência doméstica durante 23 anos de casamento.

Por duas vezes, o marido de Maria da Penha tentou assassiná-la. Na primeira tentativa utilizou arma de fogo, deixando-a paraplégica. A segunda foi por eletrocussão e afogamento.

Somente após a segunda tentativa de homicídio, Maria da Penha venceu o medo do próprio parceiro e o denunciou. Contudo, o ex-marido só foi punido após um julgamento que se arrastou por 19 anos e ficou apenas dois anos preso em regime fechado.

Em razão desse caso, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional e o Comitê Latino - Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), juntamente com a vítima, formalizou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, ocasião em que o Brasil foi condenado por não dispor de mecanismos suficientes e eficientes para coibir a prática de violência doméstica contra a mulher.

Diante desse fato, foi publicada no dia 7 de agosto de 2006 a lei 11.340, que tornou mais rígidas as punições em casos de violência doméstica e passou a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres.

Tendo em vista a história de Maria da Penha, a lei 11.340 foi apelidada com seu nome e dispõe, de forma expressa, que qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher configura tipo penal especial de violência.

Atualmente, a norma é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência de gênero.

A lei também alterou o CP, com a inclusão do parágrafo 9º ao artigo 129, possibilitando que agressores de mulheres em âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Estes agressores também não poderão mais ser punidos com penas alternativas.

Além disso, a legislação aumenta o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. A lei prevê, ainda, medidas que vão desde a remoção do agressor do domicílio à proibição de sua aproximação da mulher agredida.

Ainda na esteira dos avanços relativos à questão de gênero, em 2015 foi publicada a lei do feminicídio (lei 13.104), que passa a prever o assassinato contra mulheres como crimes hediondo.

A lei Maria da Penha também dispõe, em rol não exaustivo, sobre as formas de violência contra a mulher em razão do gênero. Dentre essas formas de violência estão a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral.

Há que se ter em mente que nem toda violência física se constitui em espancamento - arremessar objetos com a intenção de machucar, sacudir e segurar com força uma mulher também o é. Violência sexual não é exclusivamente forçar a relação sexual, mas também obrigar a mulher a realizar atos sexuais que causam desconforto ou repulsa, impedi-la de usar métodos contraceptivos ou obrigá-la a abortar, por exemplo.

Dentre os variados tipos de violência podem-se destacar algumas condutas não tão evidentes, tais como a desvalorização moral, a diminuição da autoestima, a restrição da liberdade de crença, o controle e opressão bem como a exposição da vida íntima do casal.

Certo é que nesses 10 anos de vigência da lei, outros tipos de violência foram identificados e incluídos na norma. Entre os tipos de crime mais atuais está a revenge porn (ou vingança pornográfica), que trata-se da disseminação não consentida de imagens íntimas na internet. Esse tipo de ação geralmente ocorre quando o agressor, homem ou mulher, inconformado em razão de término de relacionamento, muitas vezes chantageia o ex-parceiro obrigando-o a fazer sexo em troca de não divulgar as imagens.

Outro grande problema no caso do revenge porn é que a vítima deve buscar a persecução penal por conta própria, haja vista que a ação penal não é pública e a Defensoria Pública, na maioria das vezes, diz não ter condições de cuidar desses tipos de casos.

Violência por parte das instituições

A violência institucional é aquela exercida nos próprios serviços públicos por ação ou omissão. Abrange abusos cometidos em virtude das relações de poder desiguais entre usuários e profissionais dentro das instituições e pode ser identificada sob as formas de preconceitos em relação às mulheres soropositivas [HIV], maus-tratos dos profissionais motivados por discriminação, abrangendo questões de raça, idade, opção sexual, deficiência física ou doença mental.

Já a violência obstétrica se caracteriza pelo desrespeito à mulher e seus processos reprodutivos e se dá por meio do tratamento desumano transformando os processos naturais do parto em doença ou abuso da medicalização, negando às mulheres a possibilidade de decidir sobre seus corpos, agrupando atos de desrespeito, assédio moral e físico, abuso e negligência.

Como exemplos, podemos citar a episiotomia (pequeno corte feito no períneo - um grupo de músculos que sustenta os órgãos pélvicos - para facilitar a saída o bebê), com a posterior sutura apelidada de “ponto do marido”; a infusão intravenosa (ocitocina sintética) para aceleração do parto (por vezes feito apenas para liberação de leitos); tudo feito sem a informação e consentimento da mulher; a negação do direito a acompanhante durante o parto, entre outras.

Esse tipo de violência caracteriza-se por um tipo de agressão que ocorre em um momento em que a mulher está fragilizada e não possui meios de se defender, sendo certo que até a possibilidade de defesa lhe é tolhida, uma vez que que não sabe o que está sendo feito com seu corpo e a quais procedimentos está sendo submetida.

A aplicação da lei Maria da Penha pode e deve ser largamente aplicada a esse tipo de caso, tendo em vista que nela vem prevista a violência psicológica. Contudo, não é o que vem ocorrendo, pois a norma não vem sendo utilizada nesses casos.

Avanços

Certo é que desde a publicação da lei Maria da Penha, muitos avanços foram atingidos, apesar das dificuldades. Um grande passo foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica. Além disso, passou a ser impossível a suspensão condicional do processo nos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Também passou a ser proibido o cumprimento de penas por meio de cestas básicas ou multas, e medidas protetivas passaram a ser concedidas como a suspensão do porte de armas do agressor, o afastamento do lar e uma distância mínima em relação à vítima e aos filhos. Existe ainda a possibilidade da prisão preventiva ser decretada se houver riscos de a mulher ser novamente agredida e o (a) agressor (a) ser obrigado a comparecer a programas de recuperação e reeducação.

Não se pode omitir também a participação social na busca de soluções para o problema da violência contra a mulher, como por exemplo, a criação da Rede Social Lei Maria da Penha (https://leimariadapenha.com.br/), por um grupo de mulheres voluntárias, que tem o objetivo de reunir pessoas interessadas em compartilhar informações sobre a lei e sua aplicação, proporcionando, assim, maior conscientização da população.

Apesar do conhecimento público da lei, é importante ter em mente que não se deve julgar a mulher que permanece em uma relação violenta, a mulher que sofre calada, mas, sobretudo procurar entendê-la, esclarecê-la e ajudá-la a sair da situação.

A violência doméstica não é um problema particular e deve ser denunciado, sendo certo que o Estado deve estar atento a essa situação procurando efetivar as políticas publicas na prevenção desse tipo de violência, bem como o Poder Judiciário deve garantir a aplicação das leis que protegem a mulher, possibilitando a segurança social da forma mais ampla e justa possível.

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*Susana Pinto da Cunha é advogada do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados.

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