Apesar da disposição geográfica e da ilusão psicológica que isso talvez possa criar nos britânicos, a Grã-Bretanha, composta pela Escócia, Países de Gales, Irlanda do Norte e Inglaterra, não deve ser concebida como uma “ilha”. Ora, não é qualquer país ou Estado soberano que pode pretender ser mais forte que uma organização maior que ele mesmo, sob pena de padecer com a própria ideia de grandeza.
A monarquia britânica ensina ao mundo e principalmente aos seus súditos que não há magnitude que não possua suas fragilidades. Os países estão todos conectados de forma que as relações entre eles suprem deficiências e limitações que, juntos, completam uns aos outros e tornam as transações possíveis para poderem atender às necessidades da própria economia.
Os países compostos pela UE fazem parte de uma rede de sustentabilidade de forma que a ruptura de uma das ligas geraria um desconfortante isolamento que poderia repercutir em consequências nefastas para o desenvolvimento social e econômico dos países do bloco. Ao divorciar-se do bloco do qual pertence, seus interesses ficam menos robustos para barganhar e negociar frente às demais forças internacionais.
Muito longe de se ater ao protecionismo, o que está sendo defendido é o sistema de cooperação mútua que todos os países que compõem um bloco econômico estão inseridos. Por outro lado, há o comprometimento com as regras do grupo para usufruir da máxima “a união faz a força”, afinal, tudo tem seu preço. Neste cenário, o que deve ser avaliado é se seria louvável arcar com este ônus.
A despeito da questão migratória, das imposições de moeda única com a adoção do Euro em detrimento da Libra e demais impactos políticos, o que se pretende avaliar são os possíveis efeitos comerciais e tributários de tal decisão.
O que justifica a ruptura com o grupo pelo qual se faz parte é quando as diferenças se sobrepõem às semelhanças, de forma que não seria mais vantajoso financeiramente, fazer parte dele. Um dos fundamentos dos britânicos que são a favor da saída do bloco é sustentado pela justificativa na qual o Reino Unido mais contribui com a UE do que recebe recursos e que isso seria a justificativa primordial para o divórcio. Por outro lado, esta opção poderia culminar em perda de confiança e um rombo nas finanças públicas gerando o famigerado aumento de impostos. Isto é justificável, pois o alicerce da UE está sustentado na Alemanha, França e Reino Unido. Com a saída de uma dessas economias, tal estrutura se desestabilizaria.
Tendo em vista que a participação na União Europeia permite que os países comprem e vendam produtos e serviços entre si sem a aplicação de taxas e impostos dentro da área comum, o principal impacto no âmbito aduaneiro seria o aumento no custo das exportações e importações, uma vez que as exportações britânicas teriam que pagar direitos alfandegários para comercializar com os países europeus, enquanto as suas importações também seriam tarifadas. Logo, o Reino Unido estaria sujeito ao pagamento de taxas diferentes no comércio exterior com os países europeus em relação às praticadas atualmente. Entretanto, verifica-se que com a saída da UE o governo britânico passaria a ter uma liberdade maior para alterar leis sem observar limites impostos por diretrizes da UE.
Quanto à perspectiva da tributação direta, concernente à remessa de lucros auferidos, aos impactos no preço de transferência, e quanto aos recolhimentos concernentes ao imposto de renda, poderia haver uma atenuação na relação de transparência quanto ao intercâmbio de dados entre EUA e demais países com a UE, por exemplo. No entanto, o Reino Unido continua a ser um membro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e, portanto, as recomendações da Organização ainda exercem forte influência na legislação do Reino Unido. Ademais, o Reino Unido ainda estaria vinculado aos seus tratados de dupla tributação, sendo que as consequências de uma Brexit para o comércio internacional de bens dependerão da relação posterior ao Brexit que o Reino Unido estabelecerá com a UE e o resto do mundo, inaugurando a era “pós-Brexit”.
Tendo em vista que as disposições da UE são coordenadas com as orientações da OCDE, especialmente no que diz respeito às recomendações mais recentes BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), ou seja, erosão da base tributável e transferência de lucros, o Reino Unido, provavelmente, deve continuar a partilhar os valores da UE de justiça fiscal e combate à evasão fiscal.
Ao analisar a questão do ponto de vista tupiniquim, importante apontar que em relação ao comércio exterior com outro país, como o Brasil, seria fomentado, uma vez que o Reino Unido estaria mais livre de amarras para negociar com os demais países que não compõem o bloco, favorecido pela negociação bilateral. Porém, tendo em vista a relação do Mercosul com a UE, é muito mais vantajoso para o exportador brasileiro negociar com um bloco do que com um país individualmente. De qualquer forma, espera-se que a política interna do Brasil esteja direcionada para tornarem realidade ferramentas para o desenvolvimento do comercio exterior brasileiro, seja em qualquer cenário que o comércio exterior se desenhar.
No entanto, o recomendável é que as empresas, juntamente com assessoria especializada, avaliem os possíveis cenários, ao examinar eventuais riscos e as oportunidades e possibilidades de novos planejamentos, considerando questões de trânsito de estrangeiros, residência fiscal, análises contratuais, societárias quanto às empresas coligadas e controladas, por exemplo, além dos impactos na perspectiva aduaneira, tributária e legal.
É um momento para que os antiquados tradicionalismos britânicos, marcados pela previsibilidade, precisam se reinventar e se adaptar aos novos tempos, pois neste cenário do Brexit, remanesce apenas uma certeza: a da mudança. Neste contexto instável, parafraseando o memorável hino britânico, que ao menos a rainha, seja salva.
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